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sábado, 20 de janeiro de 2024

Raymundo de Salles Brasil (Canteiro de Trovas)


A cor dos teus olhos faz
o que só fazem os vinhos:
Me embriaga e é bem capaz
de embriagar os vizinhos.
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Ao que canta, basta o canto,
para carpir sua dor,
para derramar seu pranto,
basta a trova ao trovador.
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A trova não tem ciência:
carece de intuição,
um pouco de inteligência
e de muita inspiração.
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Cheguei da vida ao Inverno.
Retornar? – Ah, quem me dera!
Sorver o doce Falerno*
de uma nova Primavera.
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Depois de brilhar intenso,
Como flechas de ouro os raios,
No horizonte, o sol imenso,
Desfalece-se em desmaios.
= = = = = = = = = 

Depois de tantas andanças,
ao velho restam seus ais,
voltar a velhas lembranças,
recordá-las,  nada mais.
= = = = = = = = = 

Deus excede a imensidão
dos campos, dos céus, dos mares,
mas cabe em teu coração
se humildemente O buscares.
= = = = = = = = = 

Eu não consigo ocultar
a dor que aqui dentro sinto,
se a boca tenta negar,
meus olhos mostram que minto.
= = = = = = = = = 

Há certo tipo de amor
que a gente nunca se esquece:
na lembrança – morta a flor –
seu perfume permanece.
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Medo e Sonho, dois caminhos,
se entre um e outro me ponho,
prefiro enfrentar espinhos,
e perseguir o meu sonho.
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Minha trova é minha amiga,
ela acolhe os meus clamores,
é como modinha antiga,
que embala antigos amores.
= = = = = = = = = 

Misturam-se à paciência
do fantástico artesão,
a força da inteligência
com a destreza da mão.
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Nada pode embriagar,
nem mesmo os melhores vinhos,
como as mulheres no altar
como os rosais dos caminhos
= = = = = = = = = 

Na minha grande fraqueza,
num poço fundo, sem luz,
descobri a fortaleza,
da mão firme de Jesus.
= = = = = = = = = 

Não precisa o trovador
Ser letrado ou exegeta,
Ele precisa de amor,
Ser sensível e ser poeta.
= = = = = = = = = 

Não teriam mais sentido
meus sentidos sem você,
pois fico todo perdido
quando um deles não lhe vê.
= = = = = = = = = 

Nas horas de devaneio,
Ou mesmo se estou tristonho,
Retiro o véu do receio,
quando a sonhar eu me ponho.
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Nunca foi um ser normal
o poeta (alguém diria):
ele pega o que é real
e põe dentro a fantasia!
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O belo sol nascediço**,
vem de luz encher meu quarto;
eu acordo, e me espreguiço,
e agradecido me farto.
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Preocupa-me o destino
da minha lira sonora
quando badalar o sino,
quando chegar minha hora.
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Quando o coração padece,
só você sabe o porquê,
ou você magoou alguém,
ou alguém magoou você.
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Quem ama vê atitudes
virtuosas no defeito,
e quem não, nem as virtudes
são enxergadas direito.
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Quintana disse-me, a mim,
usando as suas facetas,
que eu cultivasse um jardim
e aguardasse as borboletas.
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Sacrifício por amor
nunca maltrata, nem cansa;
tem do prazer o sabor
e o gosto da esperança.
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Se for possível a quem parte,
se permitido a quem sonha,
se merecedora a arte,
deitem-me a lira tristonha.
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Se meu presente é tão bom,
eu devo muito ao passado,
ele foi que deu meu tom,
e me manteve afinado.
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Se tenho amor nas entranhas,
e se cultivo o perdão,
as suas faltas tamanhas,
perdoo-as de coração.
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Se todos fossem iguais,
o que seria da gente?
- Eu posso ser um a mais,
mas você é diferente!
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Somente tenho singrado
em águas rasas, serenas,
eu sou barco sem calado
e tenho velas pequenas.
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Tem três fases na gaveta
da vida de um velho pai:
a de rei, a de careta,
e a de bom, quando ele vai.
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Um amante, um poeta e um louco,
amor, sonho, fantasia,
sou de cada um, um pouco,
não fosse assim, não vivia.
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Vejo a noite enluarada,
e esse céu todo risonho,
sem ter de fazer mais nada
de você, eu faço o sonho.
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doce Falerno = Vinho apreciado pelos antigos romanos e que se produzia outrora em Falerno (Itália)
** Nascediço = que vai nascendo.

Fonte:
Recanto das Letras do Trovador

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Jeremias Ribeiro dos Santos (Gentio do Ouro/BA, 1926 - 1999, Ipupiara/BA)

 1
Alma e valor não traduz
o nosso Eu exterior,
mas reflete Amor e Luz,
o que somos no interior.
2
A mulher boa e fiel
tudo pelo esposo faz,
faz do seu lar um dossel,
um trono de amor e paz.
3
Brasil: a tua pujança,
teu progresso está seguro
em quem agora é criança
– o Bacharel do futuro.
4
Com o Livro de Deus aberto,
a ler, com meditação,
encontro paz e, por certo,
do meu viver a razão.
5
Ditoso e mui sorridente
vou brandindo a minha lira
e adornando a minha mente
com os versos que Deus me inspira.
6
Em Carlos Ribeiro Rocha
sempre encontro inspiração,
seus versos – são uma tocha
de rara fulguração.
7
Eu não sei filosofar,
isso é coisa de doutor,
mas às Letras sei amar,
e ao Belo sei dar valor.
8
Faço da trova um poema
para louvar mãe Maria,
nome que adoro e é meu tema
quando teço a poesia.
9
Luta, sofre, evita o mal,
da sorte nunca maldiz,
a esposa boa, ideal,
que quer ver seu lar feliz.
10
Nas asas fortes da trova,
mando a cada trovador
um aperto de mão, que prova
a força do nosso amor.
11
Nas letras não sou perfeito,
primária é minha instrução,
em Deus, porém, no infinito,
acho a luz da inspiração.
12
Nesta vida transitória,
nada vejo de valor,
pois, daqui, a falsa glória
murcha e finda como a flor!
13
Num mais notável poema,
é que se traduz a trova…
Ela encerra ilustres temas,
e – ao gênio – inspira e renova…
14
O que dizer eu não sei,
diz por mim a Poesia,
que é da harmonia a lei,
a tradução da alegria.
15
O teu meigo coração
pulsa, mamãe, junto ao meu,
e eu sinto na vibração
desse amor – o amor de Deus!
16
O trinômio que me  induz
a sonhar felicidade,
pensar nos Andes, na Luz,
é – Deus, Poesia, Verdade!
17
Para a festa da Poesia
algumas “faíscas” trago,
que dedico à mãe Maria
e aos amigos do meu pago.
18
Por dar ouvido à Serpente,
perdera seu Paraíso
o casal, que tão contente,
nos lábios tinha um sorriso…
19
Pra Ti, Mestre e Benfeitor
Jesus, quero poetar…
Com desvelo e  vivo ardor,
nos meus versos Te exaltar…
20
Qual soluça a juriti
que um dia perdeu seu ninho,
soluço longe de ti,
vivendo sem teu carinho…
21
Quisera ser trovador,
para com arte e mestria,
brilhantes trovas compor
louvando mamãe Maria.
22
Sejam meus ou sejam teus,
em apenas quatro versos
cabem fulgores dos céus
e a grandeza do Universo…
23
Sob o comando de Deus,
do Universo o Construtor,
breve o mundo de escarcéus,
será um mundo de amor.
24
Trova – criação divina,
apara alegrar os humanos,
– joia em versos, que fascina
os novos e os veteranos.
25
Tu és nobre e tens riqueza…
Eu sou pobre e sou plebeu…
Por tua pompa e grandeza
não troco um só verso meu.
26
Vaguei triste a procurar
remédio pro meu sofrer…
Só na trova pude achar
cônscio, alívio e prazer!

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Carlos Ribeiro Rocha (Ipupiara/BA, 1923 - 2011, Salvador/BA)

A lua é também rendeira,
e o trovador tem razão:
sua luz sobre a mangueira
faz a renda sobre o chão...
- - - - - –

Amigo, seja cordato,
que a vida é sempre esse jogo;
o fogo — incendeia o mato,
a fonte — elimina o fogo.
- - - - - –

A Natureza, exultante,
põe versos, por compaixão,
sobre o papel palpitante
do meu pobre coração.
- - - - - –

Ao pé do morro cravado,
qual o antigo Prometeu,
está o pequeno povoado
onde o poeta nasceu.
- - - - - –

Ao tempo da minha infância
não tive Norte nem Sul,
não sabia que, à distância,
toda serra é sempre azul.
- - - - - –

A pedra da estrada arreda,
e o mal não impera aqui,
quando, pensando na queda,
a gente cai mesmo em si.
- - - - - –

Bebo lições eloquentes
e escuto de Deus um hino,
nas asas verde-fulgentes
de um beija-flor pequenino.
- - - - - –

De ser magro, minha gente,
não tenho — confesso — mágoa,
o rio, em sua nascente,
é também filete d'água.
- - - - - –

Detesto a intriga, o revide,
porque, na vida, o que alcanço
é o dia — para que eu lide,
e a noite — para o descanso.
- - - - - –

Escuta-me, trova amada,
mesmo triste e cismarento:
como o cipó, na galhada,
te envolvo num pensamento.
- - - - - –

Essa cena, vez em quando,
contemplo, manhã bem cedo:
as trepadeiras botando
laçarotes no arvoredo.
- - - - - –

Está sendo bem feliz
e dando felicidade,
quem, injuriado, não diz
aquilo que tem vontade.
- - - - - –

Eu sinto grande euforia
quando a trova vou tecer,
— é meu pão de cada dia,
sem ela não sei viver.
- - - - - –

Lá nas serras passeando,
aprendi um tanto mais:
eu vi as pedras chorando
sem glândulas sensoriais.
- - - - - –

Minhas trovas — Primavera
sobre as durezas da vida,
são aquilo que eu quisera:
— estrada sempre florida.
- - - - - –

Morrer nos causa pavor,
porque não temos lembrado
de que — morrendo de amor,
damos vida ao ser amado.
- - - - - –

O nome do meu Colégio?
Ninguém suas letras soma;
Nunca tive o privilégio
de receber um diploma.
- - - - - –

O sovina e o pistoleiro
fazem coisas parecidas:
Cede a vida — por dinheiro,
por dinheiro — arranca vidas.
- - - - - –

Ouço da saudade o grito
vibrando uma tarde inteira,
naquele canto bonito
da nambu, na capoeira.
- - - - - –

O vento, com pé macio,
passou pelo meu jardim,
e como guri vadio,
nas minhas rosas deu fim.
- - - - - –

Para escrever, inspirado,
no horizonte os olhos fito,
com o coração mergulhado
nas belezas do Infinito,
- - - - - –

Para minha mãe, viúva,
neste maio de esplendor,
quero rogar-te uma chuva
de luz e bênçãos, Senhor.
- - - - - –

Pedi hoje, também ontem,
rogo a Deus o dia inteiro,
para que trovas despontem
fresquinhas, no meu canteiro.
- - - - - –

Pequenez é coisa feia?
Grandeza é documentário?
— Pequeno é o grão de areia,
mas enguiça um maquinário.
- - - - - –

Piedosa, mãe Natureza
vendo a terra assim despida,
teceu um manto (lindeza!)
e a deixou verde e florida.
- - - - - –

Poeta, se queres, venha
escutar a voz da mágoa
pela garganta rouquenha
do boqueirão do Olho d'Agua.
- - - - - –

Quadro que nos enternece,
pintura de que se gosta:
a água evapora — é a prece,
e a chuva cai — a resposta.
- - - - - –

Que quadro lindo, estupendo!
— Por entre as brechas do morro,
raízes longas, descendo,
pedindo à terra socorro...
- - - - - –

Querendo trova perfeita,
rabisco, lápis em punho,
mas depois da trova feita,
volto à busca do rascunho.
- - - - - –

Saiba, amigo, que Deus brilha
na face dessas estrelas;
quem quer ver de Deus a trilha,
procure somente vê-las.
- - - - - –

Sem Colégio, encontro tudo
no livro da Natureza,
e como não tive estudo,
— sou ave no visgo presa.
- - - - - –

Se queres "bandeira branca",
procura assim praticar:
O orgulho — de ti arranca,
' planta amor no seu lugar.
- - - - - –

Se queres viver tranquilo,
ouve em ti mesmo essa voz:
Seremos somente aquilo
que construímos em nós.
- - - - - –

Sou de crer, ninguém resiste
a força desse episódio:
Sai o amor, aflito e triste,
quando no lar entra o ódio.
- - - - - –

Tem mais valor, entre os meus,
muito mais do que um retrato,
meus versos simples, plebeus,
que me retratam, de fato.
- - - - - –

Trovador, que belo enredo
para uma trova louçã:
na pia do sol, bem cedo,
lava seu rosto a manhã.
- - - - - –

Tua casinha, menina,
bem no sopé da ladeira,
é o lírio da colina
que quanto menor, mais cheira!

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Anuário de Poetas do Brasil – Volume 4. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1979.

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...