domingo, 16 de julho de 2017

Rita Marciano Mourão


1
Bilhetes de amor... saudade
que a lembrança hoje cultua
onde a tal felicidade
era o carteiro da rua!...
2
Cansado, frágil, tristonho,
quando a fé lhe pede um preço,
o escritor faz de um bom sonho
outro livro, outro começo…
3
Com máscara da ilusão
minha altivez nem percebe
quando a porta da emoção
ergue a tranca e te recebe.
4
De minissaia, a coroa
tenta a sorte... lá na praça.
De longe alguém diz: - É boa...
Mas de perto... assusta a caça.
5
Depois de tantos verões,
talento pouco me importa.
No jardim das ilusões
já sou como folha morta.
6
Deriva meu corpo, enquanto
contra os reveses reluto.
Hoje o tempo usa meu pranto
para cobrar seu tributo.
7
Desato o nó da lembrança
e um facho de luz sem fim
me traz de volta a criança
que o tempo levou de mim!
8
Diz o velho, em maus trejeitos:
- Como o carnaval é ingrato:
com produtos tão perfeitos,
a distância nega o prato!
9
Entre cristais, vinhos nobres,
com saudade, hoje lamento
do campo as canecas pobres
mas tão ricas de alimento!
10
Ergo o cristal, já vencida,
mas a razão me renega,
quando a emoção, iludida,
bebe o vinho e a ti me entrega!
11
Escrevo, reluto... E assim
da tristeza eu vou fugindo.
O escritor que habita em mim
me ensina a sofrer sorrindo.
12
Este espinho que me atira
aos braços da dor sem fim,
é o fruto desta mentira
que você plantou em mim.
13
Faço versos da incerteza,
com talento a dor suplanto.
É bem mais leve a tristeza
dissimulada em meu canto.
14
Lembrança da mocidade,
de um som de lira em seresta...
Ah! como fere a saudade
quando lembrança é o que resta…
15
Levada por fantasia
de um desejo inconsciente,
eu beijo na cama fria
as formas de um corpo ausente!
16
Mesmo ante o furor medonho
de um mar que raivoso freme,
solto a jangada de um sonho
e o sonho conduz meu leme!
17
- Meu filho, veja onde está
o seu querido paizão!...
- Ah! Mamãe, não sejas má,
da outra vez levei "sabão"!
18
Meu salário é duvidoso
qual moça de minissaia.
De longe, acena maldoso,
mas, na mão, foge da raia!
19
Minha jangada à distância,
(velha tábua na enxurrada)
remada por mãos da infância
foi bem mais do que jangada!
20
Na fonte antiga da praça,
que em lembranças recomponho,
a minha ilusão te abraça,
movida por este sonho!…
21
No céu a espalhar magia
com frases mudas, a lua
nas pautas da noite fria
faz versos à minha rua…
22
Nos limites da demência
entre o delírio e a razão
eu beijo um rosto que a ausência
desenha na solidão!
23
Nosso amor meio sem jeito
mas, talentoso e insistente,
vai vencendo o preconceito
que a idade lança entre a gente.
24
No vazio do meu peito,
meu destino de escritor
vai preenchendo, a seu jeito,
velhas lacunas de amor…
25
Perfumada e porte nobre,
na incerteza que a consome,
testou com sabão de pobre
e da rival soube o nome.
26
Pondero... Mas, atrevida,
minha ilusão enche a taça
desta fonte proibida
que à razão condena e embaça!
27
Quando a lua me abre as frestas
das lembranças que são tuas,
de uma lira ouço as serestas
feitas à luz de outras luas!...
28
Quando esta lua indiscreta
me traz lembranças sem fim,
eu choro o velho poeta
que morreu dentro de mim.
29
Relembrando os sons dispersos
das liras da mocidade,
meu sonho acompanha os versos
nas cordas desta saudade!...
30
Ribeirão, cidade nobre,
mas de alma humilde e serena,
és mãe do rico e do pobre,
da pele clara e morena!
31
Ribeirão é terra quente
de clima e de coração.
Qualquer raça, aqui se sente
bem mais gente, mais irmão!
32
Rondando marco após marco,
a minha sorte à deriva,
a ventura é sempre o barco
que do meu porto se esquiva.
33
Sem dinheiro, a pobre Aninha
se refaz em volta e meia:
depois de rodar bolsinha,
tem sempre a panela cheia!
34
Sem lamentar, eu suponho,
ao ver um sonho à deriva:
- mais importante que um sonho
é eu sentir que estou viva!
35
Se o verão tudo arrefece,
talento é inovar quimera;
onde um novo sonho cresce,
sempre existe primavera.
36
Sobras desta trajetória,
os espinhos do desgosto
vão escrevendo outra história
sobre as linhas do meu rosto!
37
Talentoso no passado
mas depois um tanto frio...
e desse amor mal cuidado
restou-me um lar tão vazio!
38
Tiro a máscara... - ouço aflita
de um mar de farsas sem fim
um outro Eu que ainda grita
por vida, dentro de mim!
39
Usou truques à vontade,
tentando a sorte a coroa...
Mas alguém diz: - "Nessa idade,
só gasta cartucho à toa!”
40
Vencendo marco após marco,
alcancei um mar deserto
onde à deriva, meu barco
já não tem mais rumo certo.

sábado, 15 de julho de 2017

Rômulo Cavalcante Mota


1
Aprendi muitas lições,
delas não faço mistério:
– “a rua dos valentões,
tem sede no cemitério”.
2
A quem não sabe a lição,
ensino a pequeno custo:
– “entra na casa o ladrão,
do pobre só leva o susto”.
3
De espelho posso afirmar,
de mulher sei repetir:
– “um reflete sem falar
outra diz sem refletir”.
4
De manhã desperta o nobre,
ouvindo seu passarinho,
“mas despertador de pobre
é o galo do seu vizinho”.
5
De mulher não se adivinha
o que ela disse ou pensou:
– “a mulher que andou na linha
o trem que passou, matou”.
6
Ensina um famoso vate
esta verdade tamanha:
– “coração de rico bate,
coração de pobre apanha”.
7
É profunda, é grande dor,
solidão de um passarinho.
Mais triste é sonhar o amor
e cedo acordar sozinho.
8
Eu lhe digo com certeza
aquilo que você quer:
– “do homem a maior riqueza
é ter sincera a mulher”.
9
Há gente que até graceja,
com esta grande verdade:
– “desconhecendo que é a inveja
fruto da incapacidade.”
10
Há muito já se dizia,
esta lição do passado:
– “solteiro, vida vazia,
como enche a de casado.”
11
Merecem rosas e palmas
quem nos ensina a viver,
“ pois somente as grandes almas
silentes sabem sofrer”.
12
Não tens pena, moreninha,
de quem te espera e não cansa?
Sei que a culpa é toda minha,
nunca me deste esperança.
13
Na vida, vou caminhando,
por este caminho infindo:
– “às vezes pago, chorando,
o que prometi sorrindo”.
14
Nem sempre aquilo que é belo,
é, de fato, o mais bacana:
– “para que queres castelo,
se és feliz numa cabana?”.
15
O rosto é que nos retrata
do coração a ferida:
– “sei que a saudade não mata,
mas nos sepulta com vida”.
16
Para que se vai à guerra
para que tanto barulho,
“ se algum dia a mesma terra
cobrirá o teu orgulho”.
17
Para que tanta corrida
se temos a mesma sorte,
corremos atrás da vida
perseguidos pela morte.
18
Procurei a vida inteira
pelo amor que eu mais queria:
– “a saudade é companheira
de quem não tem companhia”.
19
Quanta gente há que procura
encontrar consolação:
– “a medicina não cura
a dor da separação”.
20
Quem tem uma grande culpa
aos outros a culpa atira:
– “Porque, atrás de uma desculpa
sempre se esconde a mentira”.
21
Tenho amigos e bendigo,
quando me presta socorro:
– “mais vale um cachorro amigo
do que um amigo cachorro”.
22
Teu retrato que eu desejo,
é uma desculpa. Afinal,
na saudade em que me vejo,
quero é o teu original.
23
Todo mundo ri e se dobra
por mais que tenha preguiça:
– “o cão mordido por cobra
tem medo até de linguiça”.
24
Viola de trovador
tem cordas bem afinadas
e, se o tema for amor,
toca em todas as toadas.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Sarah Mariani Kanter


1
A pandorga colorida,
recriando encantamentos,
toca a sonata da vida
na partitura dos ventos.
2
A saudade é luz de vela
iluminando o que eu sou:
descolorida aquarela
que uma renúncia pintou.
3
Cada rio poluído
é uma mensagem de morte,
onde o mundo sem sentido
vai selando a própria sorte!
4
Cada vez o dia-a-dia
faz os dias mais tristonhos,
quando a gente silencia
e sufoca os próprios sonhos…
5
Dos exílios, um existe,
que é pior pois não desterra,
mas faz do exilado um triste
vivendo na própria terra…
6
Eu confesso, estou cansada,
cansada deste brinquedo:
- ser espuma apaixonada
pela sombra de um rochedo...
7
Eu perdi meu coração
entre fantasmas e medos,
no exílio da solidão
de uma infância sem brinquedos..
8
Foste um sonho em meu passado,
e o meu erro mais tristonho
foi deixar de ter lutado
para arrancar-te do sonho…
9
Há nos chás de caridade
muito fausto e ostentação,
e nas ruas da cidade,
crianças sem proteção.
10
Há sempre um circo vazio
e um vazio de esperança,
no coração triste e frio
de quem nunca foi criança…
11
Leva contigo, menino,
este amor dos teus brinquedos,
onde és "rei" e o teu destino
é vencer todos os medos…
12
Mãe preta, meu doce encanto,
que saudade sinto agora,
da tua voz no acalanto
que mandava o medo embora!
13
Meu palhacinho de pano,
quantas vezes te surrei!
Hoje a vida e o desengano
dão-me as surras que eu te dei!
14
Meus ideais em pedaços,
pela vida, destruídos,
foram tristonhos palhaços
de sorrisos não sorridos.
15
Meus sonhos foram ingratos
e sou, de tudo o que resta,
Cinderela sem sapatos,
sem fantasia, sem festa…
16
Minha infância recomponho
nos passos de meu filhinho,
que, refazendo o meu sonho,
também refaz meu caminho!…
17
Na solidão do meu peito,
velho jardim sem amor,
a saudade tem um jeito
de renúncia que deu flor…
18
No infinito o sol flutua
qual rubro barco pirata,
tentando roubar da lua
a sua carga de prata!
19
Nos barquinhos de papel
fui "marinheiro-esperança";
hoje, corsário infiel,
roubo os barcos da lembrança…
20
Nossas ruas de criança
a tão longe nos levavam,
que nem o infinito alcança
o infinito que alcançavam...
21
Numa estranha semelhança
com a caixa de Pandora,
vivo apenas de Esperança,
porque o Sonho foi embora.
22
Olho o mundo... me envergonho
e me tortura dizê-lo:
- hoje a liberdade é um sonho
transformado em pesadelo…
23
O mensageiro fiel
dos sonhos da meninada
é um barquinho de papel
correndo junto à calçada…
24
O meu amor sobrevive
nesta saudade sentida:
o "quase nada' que eu tive
foi "quase tudo" na vida!
25
O que sobra do meu dia,
mal cabe num prato raso:
migalhas de fantasia
que me alimentam no ocaso!
26
Papai Noel, não entendo
o teu serviço postal:
tantas cartas se perdendo!...
Tantos pobres sem Natal!...
27
Pelos caminhos, cansada,
minha esperança perdida,
encontra a porta fechada
no fim da Rua da Vida…
28
Por ser poeta acredito
em dias menos sombrios...
Meu sonho quase infinito
cabe em meus bolsos vazios.
29
Por todo lado cercada
de gente que nem me vê,
eu sou a sombra do nada
que me restou de você.
30
Quando a luz que enche os espaços
espanta a noite do adeus,
vejo a sombra dos meus passos
seguindo a sombra dos teus…
31
Quando às vezes abro a porta
que a renúncia traz fechada,
tua ausência se recorta
na silhueta do nada...
32
Retratando o que hoje somos,
vejo agora que restou
do quase dois que nós fomos
o quase nada que eu sou.
33
Saudade, circo às escuras,
onde um palhaço, a ilusão,
faz trejeitos e mesuras
para o nada e a solidão…
34
Se a vida foi mal vivida,
ao chegar ao fim da estrada
quem foi um 'quase" na vida
é, na morte, um "quase nada"!
35
Separadas as metades,
a realidade provou
que somos as “inverdades”
que uma esperança inventou...
36
Sobre a mesa, a lamparina.
No bercinho, uma criança.
E a luz suave ilumina
a mensagem de esperança!
37
Tão pertinho do infinito
mas, prisioneira do morro,
a favela é quase um grito,
que pede ao mundo: - Socorro!
38
Vão desfilando os Farrapos
ante o Pacificador;
por fora, as roupas em trapos,
por dentro, inteiro, o valor!

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Wilma Mello Cavalheiro


1
A festa estava prontinha,
mas tudo às vezes malogra;
pra surpresa da noivinha,
o noivo fugiu com a sogra!
2
"A luz purifica o escuro":
revela a casta Tereza;
e quando o "momento" é impuro,
faz tudo de luz acesa.
3
A minha infância distante
se reflete no meu filho,
por isso, no meu semblante,
o entardecer tem mais brilho.
4
A moça chora num brado
e o padre diz, em voz lenta:
- Pra lavar tanto pecado,
só um tanque de água benta!
5
Anoitece... a paz perdura
no aconchego do galpão;
galopa solta a ternura
em volta do chimarrão.
6
Ante a indecisa galinha,
diz o galo, convincente:
- Não troca o velho, joinha,
por um frango incompetente.
7
Brinquedos da minha infância
que foram meu universo,
hoje, rompendo distância,
são saudades do meu verso.
8
- Chega de versos, de prosa,
diz a garota ao noivinho,
pois tem coisa mais gostosa
pra se fazer no escurinho!
9
Chuta, menina, com jeito,
teu jogo é alegre... peralta.
Depois, apara no peito
porque peito não te falta!
10
Depois do vento ferino,
que me arrancou dos teus braços,
o barco do meu destino
navega roto... em pedaços…
11
Do teu palco iluminado,
ris de mim, sem ter ideia,
do quanto eu sofro calado
na penumbra da plateia.
12
Dulcifico meu sorriso,
louca euforia me invade,
quando chegas, sem aviso,
rompendo o nó da saudade.
13
Ela diz em tom brejeiro:
- Cumpro bem o meu papel.
Quero o amor do marinheiro
e o soldo do coronel.
14
Enfrento o vento malvado,
molhado de chuva e frio,
pois para estar ao teu lado
venço qualquer desafio.
15
Entre dúvidas e medos,
que a distância ocasionou,
fechada, dança em meus dedos
a carta que hoje chegou.
16
Esquece esta vida andeja,
vem tomar um chimarrão,
é cedo, a manhã boceja,
na longa esteira do chão!
17
Esqueço lei, preconceito,
e algum tabu superado,
só para ter o direito
de amanhecer ao teu lado.
18
Esqueço os dias tristonhos,
vou à luta, sem tardança;
ao porto azul dos meus sonhos
regressa a nau da esperança.
19
Esta saudade que é tua
dança no meu pensamento,
como a chuva lá na rua
sob a regência do vento.
20
Este sol fraco, inconstante,
trará luzes de outros sóis,
para amanhã, mais radiante,
te acordar nos meus lençóis.
21
Eu acredito e confesso
que a mais cruel das partidas
é a partida sem regresso,
para o rumo de outras vidas.
22
Feito de fugas e medo,
de regressos e partidas,
nosso amor, mesmo em segredo,
dá mais vida às nossas vidas.
23
Foi preciso muito brio,
quase a coragem faltou,
para enfrentar o vazio
que a tua ausência deixou.
24
Há sempre um rastro de luz
protegendo a caminhada
de quem abriga e conduz
a infância desamparada.
25
Hoje, no ocaso da vida,
tem sabor de eternidade
esta ternura incontida
que floriu na mocidade.
26
Meu chimarrão, tu retratas
meu pampa com perfeição:
por dentro, o verde das matas,
por fora, a cor do meu chão.
27
Minha alma se fortalece,
levo melhor minha cruz,
quando através de uma prece
acho o caminho da luz.
28
“Minuano”, teus intentos
comprovam, em forte estampa,
que és o corsário dos ventos
na imensidão do meu pampa.
29
Na bomba, o beijo deixado,
na entrega, o tremor da mão,
e o meu amor, tão guardado
se traiu no chimarrão!
30
Na lareira um fogo brando
e, entre doses de licor,
nossos corpos desenhando
todas as formas de amor.
31
Não há lei irrevogável,
se amparada na razão;
toda sentença é mutável,
se a luz rasga a escuridão.
32
Não precisa o trovador
ir à lua, ver estrelas,
na noite, em rimas de amor,
ele é capaz de entendê-las.
33
Nesta noite rosicler
a lua, tão feminina,
tem o charme da mulher
e a pureza da menina.
34
O barco da minha infância
cruzou mares... velejou...
chorou saudades... distância...
mas nunca mais regressou.
35
O destino arma ciladas
que só coragem e a fé,
conseguirão, se irmanadas,
manter-nos vivos, de pé.
36
Outrora, a paz benfazeja,
noites de amor sob a lua,
hoje, na noite viceja
o crime, solto, na rua.
37
Peço ao sol, em oração,
e à lua, em seu branco véu,
que não falte um chimarrão
na grande estância do céu!
38
Por tantos textos errados,
somos hoje, sem favor,
dois atores fracassados
no grande palco do amor.
39
Quando a paixão se agiganta,
tão feiticeira e felina,
cala-se a voz na garganta
e só o prazer nos domina.
40
Quando em serena cadência,
na dança que o amor requer,
desnudo sem resistência
meus anseios de mulher.
41
Quando minha alma mentiu,
ao jurar que te esqueceu,
o meu orgulho aplaudiu
a grande atriz que fui eu.
42
Quanto tempo posto fora,
numa procura sem jeito,
sem ver as luzes da aurora,
porque era noite em meu peito.
43
- Que fazias no escurinho,
junto àquele rapagão?
- Não penses mal, papaizinho,
fazia meditação!
44
Quero o torpor, a leveza,
que o licor me propicia,
para acalmar a tristeza
da minha vida vazia.
45
Regressa... tudo te espera...
os teus discos, teu licor,
e uma doce primavera
desfeita em beijos de amor.
46
Roda, criança querida,
teu carrinho... teu pião...
Enquanto a roda da vida
não levar tua ilusão…
47
São brinquedos fulgurantes,
que brilham soltos...ao léu...
as estrelas cintilantes
que a lua joga no céu.
48
Se a Lei Divina se encerra
na paz, no amor, no perdão,
por que rolam pela terra
crianças que não têm pão?
49
Se é feitiço ou se é magia,
não sei, nem quero saber,
só sei que virou mania
este amor que é o meu viver.
50
Sem coragem, dividida,
entre a paixão e a razão,
minha alma é folha caída,
num vendaval de emoção.
51
Sem guerrilha... sem debate...
rola o manto da cobiça,
quando a espada do combate
verga-se à Lei da Justiça!
52
Sem temor e sem ressábios
hoje enfrento o mar fremente,
para no cais dos teus lábios
aportar meu beijo ardente.
53
Se queres manter-te em pé,
ter mais luz em tua andança,
acende o incenso da fé
no castiçal da esperança.
54
Se sofro não perco a calma,
a fé meus passos conduz;
a força que guardo na alma
se renova e acende a luz.
55
Se te esqueceste do texto,
se foste péssimo ator,
não busques nenhum pretexto
para os teus erros no amor.
56
Seu chute ninguém olvida,
atleta bom e sarado,
por isso a “gata” o convida
pra jogar no seu gramado…
57
Tem tanta preguiça, tanta,
e modos tão indolentes,
que quando almoça, não janta,
pra não dar trabalho aos dentes.
58
Tentei fugir de mansinho,
devagar romper os laços;
desisti, qualquer caminho
sempre me leva aos teus braços.
59
Teus cílios, negra cortina,
escondem dos olhos meus,
toda a magia divina
que dança nos olhos teus.
60
Tu és, amor, a alegria,
o meu vinho, o meu licor,
ao raiar de um novo dia,
abrindo as portas do amor.
61
Voltei feliz para vê-la.
Frustração. Não me quis mais.
Somente os olhos da estrela
me viram chorar no cais.

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Alcy Ribeiro (1920 - 2006)

1
A casa ainda é aquela...
ainda é o mesmo portão... 
na sala, a mesma aquarela
junto à mesma solidão!
2
Ao velho diz o brotinho:
"Quero fugir com você”.
Indaga o pobre velhinho:
"Fugir? Mas ... Fugir pra quê?"
3
Bates a porta ao chegar
e essa agressão não me importa.
- Eu prefiro acreditar
que o vento é que bate a porta.
4
Com ciúme, enfurecida,
deu nele tanta pancada,
que a amizade colorida
anda um pouco desbotada...
5
Com uma telefonista
casou-se um pobre coitado.
Agora, por mais que insista,
só dá “ramal ocupado”...
6
Da infância e de seus folguedos,
relembro instantes diletos,
quando sou, entre brinquedos,
brinquedo na mão dos netos!
7
De esperanças luminosas
vê se enfeita a tua mágoa:
- em meio às plagas rochosas
quase sempre há um veio d'água.
8
Deixei restos de carinho
sob insensatos protestos
e agora, triste e sozinho,
ando em busca desses restos ...
9
Depois que me abandonaste,
só te desejo um castigo:
que a insônia que me deixaste,
passe uma noite contigo!
10
Eis-me, de novo, defronte
das malhas de tua rede,
a beber da mesma fonte
que não matou minha sede...
11
Este amor traz-me ventura
num conflito que alucina:
Faz com que eu, mulher madura,
tenha sonhos de menina...
12
Fiz uma trova tão linda
para a flor que ele me deu...
Eu conservo a flor ainda
mas a trova ele esqueceu...
13
Foram risadas de estrondo
quando o pobre Waldemar
quis envelope redondo
para a "Carta Circular"...
14
Janela fechando e abrindo,
batendo a todo momento,
parece estar aplaudindo
a dança infernal do vento!
15
Mais triste que um céu cinzento,
mais cruel que a própria dor,
é aquele amor de momento,
sem mais momentos de amor!
16
Meu coração chora a perda
de momentos sedutores,
por ter sido um zero à esquerda
na soma de teus amores.
17
Muitos, fugindo aos fracassos,
têm, nas ingênuas conquistas,
o destino dos palhaços
imitando trapezistas...
18
Na humildade do meu ninho,
com teu amor que me enleia,
meu jantar de pão e vinho
tem ares de Santa Ceia!
19
Na liberdade pensando,
exulto com alegria,
vendo um pássaro cantando
e uma gaiola vazia.
20
Na minha doce ilusão,
ser uma trova eu queria,
aquela que tua mão
sem tremer assinaria.
21
Não há maior desengano
ferindo nosso saber,
do que ouvir um ser humano
revelar: “Eu não sei ler”.
22
Não há nada que esmoreça
o brasileiro animado:
- tá levando na cabeça
mas, polegar levantado!...
23
Na igreja, menina arteira,
- não é coisa que se enquadre -
mas... quase que vira freira, 
ao saber quem era o padre...
24
Na paixão em que me abraso
tanto sol tem minha estrada,
que eu não troco o meu ocaso
pela mais linda alvorada!
25
Na prece tenho as respostas
da fé que perdura em mim:
tal como a cruz, não tem costas!
Tal como Deus, não tem fim!
26
Nos teus olhos rasos d’água,
sem ser pintor, eu pintei
uma aquarela de mágoa
com as mágoas que te dei.
27
Num capricho alucinado,
em vindoura encarnação,
eu quero ser o pecado,
se tu fores meu perdão!
28
O calor da mocidade
e os riscos da meninice
deixam brasas de saudade
sob as cinzas da velhice.
29
O pecado nos perdeu
e eu paguei logo depois.
Por que o castigo é só meu,
se a culpa foi de nós dois?
30
Os dilemas venceremos
com firmeza em nossos passos:
- remador que perde os remos
faz remos dos próprios braços...
31
Que idade tens? E eu, risonho,
respondo, sem me abalar:
- Eu tenho a idade que o sonho
permite um sonho sonhar!
32
Se acaso, um dia, escutares
na tua porta um lamento,
é o pranto dos meus pesares
gemendo na voz do vento.
33
Se em vez do bem que fizeste,
todo mal me houvesses dado,
- pela filha que me deste,
estarias perdoado!
34
Só hoje, de alma cansada,
sei minhas preces de cor:
é no fim da caminhada
que a gente reza melhor!
35
Só mesmo como piada
"pão dormido" não engorda,
pois na primeira dentada
é claro que o pão acorda!
36
Sou tímida, na verdade,
e você já percebeu .
Porém ... beije-me à vontade
porque a tímida sou eu...
37
Tão carinhosa ela é,
que, num amor desmedido,
chega a fazer cafuné
na peruca do marido.
38
Tua ausência, na verdade,
não traduz nenhum castigo:
vou me abraçando à saudade
até me encontrar contigo.
39
Tu partes com tal freqüência
que, embora em meio às promessas,
persiste um sabor de ausência
toda vez que tu regressas.
40
Vai, coração, vai teimoso,
vai por aí a bater
por um outro, mentiroso,
que finge por ti bater.
41
Vens... não vens... e nessa espera,
o meu pranto vai deixando,
no mal que me desespera,
o bem de estar te esperando!
42
Vi, na magia de um bumbo,
enquanto ele ressoava,
os soldadinhos de chumbo
de um quartel que eu comandava...

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...