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segunda-feira, 3 de maio de 2021

Miguel Russowsky (1923 - 2009)



1
A humanidade até gosta
de não saber a verdade,
quando a mentira, bem posta,
lhe trouxer felicidade.
2
A saudade às vezes fala,
e até grita - quem diria? -
quando a rede, a sós, se embala
numa varanda vazia.
3
A vila reza, orvalhada,
tendo o sol por capelão...
- Homem no cabo da enxada
é uma espécie de oração!
4
A vingança do chulé
não lavado há vinte dias,
é deixar meias em pé
mesmo que estejam vazias!
5
Chora a chuva na vidraça...
chora o vento em frenesí
e a solidão, por pirraça,
está dizendo:- Eis-me aquí!
 6             
  Chove e não vens... a tristeza
faz escurecer meu dia
e a solidão - vela acesa -
em silêncio me alumia.
7
Como cultivo amizades
e sou bom agricultor,
irão escrever: "SAUDADES",
na campa aonde eu me for.
8
Cupido avisa aos poetas
e também aos namorados
que seus estoques de setas
foram todos renovados!
9
Cupido sempre intercala
alguma perda em desejos:
se me beijas... perco a fala;
se me falas... perco os beijos!
10
Dos fados em que sou réu,
há sucessos tão estranhos...
Chego a ver o azul do céu
morar em olhos castanhos...
11
Dou às trovas que componho
tempo, amor, astúcia, empenho,
mais as asas do que sonho...
Mais não dou, porque não tenho. 
12
Enquanto a nau Esperança
singrar os mares da vida,
minha Quimera não cansa
e nem se dá por vencida.
13
Este dístico singelo
a verdade satisfaz:
caneta, arado e martelo
são os arautos da paz.
14
Estrofes são caravelas
que singram os pensamentos.
Com as rimas, faço as velas,
com as sílabas, os ventos.
15
Estudo trovas a fundo,
mas persisto na suspeita,
que a trova melhor do mundo
até hoje não foi feita.
16
Flerte, romance de olhares
dizendo, em forma elegante
mil promessas de luares
traduzidas num instante.
17
Há balanços conflitantes
em vidas fúteis e loucas:
os outonos são bastantes
e as primaveras bem poucas.
18
Meu cupido é deus macabro,
põe milagres no lampejo.
Não estás, se os olhos abro...
fecho os olhos e te vejo.
19
Na blusa prendes a rosa
à altura do coração.
Como pode ser viçosa
uma flor sobre um vulcão?
20
– Não bebo mais!… – diz o Souza,
com intentos bons e plenos.
Discorda deles a esposa:
– Não bebe mais … e nem menos!
21
Naquele amor que resiste
às invernias da idade,
a lembrança é órfão triste
nos asilos da saudade.
22
Na trova, às vezes, invento
emoções e não as sinto.
Mas creia no meu talento,
sou sincero quando minto!
23
Nesta vida hostil e azeda
e desespero sem par,
rogo a Deus que me conceda
a coragem de sonhar.
24
Ninho de felicidade
com gravetos de ilusão,
se faz com facilidade
mas tem curta duração.
25
O amor no moço é fogueira,
em ardente combustão,
mas no velho é uma lareirta
com mais cinzas que carvão.
26
O papel é a carruagem
que eu dirijo da boleia.
Tomo as rédeas da viagem
dando açoites numa ideia.
27
O poema é luz imensa
que se espalha em frenesi.
Por isso o poeta pensa
ter um deus dentro de si.
28
O silêncio às vezes fala
de saudades - Quem diria!
quando a rede, a sós, se embala
numa varanda vazia.
29
Os murmúrios das gaivotas,
em noites de lua cheia,
são canções deixando as notas
nas pautas brancas da areia.
30
O tamanho dos abismos
que puseste em nossas vidas
não se mede em algarismos
mas em lágrimas vertidas.
31
O tempo escreve a seu gosto
no passar do dia a dia,
muitas rugas no meu rosto,
mas... tem má caligrafia.
32
O tempo não traz perigo
à verdadeira amizade.
Quem não é mais teu amigo,
jamais o foi de verdade.
33
Pelas ciladas que trama,
a Insônia é mulher-perigo:
– marca encontro em minha cama,
mas não quer dormir comigo!
34
Pela vida me foi dado
um conselho em que me alerto:
antes rir desafinado
que soluçar no tom certo.
35
Quanto mais o tempo avança,
mais eu fico a perceber
que a saudade é uma lembrança
que se esqueceu de morrer.
36
Quatro versos num estojo,
mas além desta embalagem,
a trova deve, em seu bojo,
comportar uma mensagem.
37
Ser caule, flor ou ser folha
não é sorte nem é sina,
pois de antemão tal escolha
se fez por ordem divina.
38
Se te serves de mentiras
para cresceres em ganho,
é bom que logo confiras
que encurtaste no tamanho!
39
Sob o sol, a voz do arado,
no início da semeadura,
vai anunciando o noivado
entre o suor e a fartura.
40
Tendo à mão uma caneta
mais o empenho a manejá-la,
vou mesmo a qualquer planeta
sem sair daqui da sala.
41
Vai para o mar a jangada
tendo um sonho por escolta.
Volta sem peixes, sem nada,
nem o sonho traz de volta.

MIGUEL KOPSTEIN RUSSOWSKY, filho de Jacob Russowsky e de Eva Russowsky, nasceu em 21 de junho de 1923,  em Santa Maria,  no Rio Grande do Sul. Casou-se com Vitória Toaldo Russowsky e teve quatro filhos: Leila Brunoni, June Braganholo, Miguel Igôr Russowsky e Silvia Herter. 

Cursou o primário na Escola São José, em Jaguari e o secundário no Colégio Estadual Santa Maria (Maristas), entre 1933 e 1940 (pré-médico).

Em 1940 entrou na medicina URGS e formou-se em 1946, aos vinte e três anos em Porto Alegre. Exerceu clínica e cirurgia geral durante os últimos 50 anos de profissão, sempre pela medicina livre, sem vínculos empregatícios.

Livros publicados: Céu de Estrelas – 1951 (reeditado); O Julgamento de Tiradentes – 1980 (peça teatral); O Segredo do Pântano – 1983 (peça encenada pelo Grupo Teatral Eugênio Marcheti, de Herval  d´Oeste); Poesias Melancólicas – 1994; Noite de Lua – 1996; Cadeira de Balanço - 1998; Confeitos de quimera – 2000; Cantares de um vulcão quase extinto – 2005

Além de sonetos e poemas, Russowsky também  produzia  excelentes Trovas líricas, humorísticas, patrióticas, religiosas. Sua inspiração  privilegiada não conhecia limites. Suas poesias foram exaustivamente publicadas em jornais, revistas, boletins, antologias etc  e divulgados  em programas radiofônicos e televisivos.  Conquistou mais de 400  prêmios literários no Brasil e no exterior.

Sócio fundador do Lions Clube de Joaçaba - SC.

Membro da Academia Catarinense de Letras;

Diretor Literário da SCAJHO – Sociedade de Cultura Artística   Joaçaba e Herval d´Oeste;

Era proprietário do Hospital São Miguel, o maior e mais bem aparelhado da região  e do Hotel Jaraguá, em  Joaçaba, SC.

Faleceu no dia 3 de outubro de 2009, de acidente automobilístico.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Ary Santos Campos


As praias, por natureza,
encantam os olhos meus...
Fluxo, refluxo e beleza
são os caprichos de Deus.

As saudades não têm fim;
a luz do sol se apagou...
Secou a flor do jardim
e o trem da vida passou.

Com musas vivo a sonhar:
à noite durmo um pedaço,
num caderno ao despertar
uma trova eu sempre faço.

Dois copos, vinho à vontade:
um só segredo eu contei !
- É doida a cara-metade,
todo arranhado eu fiquei !

Do que vale o meu canteiro
de bom trigo, de primeira,
se joio dá mais dinheiro
na “cultura” brasileira ?!

Enquanto a vida não passa
enquanto a morte não vem,
quem deixa marcas de graça
têm outros mundos no além.

Entre mim e Deus existe
uma grande confusão;
pois tudo fica tão triste
sem amor no coração!

Hoje o sol nasceu tão lindo,
tão lindo, e eu me confundo:
- Será que Deus está rindo
ou rindo está o nosso mundo?

Justiça não me dá medo
pela palavra que tem.
Dá medo, não é segredo,
é da injustiça de alguém.

Meus amigos valem ouro,
seus laços eu estreitei,
amizade é meu tesouro,
sou tão rico quanto um rei.

Meus bons anos se passaram
com a leitura aprendi...
Hoje as letras se apagaram
mas o saber não perdi.

Não é correto ao carente
bons peixes sempre doar.
Pois um bom chefe, decente,
primeiro ensina a pescar.

Não sei mais o que fazer:
meu salário é um engano...
- Tenho medo de viver
numa tenda de cigano.

Não se vá, não, por favor,
não me faça essa maldade!
Se de fato você for,
eu vou morrer de saudade.

Nesse horizonte infinito,
onde o clarão é profundo,
raiam bênçãos, acredito,
para ungir a paz do mundo.

No paraíso que dista,
um grande fato ocorreu;
Eva o pecado conquista
e com o Adão se perdeu.

Oh minha vida pequena;
minha alma como corrói !...
- Linda morena, que pena,
quando te vejo me dói...

O nosso amor foi demais:
tudo em nós era risonho!...
Mas já ficou para trás
e transformou-se num sonho.

Os namoros do passado
eram raros de encontrar.
Hoje é clique no teclado
e já tem com quem amar.

Quando canto na viola,
já não canto mais sozinho,
pois do alto da gaiola
canta junto um canarinho.

Quem dera poder ficar:
devia nem ter nascido
para não ter que passar
no túnel desconhecido.

Quis saber do puro amor
que se apresenta em meu verso,
descobri que o trovador
vive com Deus no universo.

Uma tal "Sabedoria",
para dar aos olhos meus,
fez do sol a luz do dia
com a ciência de Deus.

Um vento leve me leva
para o Éden prometido...
Não sou Adão e nem Eva,
sou meu destino perdido.

Vejo uma foto distante
do meu tempo tão veloz
da minha vida constante,
- ai que saudade feroz?!

Vou em frente e devagar
procurando uma saída,
pois não consigo acertar
o rumo da minha vida!

Vou partir mais uma vez:
não parei, desde menino,
dessa vida sou freguês,
mala e cuia é meu destino.

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...