quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Héron Patrício


1
"Adeus, meu sonho perdido,
belo, imponente, palpável!",
disse a mulher ao marido
e ao seu "lixo reciclável"!
2
A gente vê, de manada,
estrela...lua...e planeta...
Basta uma boa topada
numa quina de sarjeta!
3
A alvorada, em grande gala,
tece a rica fantasia
que faz do Sol, mestre-sala
na passarela do dia.
4
A minha trova sem ela
– a musa que eu sempre quis -
é uma trova tagarela,
rima...rima.., e nada diz…
5
Antes de uma despedida,
que haja razões de verdade...
- Quem planta um adeus na vida,
um dia colhe saudade.
6
Antes um "não" que amargura,
antes um "não" que maltrata,
do que a terrível tortura
do teu silêncio - que mata!
7
A saudade é um passarinho
em teimosa migração...
vem do passado, e faz ninho
nos beirais do coração.
8
A tristeza é uma senhora,
minha velha conhecida,
que me rouba a luz da aurora
e põe noite em minha vida!
9
Cai o luar, transparente,
sobre uma gota de orvalho
e cria um lindo pingente
que dá vida a um velho galho...
10
Coitadinha da infeliz,
com marido gordo, esférico,
arranjou amante, e diz:
- É meu marido... genérico!
11
Com a dentadura bamba,
que nem “Corega” grudava,
os dentes dançavam samba
cada vez que ele cantava!...
12
Desde os tempos de criança
conheço a grande verdade:
jovem vive de esperança,
velho vive da saudade!
13
Frutos de velhos fracassos,
nossos medos são um muro
limitando novos passos
nos caminhos do futuro.
14
Luar... ourives de fama
que, pela mata orvalhada,
faz o engaste, em cada rama,
de uma gota iluminada!
15
Malandro, quando elegante,
detém qualidades raras:
tendo apenas um semblante
consegue ter duas caras.
16
Minha saudade é defeito
que outra saudade requer,
pois, sempre que abro o meu peito,
encontro a mesma mulher...
17
Mulher nova me apetece,
cinco ou seis... nunca é demais.
Se mais saúde eu tivesse...
mentiria muito mais!
18
Nas trovas de amor que eu teço
no meu tear de ilusão,
só faltam nome e endereço
de onde vem a inspiração...
19
Na voragem da procela
do combate interior
é que o homem se revela
se é escravo ou é senhor!
20
No jardim, junto ao meu quarto,
o silêncio é tão profundo
que se pode ouvir o parto
das rosas chegando ao mundo!
21
Nó na vida?... - Não me abalo,
desfazê-lo não me cansa,
pois consigo desatá-lo
com dois dedos de esperança!
22
Nos caminhos do Universo
eu sou caçador de estrelas,
e jogo o laço do verso
na esperança de prendê-las.
23
Nos momentos cruciais
em que o pranto é represado
o silencio fala mais
do que um discurso inflamado!
24
O balouçar da folhagem
- pequenas mãos dando adeus –
é a chuva, em sua passagem,
trazendo as bênçãos de Deus.
25
O cientista é poeta,
é trovador inspirado
que a pesquisa só completa
quando encontra o seu "achado".
26
O forró, diz meu amigo,
me esbraseia e deixa quente:
o esfrega-esfrega de umbigo
é um perfeito antecedente.
27
O forró ia animado;
de briga, nenhum perigo...
- Gostoso, que só pecado:
Era umbigo contra umbigo!…
28
O forte nó da saudade
amarra o tempo num laço
e aprisiona a mocidade
nas trovas de amor que eu faço.
29
O meu desejo transborda,
feito um rio ardendo em chama,
quando a saudade me acorda
sem você na minha cama!
30
O poeta é um ser aflito,
um eterno insatisfeito,
por ter um mundo infinito
no exíguo espaço do peito!
31
O sol parece fornalha
queimando tudo o que existe.
O chão, seco, a fome espalha...
mas, nordestino, resiste!
32
O sucumbir da virtude
ante o poder, é fatal:
é furo rompendo o açude
por onde escorre a Moral.
33
O tempo, pastoreando
nos sertões da mocidade,
foi, pouco a pouco, juntando
meu rebanho de saudade...
34
Pela ameaça da fome,
quando a seca teima e avança,
a chuva ganha outro nome,
passa a chamar-se... esperança!
35
Pondo bom senso no meio
quando surge a indecisão,
o medo parece um freio
a pedir calma e atenção...
36
Quando a folhagem fenece,
cobrindo o verde de luto,
o outono, em troca, oferece
a recompensa do fruto
37
Quando foi dada a partida,
com mil gametas brigando,
eu lutei por minha vida ...
e continuo lutando!
38
Quem casa com mulher feia,
um “bolo gordo”... um “canhão”,
anda atrás de um “pé de meia”
ou adora assombração!
39
Ratinho.. lobo... leão...
- mais alguns irracionais -
fazem da televisão
um reduto de... animais!
40
Se o mundo inteiro sorrisse
tão fácil como as crianças,
talvez não fosse tolice
sonhar e ter esperanças!
41
Sob um manto de neblina,
o sol, que o dia conduz,
aos poucos abre a cortina
e enche o seu palco de luz!

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Santiago Vasques Filho (Teresina/PI, 1921 - 1992, Fortaleza/CE)

1
A chuva traz à lembrança
uma janela quebrada,
a casa humilde e a criança
olhando, triste, a enxurrada.
2
Agora, sem mais nem quando,
sofrendo porque fugiste,
eu sonho que estás voltando,
para eu deixar de ser triste…
3
A jangada, quando alcança
dos mares a imensidade,
leva no bojo a esperança,
deixa na praia a saudade.
4
- Algo impede o casamento?
Se alguém sabe, agora fale!...
- Eu sei, seu padre... - Um momento!
Você é o noivo, e assim não vale!
5
Ao migrante maltrapilho,
que cruza o adusto sertão,
só resta, ao morrer-lhe o filho,
o consolo da oração…
6
Ao te encontrar, sem querer,
tarde linda, sol morrente,
mais triste que te perder
foi te rever novamente.
7
Apregoa o Zé Seráfico,
que a mulher está na dela:
- como um filme fotográfico,
só no escuro se revela…
8
Buscando esperanças vãs
no descompasso dos prazos,
gastei, sem ver, mil manhãs
e não sei quantos ocasos.
9
Cai a chuva fina e mansa,
e, na janela, que graça:
- O nariz de uma criança
achatado na vidraça!…
10
Casa assombrada... sombria...
Portas rangendo... Arrepio...
E o Zé tremia, tremia,
dizendo que era de frio!…
11
Coragem!... Sua mulher
tem poucos dias... Lamento...
- Doutor, se o destino quer,
mais uns dias eu aguento...
12
Da loja um ladrão levou
cristais valiosos ao léu,
e o lojista assim rezou:
- Pai nosso cristais no céu...
13
Das mágoas, dos sacrifícios,
das dores, dos sofrimentos,
fiz enormes edifícios
onde alugo apartamentos.
14
De longe, não desconfias
que, esperando tua volta,
tua ausência de mil dias
traz mil noites de revolta.
15
De repente este conflito,
quando a ausência me revolta,
por tudo que não foi dito
para trazer-te de volta!
16
Desconfio que a velhice
chega sempre bem depressa
quando se faz a tolice
de pensar que ela começa...
17
Descrente, maldigo até
meus atos de contrição,
por não ter, a minha fé,
o tamanho da oração!…
18
De volta à casa paterna,
revejo os vitrais antigos,
por onde a saudade eterna
repassa rostos comigo…
19
Diz, de cabeça enfaixada
- Não brigue, nem se aborreça.
Sua mulher, se é charada,
a minha é quebra-cabeça !...
20
Diz que vai me abandonar,
cai em pranto mas, depois,
perdoa e põe-se a rezar,
pedindo aos céus por nós dois…
21
Eis-me no inverno da vida
velando ocasos tristonhos,
mantendo a mão estendida,
tentando alcançar meus sonhos…
22
Ela se foi manhã cedo,
furtiva, sem que eu a visse,
guardando o rumo em segredo
para que eu não a seguisse.
23
Em passos e contrapassos,
ao som de acordes tristonhos
sempre foges dos meus braços
no bailado dos meus sonhos...
24
Endoidou e, em seus chiliques,
diz que é um relógio em destaque,
por isso vai, com seus tiques,
repetindo - tique-taque…
25
E o marido da Mercedes,
pintor sagaz, com seus trecos,
de dia pinta paredes,
de noite... "pinta os canecos".
26
Eu baterei na janela...
Confia em mim! - prometeu...
Mas foi a saudade dela
quem na vidraça bateu…
27
Grita a mulher do ladrão:
- Por onde andaste, cretino ?...
Não vejo qualquer menção
de assaltos, no matutino!
28
Há muita gente enganosa
qual goiaba sazonada:
- Por fora, a casca sedosa;
por dentro, podre ou bichada!
29
Maria!... grito, encantado,
quando me encontro sozinho.
Mas, quando estou ao seu lado,
só sei dizê-lo baixinho...
30
Não fosse a dor no traseiro,
numa corrida recorde,
diria, ainda, o carteiro,
que "cão que ladra não morde!...’
31
Não quis ver tua partida
nem teus acenos de adeus,
quando, agora, a tua vida
tem rumos que não são meus.
32
Não vivas com tanto orgulho
em razão do teu talento,
o tambor, que faz barulho,
tem, por dentro, apenas vento!
33
Na tua mão estendida
para este aperto de adeus,
vejo que a linha da vida
tem rumos que não são meus.
34
Nestas horas de sol-posto,
na saudade mais atroz,
nas fotos, beijo-te o rosto;
nas cartas, ouço-te a voz.
35
No forró do Zé Pancada,
que acabou no maior pau,
o Chicão desceu a escada
sem pisar nenhum degrau!
36
No peito a amargura cresce,
quando o caboclo, tristonho,
pede o inverno para a messe
e o inverno é apenas um sonho!
37
Numa farmácia, a freguesa
- Tem sal de frutas aí ?
Tem ? Então, por gentileza,
me dá um de abacaxi...
38
Nunca vi almas! - diz rindo.
E um cara na sua frente,
foi sumindo... foi sumindo...
transparente... transparente...
39
Os teus vestidos, Vitória,
e os lindos sapatos altos,
representam promissória
pela qual dou muitos saltos!
40
O velhinho monologa
contra o remédio, no leito:
- De que me adianta esta droga,
se o resto não tem mais jeito?!…
41
O velho galo, à noitinha,
ouviu a franga assanhada
dizendo para a galinha :
- Ele ainda "canta"... e mais nada!
42
Pago as vidraças quebradas,
que quebrei quando menino,
com as violentas pedradas
que hoje levo do destino!
43
Pelo espaço onde flutua,
nas noites claras de estio,
a lua ri de outra lua
que faz caretas no rio.
44
Pintora boa, de fato,
tem talento a Elizabete,
pois pintando o auto-retrato,
pintou-o "pintando o sete".
45
Por ser muito procurada
pra fazer qualquer trabalho,
foi, na loja, apelidada
de "garota quebra-galho"…
46
Promessa, cheia de graça,
de regressar, ela fez...
... Mas quem bateu na vidraça
foi a saudade, outra vez…
47
Quando teus olhos eu fito,
rezo neles a oração
de um monge em transe, contrito,
num ato de adoração!
48
Realismo mesmo mostrou
o pintor sacro Gregório,
que óleo de rícino usou
pra pintar... o purgatório!
49
Sem rival na adulação,
Belarmino Guararapes
chega a usar mata-borrão
no que o chefe escreve a lápis!…
50
Se não tens mais esperanças,
tantos são os teus fracassos,
muda o curso das andanças...
toma o rumo dos meus braços!
51
Se o patrão conta piada,
puxa-saco faz assim:
solta logo a gargalhada,
sem esperar pelo fim.
52
Se o tormento, como dizes,
é a remissão dos pecados,
por te amar - é bom que frises -
eu tenho os meus perdoados.
53
Socialite na butique:
Qual é a moda, seu Andrada?...
Agora, madame, o chique
é pagar conta atrasada...
54
Sofrendo tuas demoras,
com meus sonhos moribundos,
maldigo a fuga das horas
na precisão dos segundos!…
55
Tendo aos braços o serão
de nove meses atrás,
Marília exclamou: Patrão,
fazer serão... nunca mais!
56
Teus olhos nos meus pousados,
em silente confissão,
são dois monges deslumbrados,
rezando a mesma oração!
57
Tua ausência, tão sentida,
seria menor castigo
se eu soubesse repartida
minha saudade contigo.
58
Tu partes... mas, por piedade,
ao me deixares sozinho,
tira o espinho da saudade
do rumo do meu caminho!
59
Vendo o galã na TV
beijar a sua parceira,
grita o garoto: - Mãiêêê,
igual papai e a copeira!…
60
Verdade que se proclama
pelo efeito contraposto:
- quem joga pedra na lama,
recebe lama no rosto.
61
Vê, Rosário, o que me aprontas!
Eu te conheço do berço.
Tens um rosário de contas
do qual não pagaste um terço!...
62
Vive o rio seu conflito
no dolente marulhar,
marulho que é quase um grito
por nunca poder voltar.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Roberto Tchepelentyky



1
A caminho do infinito,
prossigo a minha viagem...
Levo o que é de mais bonito:
O nosso amor na bagagem!
2
A chama já consumia
a casa do seu Arlindo,
quando psiu... ele dizia:
" Minha sogra está dormindo"!...
3
A minha sogra eu veria,
não importa em que planeta,
se pudesse, todo dia...
Claro, por uma luneta!!!
4
Amor, estranha magia,
do coração e da mente.
Com toda sua alquimia,
nos faz um adolescente. 
5
À noite, em frente á TV,
a vovó e o manto dela...
Ela dorme e nada vê,
o manto assiste à novela...
6
A paz que tanto nos falta,
deixando a vida feroz,
é uma criança peralta,
oculta dentro de nós!
7
A vida é um fogo de palha
e o tempo se mostra algoz,
mais parece uma fornalha
onde a palha...  somos nós! …
8
"Bate" a inspiração na gente...
Verso nenhum se aquieta,
quando Deus, onipotente,
nos permite ser poeta!
9
Deixa o que passou "de lado",
a vida é um ensinamento...
Pois lamentar o passado
é correr atrás do vento!...
10
Dentre as forças deste mundo,
procurando paz, eu vim,
encontrá-la aqui no fundo,
de onde crio a força em mim.
11
De político do “avesso”,
a gente já tem calombo...
pois, quando ele dá tropeço,
é o povo que leva o tombo!!!
12
E o velhinho gritou: “Opa!...”
Depois de tanta procura...
no prato de sua sopa,
encontrou a dentadura.
13
Na despedida, o teu lenço
deixou o meu com “revolta”!
Nem viu, num adeus intenso...
que o meu...acenava: Volta!!!
14
Nossos olhares ousados,
já perceberam que são
dois desejos conjugados
num “ jogo de sedução”!…
15
O amargor da despedida
de alguém que amamos demais,
é ter o sabor na vida
do “gosto de nunca mais”!…
16
O "bebum" vai ao velório
e abraça a "booooa” comadre,
dando um pesar vexatório:
"Me solta, que eu sou o Padre!!!”
17
O chão do quarto molhado...
A sogra pagou o mico
após seu grito abafado:
" Meu Deus! Errei o penico"!!!
18
O destino escreve a escolha
do amor de nós dois assim:
Páginas da mesma folha...
Tu... de costas para mim!…
19
O silêncio traz a paz
do universo e se engrandece,
com amor que o homem faz
do silêncio sua prece!
20
O teatro é fantasia,
mas, às vezes, como tal,
ninguém o diferencia
da nossa vida real...
21
O vento faz serenata
e o mar se põe a cantar
versos, em ondas de prata,
de uma poesia... ao luar…
22
Partiste... E a nossa amizade
no infinito se enternece...
Tu me mandas a saudade,
eu te mando a minha prece!…
23
Político que faz "rolo",
bem ou mal ele se arranja,
pois no meio do seu "bolo",
tem recheio de "laranja"!!!
 24
Pra aquela visita chata,
o que me deixa mais louco,
é ouvir a frase insensata:
"Já vai? Fica mais um pouco"!...
25
Pra que a filha não se “perca”,
meu vizinho fica alerta...
De que vale “fazer cerca”
pra quem tem porteira aberta?!
26
Sobre a parreira, o luar
no sereno te retrata…
E os teus olhos a brilhar:
“Duas uvas”… cor de prata… 
27
Ter “gandula bonitinha”,
rebolando, só piora...
O jogo quase não tinha:
- por tantas bolas pra fora! ...
28
Teu abraço me agasalha
com carinho tão profundo...
sinto em volta uma muralha,
separando-nos do mundo!…
29
Teu “jogo de amor” peralta,
por ciúme, nos devora:
- tu cobraste a minha falta,
batendo o “pênalti” fora! …
30
Um amor que já floresce,
escondido, não se assume.
É uma flor que nem parece...
Mas que exala seu perfume!
 31
Um casal tão agitado
no sofá de namorico,
parecia ter tomado
um banho de pó-de-mico!...
           32       
Vive a "página da vida"
nem que seja a "solavanco"!...
Pior é quem na "partida",
carimba a página: "Em branco"!


segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Relva do Egypto Rezende Silveira



1
A bengala que rastreia
os caminhos, sem cansaços,
é feito a luz que se alteia,
guiando o cego em seus passos.
2
A brisa doce e envolvente
traz seu perfume - que incensa
a saudade - e, novamente,
eu sinto a sua presença!
3
As vagas brancas, rendadas
vêm seu bramido amainar
nas areias nacaradas,
que são molduras do mar.
4
A tempestade de areia
minha trilha não ofusca,
pois fulge a crença e norteia
os meus passos nestas busca.
5
A vigília tem seu jeito
de inquietar meu coração.
Fica ao meu lado no leito,
despertando a solidão.
6
Bendiz a lida na enxada
o lavrador quando sente
cheiro da terra molhada
fertilizando a semente.
7
Cai o idoso num tropeço,
derrubando uma guria,
depois… paga um alto preço
por uma noite de orgia.
8
Criam mentiras e ofensas
um abismo entre nós dois
que vai minar nossas crenças
num romance sem depois.
9
Das mãos de Deus vai caindo,
em forma de chuva mansa,
a bênção da água…e espargindo
as sementes da esperança.
10
Desato os nós do passado
e as tramas de um sonho eu teço:
sonho é tear encantado
que motiva o recomeço.
11
Disse o carteiro, confuso:
- mora aqui o “seu” Leitão?
- Não mais, respondeu o luso:
virou torresmo e sabão.
12
Estás distante... a inquietude
a minha vida consome.
E, na prece, em solitude,
a ladainha é o teu nome.
13
Fecunda o ventre rosado
do amor, a fértil semente
e, a mãe, abriga um legado
que é futuro em seu presente…
14
Feito um luzeiro divino,
o mestre guia o estudante
na conquista de um destino
produtivo e fulgurante.
15
Finda o dia... A noite desce...
Tudo invade sem tardança.
Então, meu sonho adormece
à sombra de uma lembrança.
16
Homem da terra!… No entanto,
 por sua sabedoria,
 meu pai resplendia tanto
 que se fez estrela – guia.
17
Insensatez?! Não! As horas,
no limiar do sol-pôr,
eu eternizo em auroras
nos braços do meu amor.
18
Manda notícia! É o que peço.
Basta dizeres: “Eu te amo”.
E esperarei teu regresso,
saudosa mas sem reclamo.
19
Minha vigília parece
ritual que me consome
na ladainha da prece,
digo, em delírio, teu nome.
20
Mostra o leito em desalinho
   que a indiferença trocamos
   pelas juras e carinho
   quando o amor nós celebramos.
21
Na inspiração… devaneios,
num ritual sem esperas,
dou asas aos meus anseios,
recriando primaveras.
22
Na madrugada, em teus braços,
o nosso amor se faz pleno.
E o desejo, com seus laços,
torna este mundo pequeno.
23
Não rasgue a terra em trincheiras
onde a guerra esconde a dor.
Plante malvas nas floreiras,
componha versos de amor.
24
No alvor, o sol com magia
os véus da noite descerra.
E boceja um novo dia
junto à franja azul da serra.
25
No barco do amor navego,
sem tristezas nem cansaços,
e sou cativa - não nego,
das correntes dos teus braços!
26
No brilho do teu olhar,
a tua alma é refletida.
Nesse encanto, eu vou buscar
o norte da minha vida.
27
No instante da despedida,
o pranto contido... o adeus,
marcando por toda a vida
renúncia dos sonhos meus.
28
No seu talvez reticente,
senti acordes de adeus,
e, em farrapos, de repente,
me despi dos sonhos meus.
29
O meu peito maltratado
por um talvez sem razão
é menino de recado
que a resposta aguarda em vão.
30
Partes com indiferença
   sem adeuses nem sinais
   e crias barreira imensa
   para abafar os meus ais.
31
Passa o tempo... E se renova
toda energia perdida:
a melhor idade prova
que a idade é prova de vida.
32
Pescador, em travessia,
leva a fé como se fosse,
no labor do dia a dia,
o seu cantil de água doce.
33
Professor em sua trilha,
iluminando outro ser,
cultiva o dom da partilha
na partilha do saber.
34
Quando volto à antiga herdade,
ouço do passado o canto...
E, no colo da saudade,
toda notícia é acalanto…
35
Quase seco, em lodo, o rio
segue lento sem cantar:
natureza em desafio
tentando o homem alertar.
36
Receio os falsos anelos
que deixam, sempre, o vazio:
são quais sonhos paralelos,
margens opostas de um rio.
37
Revendo a pesada conta
que a vida me faz pagar,
a prova dos nove aponta
que eu nunca soube "somar"!
38
Roçando da noite o véu,
o tempo, que tudo invade,
desvenda aos círios do céu
mistérios da eternidade.
39
Rompeste um antigo laço
contudo, mantenho aceso
este amor que não desfaço,
mas disfarço com desprezo.
40
Se agora o tempo que resta
é pouco para nós dois,
façamos dele uma festa,
pois nada conta o depois!
41
Se a tempestade de areia
a minha visão embaça,
o lume da fé se alteia
e mostra que tudo passa!
42
Segue o amigo de verdade
ao nosso lado onde for,
ou, em forma de saudade,
no alforje do viajor!
43
Se o desejo me arrebata,
preceitos são esquecidos:
vivo paixão insensata
na linguagem dos sentidos.
44
Se, por receio, o meu sonho
perde a magia ou a cor,
de novo, o torno risonho
por força do nosso amor!
45
Sinto a saudade roçar
o véu do tempo... E, acordado,
em sonho, vou resgatar
todo o encanto do passado.
46
Tu partiste!… E, no abandono,
perdi minha identidade,
pois nem de mim sou mais dono,
sendo escravo da saudade.
47
Véus do tempo, lentamente,
   ganham a bênção contida
   no brinde do sol nascente
   que, em seu bojo, traz a vida.

domingo, 27 de novembro de 2016

Paulo Emílio Pinto (1906 - ????)



1
A amizade mais o amor
cultivar bem que eu tentei.
Mas quanta praga, Senhor,
deu nos jardins que plantei!
2
Aquela?  Que bom partido!
Além das rendas que tem,
é boa no bom sentido
e do outro jeito também.
3
As suas cartas, senhora,
releio-as de quando em vez.
Mas nelas só vejo agora
os erros de português...
4
Às vezes fico a pensar
que minha alma ainda é menina.
Uma garota a brincar
num casarão em ruína.
5
Canta um galo.  Já distingo
um clarão lá no nascente.
mais um dia... mais um pingo
de tempo a pingar na gente.
6
Com ar assim de quem sonha,
filosofava uma cobra:
- Ah! se eu tivesse a peçonha
que na alma dos homens sobra!
7
Com ares de gozação,
ele à colega dizia:
- Essa tua promoção
foi reza mesmo, Maria?
8
Como funcionária a Elvira
produz pouco, é negligente.
Mas como a esperta se vira,
terminado o expediente!
9
Cuidai dos ricos, Senhor,
protegei-os mais de perto,
que aos pobres a própria dor
ensina o caminho certo!
10
Dizes que sentes por ela
apenas amor carnal.
- Com mulher tão magricela,
melhor dirias - ossal!
11
Do nosso encontro, Tereza,
naquela segunda feira.
Minha alma saiu ilesa,
o estrago foi na carteira.
12
Ela, arrependida, ao cura,
sem outra desculpa, disse:
- Era a noite tão escura,
que eu pensei que Deus não visse!
13
Enquanto o bar está cheio
de risos e alacridades,
eu, sonhando, pastoreio
meu rebanho de saudades.
14
Enquanto o mar lambe a areia
com volúpia, devagar,
de ciúmes a Lua cheia
chora prantos de luar.
15
"Era uma santa!" - dizia
o viúvo, olhando o caixão.
Mas, perto, alguém malicia:
- Agora, sim. Antes, não.
16
Esbelta, leve no andar,
calor mostrando também,
vem ela.  E eu fico a pensar:
que puro-sangue ali vem!
17
Escuta, fonte, não sigas
jamais os caminhos meus.
Tuas quedas são cantigas,
as minhas... pergunta a Deus.
18
Esta engrenagem, que é a vida,
esmaga a todos, sem dó.
E a gente, aos poucos, moída,
de novo volta a ser pó.
19
"Fizeram-te mal, Leonor?"
- indaga, atento, o legista.
E ela, com o rosto em rubor:
"Conforme o ponto de vista..."
20
Foi-se a sogra.  E o cenário
é bem outro no meu lar.
Até meu velho canário
voltou de novo a cantar.
21
Há dois tipos de mulher
que a nossa vida atormenta.
- Aquela que não nos quer
e aquela que a gente aguenta.
22
Ia triste.  De repente,
uns olhos negros, risonhos,
deixaram na minha mente
uma ninhada de sonhos.
23
Infeliz não é o que chora
de inveja ou amargo rancor.
É o que vai por vida a fora
sem uma história de amor.
24
Mais bebo, mais me angustio,
tamanha é a dor que me invade.
- Sou planta de beira-rio,
numa enchente de saudade!
25
Maria, com jeito e graça,
de meu cigarro reclama.
Mas não é pela fumaça,
é pela cinza na cama.
26
Morre um doutor. Cena forte.
Porém, nesse triste instante,
quem mais chora é a própria Morte,
que perdeu seu ajudante...
27
Mulher correta é a Maria.
Correta e boa também.
- Fazendo o que não devia,
ela não deve a ninguém...
28
Mundo de gente que chora...
Mundo de gente sofrida...
E o Tempo fincando a espora
na besta magra da vida...
29
Não queira jamais um caso
resolver lá na Jutiça.
É prazo, prazo e mais prazo;
e, mais que prazo, é preguiça...

Na tarde cinzenta e fria,
quê de tristezas no ar!
Bate um sino... Ave-Maria...
Ah!  se eu soubesse rezar!
29
Nesta vida, mar revolto,
onde a carne em ânsias grita,
quando o demônio anda solto,
toda mulher é bonita.
30
Nesta vida que se arrasta,
tão cheia de coisas loucas,
há mulheres de mil castas,
mas castas mesmo, há bem poucas!
31
Nordeste.  Vai longo o estio.
Quanta tragédia traduz
o leito seco de um rio
e à beira dele urubus!
32
Nunca vi coisa mais louca
do que os teus olhos, Maria.
Como brilham quando a boca
da noite devora o dia!
33
Os dois brigaram por ela.
E como saiu pancada!
- Por causa de uma costela,
quanta costela quebrada!
34
O sol, ao romper do dia,
olha a Terra em festival,
sem saber que essa alegria
ele a trouxe em seu bornal.
35
Ó tu que vives por baixo,
se subires sê decente.
Não sejas como o riacho
que faz misérias na enchente.
36
Para a minha alma sofrida
quisera apenas um bem:
o de ir brincando com a vida,
enquanto a morte não vem.
37
Pernas tortas, magricela,
e de biquíni na praia!
- Você não sabe, Isabela,
que falta lhe faz a saia!...
38
Por essa vida, aos esbarros,
sigo só por meu caminho.
Sou como um desses cigarros,
que vai queimando sozinho.
39
Por que gargalhas, coruja,
lá nas grimpas do telhado?
Alegra-te a noite suja
de tanto vício e pecado?
40
Qual a sua opinião
sobre a nova professora?
- Pela aparência, um canhão,
pela voz - metralhadora.
41
Quando o sol descamba além
e os sinos soltam lamentos,
intrusa, a saudade vem
despertar meus pensamentos.
42
Quando vinhas caminhando,
disse alguém com grande humor:
"Eis um pecado passando
em busca de um pecador.
43
Que a esmola que dás ao pobre
seja sempre aos olhos teus
apenas um gesto nobre,
nunca um empréstimo a Deus.
44
Que luta quando eu a vejo
tão tentadora e inocente!
Já viu respeito e desejo
brigando dentro da gente?
45
Que mulherzinha apressada!
Outra assim eu não conheço.
Nem espera ser cantada,
vai dando logo o endereço.
46
Quer sejam feias ou belas,
das mulheres fujo sim.
Das feias - de medo delas.
Das belas, medo de mim.
47
Regra, filho, o teu viver
para não teres a mágoa
de ver que o falso prazer
num mar de tédio deságua.
48
Revendo a velha cidade
onde deixei meu umbigo,
qual cicerone, a saudade
é quem passeia comigo.
49
Roteiro duro o da vida!
Tem setas bem indicadas,
mas quanta gente perdida
em suas encruzilhadas!
50
Sempre que o Dr. Clemente
fazia uma operação,
ocoveiro, previdente,
ficava de prontidão!
51
Sem rumo, triste, mofino,
segue o rebanho pastando.
Quem pastoreia é o Destino.
De cima Deus fica olhando.
52
Trovador procuro, aflito,
o belo em temas diversos,
sonhando ver o infinito
amarrado em quatro versos.
53
Tua sorte, companheiro,
à de mais ninguém se iguala:
tens saúde, tens dinheiro...
e uma mulher que não fala!
54
Uma estátua, um monumento
que lembre amor e carinho?
- Uma mulher no momento
de amamentar seu filhinho!
55
Vai o boi, dando de duro,
com o velho carro que chia.
Soubesse de seu futuro,
tanto esforço não faria.
56
Vejo-o sempre em meu caminho
e invejo-lhe a placidez.
- Ensina-me a ver, ceguinho,
a Vida assim como vês!

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...