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quinta-feira, 1 de julho de 2021

A. A. de Assis (Estudar é preciso)


O bom trovador nasce feito. Isso é verdade. Porém não é a verdade inteira: é necessário dar um empurrãozinho no dom de nascença. Esse pessoal do primeiro time da trova, que a gente admira tanto, não chegou a tal posição por acaso. Por trás de uma bela trova está geralmente uma vida inteira de estudo e perseverança. Mesmo aqueles que começaram a escrever trovas há pouco tempo, e que de repente passaram a vencer concursos, somente conseguiram tal proeza porque antes cultivaram outras formas de poesia, necessitando apenas de algum treinamento no trato da quadra de sete sons.

Entretanto, por mais habilidade que o trovador demonstre, ele não pode nunca parar de estudar, começando pelo aprofundamento na história da trova. Há uma rica bibliografia nessa área, à disposição dos que se disponham a levar o trovismo realmente a sério. Também indispensável é ler/reler os manuais que ensinam técnicas de versificação. E mais ainda: ler centenas, milhares de trovas, dos mais variados autores, a fim de descobrir novos caminhos, educar o ouvido, e sobretudo fruir ao máximo a obra dos nossos irmãos de rimas.

Umas das principais virtudes do bom trovador é ser um guloso leitor de trovas.      

Vale lembrar ainda o belo exemplo de algumas seções que estão tornando frequentes as oficinas de trovas – minicursos em que grupos de trovadores trocam ideias sobre a arte poética, uns ajudando os outros a esclarecer dúvidas, sanar dificuldades, etc. O resultado é que todos começam logo a produzir mais trovas, e a cada dia mais bonitas.


Fonte:
Trovia, de novembro de 2001.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Maria Thereza Cavalheiro: O Bom Trovar (IV - O que evitar)

 

Embora alguns autores entendam que o enjambement possa dar realce a certas palavras, somos de opinião que deve ser evitado na trova.

Enjambement é quando palavras que pertencem ao grupo tônico de um verso, à sua unidade, passam para o verso seguinte, onde completam o sentido, muitas vezes com prejuízo para o valor da rima.

Ex:
Seguimos pela estrada
da vida, com nossas mãos
unidas; etc.

Versos sibilantes, com muito s e z, podem ser desagradáveis:

Fez-se mais triste depois.
Sentiu-se assim mais sincero.
Sem sentido se exaspera.

Evite-se a colisão, que é o encontro de sons iguais ou semelhantes também com efeito acústico reprovável:

Pois esse se separou.Foi um dardo do destino.

Sons duros seguidos devem ser evitados:

Foi ele que quis o amor.
Quer quanto vale um tesouro.
Ninguém tem amor à dor.

No último exemplo houve também um cacófato:

morador.

É bom ler em voz alta nossas trovas, para detectar possíveis cacófatos, que é quando do encontro de sons em uma frase resultam palavras ridículas, estranhas ou simples efeito desagradável ao ouvido.

Na humorística, às vezes o cacófato é usado de propósito, para um efeito que leve à hilaridade.

Eis alguns cacófatos corriqueiros:

em festa - infesta;
mas não - asnão;
só com - soco;
se enterra - sem terra;
vez passada - vespa assada;
ela tinha - é latinha;
em versos - inversos;
uma mão - um mamão;
por causa - porca;
da nação - danação;
mas que - masque;
compus - com pus;
amor tem - a morte em;
tu me amaste - tu mamaste;
alma minha - maminha.

Quanto ao uso de nomes próprios na trova, embora comum, somos de opinião que deve ser evitado, mesmo na quadra humorística. Só se justifica em trovas de homenagem. Fazemos exceção para o nome Maria, quando designa mulher, e sem ter sentido pejorativo.

Como no exemplo:

Por duas Marias erra
meu viver de déu em déu:
- a que me perde, na terra,
- a que me salva, no céu.
J. G. DE ARAÚJO JORGE

Na trova, devem ser evitados certos recursos para dar ao verso o número de sílabas, as chamadas cavilhas, que são palavras de apoio para completar a frase melódica, tais como:

meu bem, querida, meu amigo, meu rapaz, eu suponho, todos sabem, todos dizem, creia, acredito, veja bem.

Na maioria das vezes, essas expressões nada acrescentam à trova. Mas pode ocorrer também de serem bem empregadas, como no exemplo seguinte:

Quando à festa vens, querida,
em minha casa modesta,
a festa ganha mais vida
e a vida ganha mais festa!
ANTÔNIO ZOPPI

Evite-se, também, o estrangeirismo - uso de palavras e construções estranhas à nossa língua.

Cuidado com o eco - fonemas que se repetem no verso sem nenhum intento específico de valorização da trova.

Atenção especial com os erros de gramática.

Solecismo é, em sentido lato, toda e qualquer infração cometida contra a língua pátria. É muita pena quando uma bela trova apresenta lapso gramatical. O poeta deve dominar os seus meios de expressão.

Achamos de muito mau gosto fazer pilhéria sobre infortúnios ou ridicularizar pessoas em razão de credo, raça e sexo. Infelizmente, a trova humorística presta-se muito a isso. A mulher, principalmente, é bastante visada. Faz-se piada com a sogra, a velha, a empregada, a grávida, a mulata.

Zombar de alguém em nada contribui para a melhoria do mundo, que necessita de mensagens fraternas.

Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Ed. do Autor, 2009

terça-feira, 22 de junho de 2021

Maria Thereza Cavalheiro: O Bom Trovar (III - Figuras na Trova)

 

A trova se valoriza pelo achado, pelo inusitado - algo que surpreende no momento da criação. É uma nova forma de dizer o que já foi mil vezes dito; uma ideia diferente para expressar alguma coisa comum. Pode ser um jogo de palavras, uma metáfora, uma rima original. O achado é uma descoberta.

Como elementos de valorização da trova, merecem atenção especial as figuras de estilo, recursos que dão ao verso maior colorido e fulgor.

Elas são muitas e se dividem em figuras de palavras (ou tropos), figuras de pensamento e figuras de construção.

Entre as figuras de palavras, temos
 a metáfora (e suas modalidades, como personificação, símbolo, sinestesia),
 a comparação e a metonímia.

Entre as figuras de pensamento, estão
 a antítese ou contraste,
 o paradoxo,
 o eufemismo,
 o trocadilho.

Entre as de construção temos
 a onomatopeia,
 a aliteração,
 a elipse,
 a reticência,
 a repetição.

Muitas vezes esses termos se confundem e simplificadamente são chamados de figuras, imagens ou metáforas em sentido lato.

Na metáfora, em sentido estrito, a imagem se revela por si só, de modo implícito. Sem nenhum suporte para sua expressão, o que a torna mais viva e dinâmica que na comparação. Assim:

Muitas vezes imagino,
nos meus dias desolados,
que o meu coração é um sino
dobrando sempre a Finados.
BELMIRO BRAGA

Faz contraste com o céu
o pinheiro verdejante;
é uma taça erguida ao léu
em louvor do caminhante!
MAFALDA DE SOTTI LOPES

No ocaso, em tarde sombria,
que à saudade nos conduz,
a sombra é o pranto do dia ,
chorando a ausência de luz.
FERREIRA NOBRE

Disse-me a fonte na mata,
nos ternos cânticos seus:
- O Poeta é a flauta de prata,
o Poema - o sopro de Deus!
LEONARDO HENKE

Na comparação ou símile, a imagem se revela com auxílio das palavras como, tal como, tal qual, qual, parece, e, por ser explícita, perde em geral um pouco de sua força. Eis um exemplo:

Meu coração, quando o ninas
com tuas juras de amor,
parece um templo em ruínas
todo coberto de flor!
LILINHA FERNANDES

Personificação, que também é denominada prosopopéia, animismo e animizaçâo, é a figura de linguagem em que seres inanimados ou irracionais agem como se fossem seres humanos:

Ao sol, as rosas vermelhas,
sensuais, tontas de luz,
à carícia das abelhas,
vão expondo os colos nus!
JOUBERT DE ARAÚJO SILVA

Símbolo é quando se toma, sistematicamente, uma coisa, de valorização universal, por outra, a exemplo de cruz, que pode simbolizar o Cristianismo, a dor, a morte; ou regaço, que pode referir-se a colo materno:

A vida é apenas um traço
com jogos de sombra e luz,
que partindo de um regaço
vai terminar numa cruz.
VERA VARGAS

Sinestesia é quando se confundem os planos sensoriais, usando-se de um sentido por outro, para um determinado efeito. Como nos versos:

Vê-se o canto da araponga.
Ouve-se a luz da manhã.
Enxerga-lhe a cor da voz.

Metonímia é quando se diz uma coisa por outra, o efeito pela causa e vice-versa:

cãs, por velhice;
primaveras, por anos;
suor, por trabalho.

É bastante comum na trova e a enriquece sobremaneira:

As cãs mostravam o tempo.
Na primavera da vida.
Suores de muitos anos.

Na antítese ou contraste, juntam-se ideias opostas pelo sentido:

Trouxe-me grande valia
a verdade que aprendi:
toda pessoa vazia
é sempre cheia de si...
DELMAR BARRÃO

No paradoxo, as ideias são contraditórias, a sugerir erro, mas podendo conter uma verdade:

Meu olhar vago relata,
numa tristeza incontida,
que o grande amor que me mata
é o mesmo que me dá vida.
LEOPOLDINA DIAS SARAIVA

Quando preso num recinto,
desejo livres espaços.
Porém, mais livre me sinto
quando preso nos teus braços.
MÁRIO BARRETO FRANÇA

O eufemismo é uma maneira de suavizar uma realidade desagradável, é quando se diz uma coisa por outra menos contundente:

Foi para o mundo estelar - faleceu.

No trocadilho, há palavras de sons semelhantes e sentido aparentemente dúbio, às vezes com o intuito de fazer graça:

Foste uma flor de papel / fazendo papel de flor.

Na elipse, um ou mais termos ficam subentendidos na frase:

Rosa é flor, também mulher.

Na reticência, há uma suspensão propositada do pensamento:

Era um amor sem controle...

Repetição é quando se usa uma expressão por mais de uma vez, para o efeito de realce:

Branca a nuvem, branca a paz.

A onomatopeia e a aliteração, termos que muitas vezes se confundem, podem trazer muita originalidade à trova.

Aliteração é a repetição de fonemas iguais ou parecidos para, através do som, sugerir uma ideia:

Onda redonda assomou.

A aliteração aproxima-se muito da onomatopeia, que, em sentido estrito, é quando um único vocábulo dá a ideia acústica:

o marulho das ondas,
o farfalhar das ramagens.

Em sentido lato, a onomatopeia refere-se a todos os processos e efeitos que levem a sugerir um determinado ruído.

Bate o vento, o vento bate.

A assibilizaçâo (sons sibilantes, excesso de s e z), que normalmente se condena, pode também servir à aliteração:

Zunem com asas de brisa.

Várias imagens podem aparecer com frequência em uma mesma trova, e seus nomes também muitas vezes se confundem.

Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Ed. do Autor, 2009

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Maria Thereza Cavalheiro: O Bom Trovar (II - Os ictos - o ritmo - a cadência)

 

Muitos autores têm declarado que na trova não há um esquema acentuai obrigatório e, por isso mesmo, os versos de sete sílabas são chamados de arte menor, em contraposição aos versos de mais de sete, estes sujeitos a ictos obrigatórios e chamados de arte maior.
          Em verdade, porém, o setissílabo apresenta oito ritmos recomendáveis, e a trova pode - e deve – para não ser monótona,  apresentar variedade sonora em seus versos.
         Icto é o acento obrigatório no verso, que marca o seu ritmo. Este varia conforme a disposição das sílabas tônicas e átonas no verso. Muito embora se  confundam em sentido lato, diferenciam-se ritmo e cadência. Assim, conforme os ictos, o ritmo pode ser variável, mas a trova, como diz Francisco Nogueira, "pode ter ou não uma cadência, que é a repetição do mesmo ritmo nos quatro versos", a qual é, assim, invariável.
         Eis uma trova com a mesma cadência nos quatro versos e com o ritmo 3-5-7:

CoraÇÃO de MÃE - canTEIro
 em peREne FLOraÇÃO,
 onde um SANto JARdiNEIro
 planta as ROsas DO perDÃO.
 MARILITA POZZOLI

         A seguir, uma de Autor desconhecido, com versos todos no ritmo 1-3-7:

 EU queRla, ela queRla;
 EU peDla, ela neGAva;
 EU cheGAva, ela fuGla,
 EU fuGla, ela choRAva.
 ANÔNIMA
        
Já vimos que o verso se conta até a última sílaba tônica, e, assim, o setissílabo tem sempre um icto na 7a. São as tônicas que dão, também, a acentuação interna do verso, elas que marcam os ictos e dão o ritmo.
   Registramos, pois, os oito esquemas referidos, cada um exemplificado com verso de nossa autoria, também com os ictos em letras maiúsculas:

ÉS meu SOL: EsTREla-GUIa                        1-3-5-7
BUSco a esTREla no caMInho                     1-3-7
A disTÂNcia é MEU torMENto                       3-5-7
A sauDAde é passaRlnho                            3-7
Minha trisTEza é infiNIta                             1-4-7
Uma espeRANça que DORme                      4-7
LemBRANças QUEImam: são BRAsas          2-4-7
A NOIte faBRIca esTRElas                           2-5-7

         Lembre-se que há palavras que têm um acento próprio, tônico, bem marcado: flor, quimera, rápido. Em outras, esse acento não é tão sensível: sereno, acidente, monte. Na sequência de vocábulos, principalmente essas palavras que não têm um acento marcante podem apresentar acentuação oscilante, sujeita ao ritmo global do verso. Há um processo natural de acomodação das palavras ao ritmo. Em função do conjunto fonético, as sílabas graves e tônicas, conforme sua disposição no verso, podem aumentar ou diminuir de intensidade. Daí também um mesmo verso poder apresentar mais de um ritmo, a se enquadrar ora num, ora noutro esquema.
         Observe-se que palavras longas podem ter um ou mais acentos secundários (subtônicas), o que acontece principalmente com palavras compostas: inTENsaMENte, AEroPORto, COUve-FLOR. Outras podem apresentar pronúncia variável, e receber um acento de intensidade : MIseRÁvel, MAraviLHOso.
         Palavras proparoxítonas apresentam também um acento secundário na última sílaba: LÍMpiDO, ÂNgeLUS, PÉRgoLA. No interior do verso, essas palavras podem contribuir para bons efeitos rítmicos. 
         Note-se que um verso aparentemente com acentuação apenas em 2-7 pode ter seu ritmo dado pela acentuação secundária em 2-4-7 ou 2-5-7, como em:

 DeBAIxo DOS serinGAIS                            2-4-7 ou
 DeBAlxo dos SErinGAIS                              2-5-7

         Autores conceituados incluem ainda no setissílabo o esquema 1-5-7, no qua! entra, mas forçadamente, para dar o ritmo, a acentuação secundária, no esquema 1-3-5-7. Na trova literária, porém, em nosso entender, o ritmo, no caso, se torna um tanto artificial. Como no verso:

 CAbe numa BARca DE Ouro                       1-5-7

         Já o esquema 2-6-7 foge completamente ao ritmo poético, tal como no exemplo: MosTROU-me o carroÇÃO VElho.
         O assunto, porém, é complexo: em caso de dúvida, apure-se o ouvido para o melhor resultado.
         Vejamos algumas trovas de ritmos variados, todas com boa sonoridade:

Os TEUS dois GRAMpos de PRAta                         2-4-7
LEMbram-me aGOra, ao prenDÊ-los,                     1-4-7
DUAS esTRElas briLHANdo                                   1-4-7
na NOIte dos TEUS caBElos.                                2-5-7
CORRÊA JÚNIOR

QUANto MAIS teu CORpo enLAço,                        1-3-5-7
 mais paDEço o MEU torMENto,                            3-5-7
 por saBER que MEU aBRAço                                3-5-7
 não PRENde o TEU pensaMENto.                         2-4-7
 JESY BARBOSA

SauDAde - perFUme TRISte                                 2-5-7
de uma FLOR que NÃO se VÊ.                              3-5-7
CULto que aINda perSiSte                                    1-4-7
num CRENte que JÁ não CRÊ.                              2-5-7
MENOTTI DEL PICCHIA

Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Ed. do Autor, 2009

domingo, 20 de junho de 2021

Maria Thereza Cavalheiro: O Bom Trovar (I - Rima: elemento imprescindível)

 

A rima é essencial na trova, e consiste na conformidade de sons de duas ou mais palavras, a partir da última vogal tônica. Assim, Maria rima com tardia - vogal tônica i; temerária rima com primária - vogal tônica a.
        Na trova, em sua forma mais simples, é regra que as rimas do 2° e do 4° verso, pelo menos, sejam consoantes, aquelas que conservam a conformidade total de fonemas a partir da última vogal tônica: destino - sino; planta - encanta. Mas podem haver bons efeitos sonoros também quando o 1° e o 3° verso trazem apenas rimas toantes, aquelas que apresentam identidade de sons somente nas vogais tônicas: dilema - pena; pedra - terra; lavra - escrava.
        As rimas podem ser perfeitas: mão - pão; sereno - pequeno. Ou imperfeitas: traz - mais; luz-azuis. No 2° e no 4° verso, devem ser evitadas as imperfeitas, mas acreditamos que, no 1° e no 3°, estas podem trazer sonoridade à trova. Algumas imperfeitas, por serem quase perfeitas, são, no entanto, admissíveis: boca- louca; beijo - desejo. Como na trova seguinte:

Essa que afasta os abrolhos 
de minha existência louca,
carrega a noite nos olhos
e a madrugada na boca.
ALCEU WAMOSY

No exemplo seguinte, todas as rimas são perfeitas:

Quem ama parece louco,
leva uma vida enganosa,
é como eu, que inda há pouco,
disse - Bom dia! a uma rosa.
MARTINS FONTES
        
São consideradas pobres as rimas de palavras da mesma classe gramatical e de verbos no mesmo tempo. Para nós, o que deve ser evitado é o emprego de rimas de advérbios em mente (finalmente - ternamente), de gerúndios (chovendo - sofrendo), de particípios (sofrido - colhido), e, o quanto possível, de verbos no infinitivo (amar - chorar; colher- sofrer, sorrir - partir, por- compor).
        Mesmo assim, pode haver uma boa trova com esses tipos de rimas, quando valorizada pela ideia, pelo achado. Vejamos as seguintes:

Para matar as saudades,
 fui ver-te em ânsias, correndo...
- E eu, que fui matar saudades,
vim de saudades morrendo!
ADELMAR TAVARES

A noiva passa levada
pelas asas do seu véu:
é como Estrela enfeitada
para uma festa no céu.
ABGUAR BASTOS

        E a seguinte, com todas as rimas em verbo:

Saudade é tudo o que fica
daquilo que não ficou;
lembrança, que mortifica,
daquilo que se acabou.
JOARYVAR MACÊDO

        É bom evitar, quanto possível, rimas de palavras derivadas, consideradas pobres: encanto - desencanto; tempo - contratempo; caminho - descaminho; crença - descrença; caldo - rescaldo.
        Vêm sendo comumente chamadas pobresas rimas fáceis, como as que se fazem em ar, or, ão. No entanto, podem ser obtidos bons resultados com esse tipo de rimas. Veja-se a trova seguinte, aliás, com rimas imperfeitas no 1° e no 3° verso:

Por esses campos azuis,
ó lua do meu sertão,
tu és um pente de luz
nas tranças da escuridão!
FÉLIX AIRES

        E esta, de rimas perfeitas, também cheia de simbolismo:

Velhinha, de vida breve,
já misturando estação,
a paineira chora neve
num vendaval de verão!
CARMEN OTTAIANO
        
A trova seguinte, com rimas em orno 2° e no 4° verso, é uma das mais bonitas da nossa língua:

Saudade, palavra doce,
que traduz tanto amargor!
Saudade é como se fosse
espinho cheirando a flor.
BASTOS TIGRE

        São consideradas ricas as rimas de classes gramaticais diferentes: medo(substantivo) - cedo (advérbio); chuva(substantivo) - desluva (verbo).
        Também as que se destacam pela originalidade: strip-tease - deslize; labirinto - retinto; cofre - sofre.
        São ainda consideradas ricas as rimas de palavras iguais mas com sentido diferente: muda (adjetivo) - muda (verbo).
        Rimas preciosas são rimas exóticas, obtidas com palavras combinadas: se abre- sabre; silêncio - pense-o; foice- foi-se; vê-la - estrela. Eis uma trova com rimas preciosas no 2° e no 4o verso:

A vida que vivo agora,
só me encoraja vivê-la,
porque a saudade, lá fora,
me vigia de uma estrela!
C. A. BEIRAL

        Rimas raras são aquelas pouco encontradas para determinadas palavras: cisne - tisne; noite - açoite; olhos - abrolhos- escolhos. Essas rimas, porém, se tornaram muito desgastadas.
        Rimas completas (também chamadas ricas) são aquelas em que há concordância inclusive nas consoantes que precedem as vogais tônicas: lavra- palavra; candelabro - descalabro.
        Rimas auditivas, diz-se daquelas em que há conformidade de sons, mas não de grafia: messe -prece; lasso - laço.
        As rimas de palavras agudas (oxítonas) são também chamadas masculinas; as graves (paroxítonas), femininas. Alguns são de opinião que a trova deve sempre ter início com verso grave.
        Outros condenam a trova só de versos agudos, que consideram "duros". Achamos exagero nessas opiniões, mas, no geral, preferimos começar a trova com verso grave, sem que isto seja uma regra.
        Vejamos uma trova com rimas agudas no 1° e no 3° verso, com bons efeitos sonoros:

Não tenhas tanto temor
 do veneno da serpente.
 Causa muito mais pavor
 a lingua do maldizente!
 ALICE DE PAULA MORAES

        Devem ser evitadas as rimas homófonas, isto é, as que tenham a mesma vogal tônica e o mesmo som (ou só aberto, ou só fechado). Mas as rimas homófonas podem ser compensadas com um bom jogo de vogais no interior da trova, que, assim, não ficará prejudicada, como na quadra seguinte, com a vogal tônica i:

Quando ri, um passarinho
sai cantando de teu riso,
para mostrar-me o caminho
que conduz ao paraíso.
MURILLO ARAÚJO

        Quando é a mesma vogal tônica, mas alternando sons abertos e fechados, não há homofonia:

Jamais se rende o penedo
ao delírio das marés.
O mar agride o rochedo,
mas sempre morre aos seus pés.
VASCO DE CASTRO LIMA

        Rimas internas são as que se repetem também dentro do verso, em geral aleatoriamente, e contribuem para o efeito sonoro. Na trova seguinte, recamadaé uma rima interna:

Minha vida é uma almofada
recamada de açucenas;
por fora - tão cobiçada,
por dentro - cheia de penas.
LOURDES STROZZI

        Não se deve aceitar como rima um som aberto com o mesmo som porém fechado: vela - estrela; belo - selo; bode - pôde; céu - seu; menor - alvor; leve - teve; credo - medo; redor - amor; ainda que haja exemplos de bons poetas nesse sentido.
        Os melhores efeitos são conseguidos com pares de rimas contrastantes. A rima valoriza a trova, mas a ideia, o achado, a mensagem, vêm em primeiro lugar. Vejamos algumas trovas com boas
ideias e rimas bem contrastantes:

Eu sei de uma negra cruz,
de tão negra não tem nome:
essa que o pobre conduz
pelo calvário da fome.
SEBASTIÃO SOARES

Nunca o amor se satisfaz
e sempre se contradiz:
Faz e não sabe o que faz,
diz e desdiz o que diz...
LUIZ RABELO

Naquele instante do adeus
do nosso encontro fortuito,
teus olhos e os olhos meus,
discretos, disseram muito.
HEITOR STOCKLER

A própria infância, também,
é do passado uma voz:
Saudade, às vezes, de alguém,
que vive dentro de nós...
HELVÉCIO BARROS

Quem não calcula a descida
 e faz da droga um suporte,
cai do trapézio da vida
na rede fria da morte.
HILDEMAR DE ARAÚJO COSTA

Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Ed. do Autor, 2009

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Plágio em Concursos

1 – Se numa trova ou numa poesia eu colocar uma das estrofes “o poeta é um fingidor” (que é de conhecimento geral ser do Fernando Pessoa), mas todo o resto for diferente, pode ser considerado como um plágio? Ou perdem seu direito a participar de um concurso?

R= Não tem como implicar com uma trova porque tem um verso igual ao verso de outra. No entanto, em um concurso, os julgadores poderão desconsiderar a mesma, caso este verso seja extremamente conhecido, como o de Fernando Pessoa.

2 – Se as estrofes forem formadas de gente conhecida, mas cada uma de um outro autor. Exemplo: 1ª. Estrofe é do Castro Alves, a 2ª. Do Manuel Bandeira, a 3ª. Do Cláudio Manoel da Costa a 4ª. Do Ouverney, e assim por diante. Isto é considerado plágio?

R= Este caso se aplica ao exemplo anterior. Versos do conhecimento geral não tem como “assumirmos a paternidade” em um concurso.

3 – Se eu participar com uma trova em um concurso e nem me classificar com ela e quiser envia-la para outro, posso ou não é permitido isto, pois de repente os julgadores podem ser deste e lembrar desta trova?

Pode. Em Pouso Alegre, no ano 2000, Waldir Neves foi 1º lugar no tema “Noite:

Cai a noite … Seu negrume,
mercê de um mistério estranho,
faz de um ínfimo queixume
um lamento sem tamanho …

Quando eu o parabenizei pela belíssima trova (muito bem elaborada), ele me disse que ela havia sido enviada, anos atrás, para Friburgo e não pegou nada lá. O julgador poderá até lembrar-se dela mas o que vale é não ter sido publicada em lugar nenhum, ser inédita em termos de divulgação.

4 – Se eu haver divulgado uma trova na Internet, posso participar de concurso com ela, ou por estar ao publico perde direito?

R= Se ela está divulgada, deixou de ser inédita. Já vi casos, até recentes (em que o autor arrisca pois, afinal, pouca gente o acessou na Internet. Manda para o concurso e ganha. Eu, particularmente, acho mais grave o autor premiar com uma trova já premiada. O que também ocorre.

5 – Até quanto de uma trova ou poesia é considerado plágio?

Exemplo:
Naqueles tempos de antanho,
de escribas e fariseus,
conheci um homem tacanho,
que consertava pneus.

As duas primeiras é do Durval Mendonça (o restante seria: Um homem do meu tamanho/ tinha o tamanho de Deus) e as 2 ultimas muito mal feitas (horrorosas) (só como exemplo), são minhas. É plágio isto?

São dois versos extremamente conhecidos, seriam caracterizados como plágio. Acho que não é bem o tamanho do que se copiou mas é quando se atinge a parte chamada “achado”, o diferencial da composição. Conheço trovas que têm até três versos parecidos, mas são tão comuns que todo dia tem alguém escrevendo algo igual, ou quase.

6 – Reforçando, até quanto de uma trova ou poesia é plágio?

R= Acho que foi respondido no item anterior. Nesse caso agora, que deu polêmica, uma trova, premiada em 1992, foi:

Ontem rompemos os laços
e a saudade, por magia,
me faz ouvir os teus passos
por toda a casa vazia!…

E a outra, premiada, em 2006 (autores diferentes) foi:

Ontem rompemos os laços…
Numa utópica magia,
a saudade pôs teus passos
por toda a casa vazia…

Fonte:
Oceano de Letras

terça-feira, 15 de junho de 2021

Luiz Otávio (Aspectos da Trova Humorística)

 
1 - A MALÍCIA:

Embora o conceito de malícia seja variável de pessoa para pessoa, há certo tipo de malícia que choca, de imediato, a quem a ouve. Assim, o leitor de alguma sensibilidade e cultura saberá distinguir a malícia fina, daquela que traz humorismo grosseiro.

A malícia, em nossa opinião, mesmo tendendo para o plano sexual, quando bem dosada, sutil, é perfeitamente aceitável em Trova.

Vejamos, por exemplo, esta trova de A. Bobela Mota, trovador português, em que há malícia com fundo sexual e que, entretanto, é plenamente aceitável:

Graças a certo percalço,
encontraste, enfim, marido…
Como vês, um passo em falso
nem sempre é um passo perdido…

Ou esta outra de Antônio Carlos Teixeira Pinto:

Minha sogra é mesmo o fim,
eu digo e sinto vergonha:
dúvida tanto de mim,
que acredita na cegonha…

De resto, até mesmo em trovas líricas, pode aparecer o erotismo explorado de maneira sutil e inteligente, emprestando força poética à mensagem, sem chocar a sensibilidade do ouvinte ou leitor.

2- A CRÍTICA, A SÁTIRA, A IRREVERÊNCIA

É inconveniente a trova que, de modo intencional, ofende, genericamente, um grupo, uma instituição, uma classe… Todavia, consideramos que é perfeitamente válida, aquela que toma, individualmente, um elemento pertencente a uma determinada profissão ou grupo, para desse indivíduo, assim isolado, fazer motivo de humor.

Como exemplo, citaremos a conhecida trova de Antônio Salles, que satiriza, ao mesmo tempo, um militar e um médico, sem que, com esta sátira, ofenda a classe médica ou militar:

Eis um médico fardado
- que perfeito matador!-
quem escapar do soldado,
não escapa do doutor…

Excepcionalmente, pode-se aceitar a trova, mesmo quando faz crítica a uma classe, porém sem premeditação de ofensa, isto é, com intenção, apenas, de fazer graça.

Tomemos, para exemplo, a Trova de Elton Carvalho que, por coincidência, é militar:

A mulher do militar
deve pagar mais imposto,
só pelo fato de usar
sempre um marido… com…posto…

Ora, ainda que seja uma graça extensiva a toda uma classe – a mulher do militar – não há absolutamente, ofensa ou crítica, mas tão somente, o humorismo ingênuo de um trocadilho.

3- EMPREGO DE NOMES PRÓPRIOS

Os nomes próprios vêm sendo usados, sem discriminação, em vários gêneros literários. Na prosa, Machado dá nomes adequados, para dar maior ênfase àquilo que escreviam. O sofrimento ou o riso, não raro se estampavam no nome que era dado ao personagem, principalmente o riso, pois Assis, Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e outros, escolhiam os temas humorísticos que facilitam enormemente a escolha do nome, vamos dizer, engraçado. Na poesia desde os clássicos, quantas vezes os nomes inventados ou verdadeiros passaram a ficar indissoluvelmente ligados aos autores. Quem não se recorda de Marília de Dirceu, de Laura de Petrarca, de Beatriz de Dante? Na música popular, vemos uma infinidade de nomes que se tornaram celebres, através de valsas, polcas, canções, no passado,e, em outros gêneros musicais, no presente. Branca, Gilca, Maria, Neusa, Nanci, Amélia, Dora, Aurora, Marina, e, bem recentemente, Carolina, Luciana, Ana Maria, Isabela, etc… etc… São alguns dos nomes focalizados pela música popular. Nos anúncios de rádio e da televisão, anúncios muitas vezes estudados por equipes compostas de elementos formados em faculdades de comunicação, quantas vezes, o nome próprio aparece para facilitar a memorização daquilo que se pretende anunciar. Então aí os Apolônios, Jeremias, os Sugismundos…

Na própria trova lírica ou filosófica, quantas premiadas em concursos, ou consagradas pelo gosto popular, trazem nomes próprios!

Exemplo:

 Maria, só por maldade,
deixou-me a casa vazia:
Dentro da casa a saudade,
E na saudade, - Maria!

Esta trova, de Anis Murad, é uma das muitas que poderíamos citar e que foi classificada em 1º lugar, nos II Jogos Florais de Nova Friburgo. E quantas mais, não só em Nova Friburgo. Como em outras cidades, têm aparecido, principalmente, com o nome de Maria, quase um símbolo dos trovadores…

Há, além dos argumentos acima, outros que poderemos lembrar, em favor do aproveitamento de nomes próprios na trova humorística, tais como:

a- O nome próprio, em alguns casos, dá mais autenticidade ao assunto;

b- Há nomes próprios que, por si sós, pelo grotesco que apresentam, trazem mais humor à trova;

c- Em alguns casos, a trova gira, essencialmente, em torno do nome próprio usado;

d- Se encontramos, muitas vezes, trovas de rimas forçadas – humorísticas ou não – por que não usar o nome próprio que, além de facilitar a rima, pode trazer mais graça e fluência à trova?

Portanto, em nosso entender, é perfeitamente válido o uso de nomes próprios nas trovas, principalmente, humorísticas.

4 - USO DE GÍRIA

No capítulo da gíria, cabem as mesmas considerações que fizemos com relação aos nomes impróprios. Tanto na poesia humorística, como na prosa e, principalmente, no teatro, a gíria está presente. Não esqueçamos, também, que a gíria de hoje, amanhã poderá estar incorporada ao vernáculo. Assim tem acontecido em várias épocas, no processo evolutivo das línguas.

Chega-nos, agora, através do rádio, a notícia que o DNER do Ceará, numa experiência inusitada, está, em alguns lugares, substituindo as clássicas advertências de "cuidado", "devagar", por outras, bem modernas, onde a gíria é o principal ingrediente: "manera aí, bicho!" ou  "vá em marcha de paquera", etc…

Portanto, achamos perfeitamente natural o uso da gíria em trova humorística, por sua característica eminentemente popular.

5- PORNOGRAFIA

Muito embora o teatro moderno venha usando, ostensiva e abusivamente, a pornografia, quer parecer-nos que quase tudo isto é feito com fins comerciais ou sensacionalistas. Devemos, ainda, considerar que ao Teatro, comparecem aqueles que, com conhecimento de causa, estão dispostos a ver de perto tudo aquilo. Devemos frisar ainda que, muitas vezes, a censura faz imposições, limita a entrada a pessoas de determinadas idades. Isto acontece, também, em livros do mesmo estilo, em que se exige sejam os mesmos colocados em envelopes lacrados, com etiquetas proibitivas de venda a menores, Tal porém, não acontece com a trova pornográfica que, se declamada em público ou colocada em livro, poderá surpreender, desagradavelmente, o ouvinte ou o leitor. 

Embora nos itens anteriores, tenhamos demonstrado nossa compreensão quanto ao uso da malícia, irreverência, do emprego de nomes próprios, da gíria, achamos que a trova nada lucraria com o uso de palavras obscenas, ainda que veladas.

6 - ANEDOTAS

Embora seja aceitável a publicação em livros, jornais, revistas, etc, as trovas humorísticas calcadas em anedotas, julgamos que, em concursos e jogos florais, há outros aspectos importantes a considerar, além da graça, como seja a criatividade, a originalidade, enfim. Nessa ordem de ideias, é desaconselhável a classificação de trovas com aproveitamento de anedotas.

Acontece porém, que as comissões julgadoras poderão não conhecer as anedotas aproveitadas pelas trovas, o que torna interessante, portanto, o apelo que, ultimamente, os organizadores de concursos vêm fazendo, durante a classificação preliminar, no sentido de que, concorrentes ou leitores cooperem com as comissões, indicando as trovas que apresentem ideias já conhecidas (como anedotas), desde que, devidamente comprovadas, a fim de serem eliminadas do concurso.

7 - USO DO "PRA"

Julgamos essa "síncope" perfeitamente aceitável, principalmente nas trovas humorísticas, por ser expressão essencialmente popular.


Comissão de estudos: Luiz Otávio, Carlos Guimarães, Elton Carvalho, Joubert de Araújo Silva, Maria Nascimento Santos, P. de Petrus, Colbert Rangel Coelho.

Pedro Mello (Considerações sobre a trova humorística)


I
Já virou lugar-comum dizer que “humor é coisa séria”. De fato, apesar da propensão inata que temos de fazer piadas das coisas e das pessoas, a distinção entre o pastelão e o humorismo é tão evidente, que fica difícil tentar fazer uma definição propriamente dita.

Não que não se tenha tentado. O humorista Leon Eliachar, que se definia como um “carioca” da gema (nasceu no Cairo, capital do Egito, e se fixou na capital carioca), disse certa vez que o verdadeiro humorismo faz cócegas na inteligência das pessoas. Fora isso, o resto seria apenas comédia.

Tenho pessoalmente minhas dúvidas quanto à rigidez da ideia do escritor, porque quando o assunto é riso, para as pessoas é indistinto se a questão é entreter ou fazer pensar. Na realidade, tudo é possível. Há momentos em que as pessoas querem apenas se divertir, e para isto riem com as personagens caricaturais dos programas “Zorra Total”, “Pânico na TV” ou “A Praça é Nossa”, assim como riam de “Os Trapalhões” na década de 80. Em outros momentos, as pessoas preferem o humor mais, digamos assim, “intelectualizado” de Jô Soares e de seu anedotário político. O “Casseta e Planeta”, por exemplo, oscila entre o pastelão e a sátira política, em momentos “felizes”. (Se bem que político brasileiro é matéria-prima indiscutível para a sátira...)

II

Quando o assunto é a “Trova”, a oscilação é parecida. A Trova Humorística (chamada por A. A. de Assis de “brincante”) oscila da incorporação de anedotas populares a ditos chistosos e trocadilhos linguísticos.

Gritei: “- Pare, seu Joaquim”,
quando o trem apareceu...
Ele ainda olhou pra mim,
falou: “Ímpare!” e morreu...


A trova acima, de Therezinha Dieguez Brisolla, é um exemplo de como um trovador aproveita uma piada e a transforma em trova. Há quem não goste e considere falta de originalidade aproveitar uma piada em trova e prefira um trocadilho, um dito chistoso, uma sátira política ou de qualquer outra mazela brasileira.

Esse é um assunto que tem dividido os trovadores, pelo que percebi ao conversar com vários sobre o assunto. Parece que, quando se trata de humorismo, a ideia realmente original é difícil. Tudo é motivo de brincadeira e é difícil afirmar com precisão o que é anedótico ou não.

- Coragem!... Sua mulher
tem poucos dias... Lamento...
- Doutor, se o destino quer,
mais uns dias eu aguento...


A trova acima, de Vasques Filho, é de uma piada ou não? Quem sabe se Vasques Filho fez essa trova, já existisse a anedota e ele pessoalmente não soubesse?

José Maria Machado de Araújo fez um genial trocadilho entre um substantivo e uma interjeição nessa joia do humorismo:

Feita a macumba, sisudo,
disse-me o velho orixá:
- Oxalá vai te dar tudo...
E eu respondi: - Oxalá...


Não se trata de uma anedota. Mas como sabemos disto? Também é difícil dizer com precisão. A trova humorística, geralmente, é um “microconto” de cunho brejeiro. As trovas de Therezinha Dieguez Brisolla e de Vasques Filho nos parecem mais plausíveis, mais “narrativas”, poderíamos dizer. A anedota transformada por Therezinha é conhecida. A trova de Vasques Filho, se não era uma anedota, poderia perfeitamente se transformar numa gag visual do “Casseta e Planeta”, por exemplo. A trova de José Maria Machado de Araújo não é “narrativa”, ou “teatralizável”, embora seja construída “narrativamente”. Difícil concebê-la como uma gag.

A velha soprava a vela,
quando o velho, de surpresa,
soprou no cangote dela...
e a velha ficou acesa!


Mais um “lance” de gênio, desta vez de Edmar Japiassú Maia. Assim como a trova de José Maria Machado de Araújo, a de Edmar não é tão “narrativa” ou “teatralizável”. A situação jocosa, o jogo de palavras entre “vela” e “velha” são ingredientes perfeitos de um “trouvaille”. Também seria difícil transformá-la em uma gag visual. Comparando as duas, vemos o elemento em comum: o trocadilho, o jogo de palavras que constitui o mote da ideia.

Para a criatividade dos trovadores, nem o céu é limite. Isto eu disse no texto sobre “folclore”. O humor é feito com elementos tão distintos, que é difícil elencar. Tudo é possível, desde anedotas de sogras, de lusitanos, de infidelidades conjugais, de bêbados, de vizinhas, passando pela sátira a políticos ou a suas “realizações” e chegando a trocadilhos verbais e a situações inusitadas... Não há limites.

Na praia, alguém grita: gente,
dois carecas se afogando!
- Outro diz: calma, é somente
um nudista mergulhando...
José Tavares de Lima

Há uma loura acompanhando
seu marido o dia inteiro..."
- Pois vai acabar cansando...
O meu marido é carteiro !
Alba Christina Campos Netto

Pediu o bobó bem quente
o turista distraído...
E a pimenta, a mais ardente,
deixou seu bobó ardido...
João Freire Filho

- Escolha a pessoa certa
para entregar-se, querida...
- Mamãe, quando a fome aperta
não dá pra escolher comida!
José Tavares de Lima

A noivinha vaporosa
fita o noivo e se atordoa:
- De um pijama cor-de-rosa
não vai sair coisa boa...
Antônio Carlos Teixeira Pinto


É claro que a referida “oscilação” (ou, talvez dizendo, diferença) entre os tipos de trova humorística não permite uma “formatação”. Embora isto resulte no efeito colateral de trovas “humorísticas” de chorar, por outro lado também impede que o trovador se veja cerceado, que se veja em meio a contingenciamentos. Há quem seja contrário às anedotas ou ao emprego de nomes próprios em trovas humorísticas. Outros preferem o “liberou geral”. Não podemos afirmar que haja necessidade de uma “corrente” ou de “reformas” nesse sentido. Tudo é uma questão de discernimento e de bom-gosto.

A trova humorística:
1. não é idiota;
2. se não faz rir a matéria, faz rir o espírito;
3. é bem construída;
4. quando é realmente boa reconhecemos à distância e quando é ruim, também.

Claro que qualquer critério de análise será subjetivo, mas podemos perceber que a trova humorística e a trova lírica/filosófica têm mais pontos em comum do que à primeira vista notamos:

Se rirmos da trova lírica e chorarmos com a trova humorística, alguma coisa certamente estará errada...

Fonte:
Falando de Trova. http://falandodetrova.com.br/colunadopedromello. 21.08.2008.

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...