sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Aurolina Araújo de Castro (1933 - 2004)


1
A beleza em nossa vida
não vem só dos bons eventos,
mas da luta enriquecida
pelos nobres sentimentos.
2
A glória de um jangadeiro
não vem de saber pescar
mas de sair sobranceiro
das tempestades do mar.
3
Além de dar alegria,
a música é solução,
quando se quer companhia
nas horas de solidão.
4
A luz da felicidade
não tem destino qualquer.
Daí a dificuldade
de encontrá-la onde se quer.
5
A nossa felicidade
é fruto deste segredo:
- Honrar a fidelidade
sem aliança no dedo!
6
Aquele que é justiceiro
não faz julgamento vão;
sempre procura primeiro
ouvir a voz da razão.
7
A rosa, pela beleza.
alegra quaisquer caminhos
e dá prova de grandeza,
convivendo com espinhos.
8
A trova, como um veleiro,
transporta minha emoção,
e vai pelo mundo inteiro,
pondo à mostra o coração.
9
Com o evangelho do amor,
sem palmatória na mão,
Anchieta educador
foi grande em sua missão.
10
Cultura é força motriz.
que tem por meta o progresso.
no que a gente pensa e diz
e labora com sucesso.
11
Da saudade a teimosia
só consigo me livrar,
se recorro à valentia
de no pranto a sufocar,
12
Da vida belos segredos
narra o vento todo dia,
nas harpas dos arvoredos,
em forma de melodia.
13
Desfrutam de eternidade
os santos que estão no altar,
cuja ação de santidade
estão sempre a nos mostrar.
14
Dos prêmios que a vida oferta
este nos faz mais cristão:
– Ter sempre nossa alma aberta
pra dar amor e perdão.
15
Enquanto o perdão comprova
a grande força do amor,
o revide nos dá prova
da mesquinhez do rancor.
16
Estrelas em traquinadas,
à noite, brincam nos campos,
quando descem disfarçadas
com a luz dos pirilampos.
17
É tão bela a poesia
que a jangada põe no mar.
que até em hora sombria,
ela nos leva a sonhar.
18
Graças ao sonho e ousadia
de um genial brasileiro,
os aviões noite e dia
cruzam céus do mundo inteiro.
19
Harmonia refulgente,
o sol aquecendo a flor,
unindo tão docemente,
mensagem de luz e cor.
20
Lutando contra a opressão
que exterminava seu povo,
fez Zumbi, com sua ação,
surgir horizonte novo.
21
Mãe, da grandeza singela
do caminho que trilhaste,
guardo hoje, grande parcela
do exemplo que nos deixaste.
22
O brilho da lua cheia
cai suave nos caminhos,
dando a impressão que receia
acordar os passarinhos.
23
O pranto, que a dor revela,
muitas vezes vem provar
que, numa função mais bela,
pode alegria mostrar.
24
Os corruptos e tiranos,
vencendo as suas torpezas,
tornam caminhos profanos
em catedrais de nobreza.
25
O segredo do sucesso
não é querer e esperar.
Sua escalada de acesso
só perfaz quem trabalhar.
26
Posso andar no mundo inteiro,
vendo beleza e pujança,
mas é no chão brasileiro,
onde está minha esperança.
27
Quando o sucesso do irmão
em ti vem causar tristeza,
anula em teu coração
tudo que tem de grandeza.
28
Retenha e nunca distorça
o teor desta verdade:
– Quando a união faz a força.
se extingue a dificuldade.
29
Tem pauta azul infinita
a melodia do mar,
que soa bem mais bonita,
com ajuda do luar.
30
Uirapuru, quando canta,
mostra feitiço invulgar.
A passarada se encanta
e o cerca para escutar.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Durval Mendonça (1906 - 2001)


1
A garoa é ouro fino
das arcas celestiais
que desce em fluido divino
na terra dos cafezais ...
2
A gente vê a poesia
mais natural e mais pura,
quando a rês, lambendo a cria,
dá-lhe um banho de ternura.
3
Ah, como são transitórias
minhas raras alegrias!
Elas me vêm de vitórias
num mundo de fantasias.
4
A lágrima, companheiro,
que reflete minha mágoa,
parece mais um braseiro
que uma simples gota dágua.
5
Aleijadinho, com traços
que o teu cinzel pôs na História,
a Via Sacra dos Passos
levou teus passos à glória.
6
Alta noite... Um sino plange...
No espaço, a lua silente
traz a arrogância do alfange
no lirismo do crescente.
7
Ao beijar a tua mão,
que o destino não me deu,
tenho a estranha sensação
de estar roubando o que é meu...
8
Ao fim de instantes felizes,
quando me dizes adeus,
parece, amor, quando o dizes,
que o céu vai ficar sem Deus.
9
Ao ver crianças em bando
que passam rindo, por mim,
fico feliz relembrando
os bandos que tive assim.
10
Após cruentas batalhas,
quantas lágrimas fluíram,
umedecendo medalhas
de bravos que nunca as viram.
11
A praia é cama estendida,
onde o mar e a lua cheia...
- Cala-te, boca atrevida,
não fales da vida alheia!
12
As vitórias que eu consigo
neste mundo de ilusões
vêm, por certo, dos perigos
que transponho aos trambolhões
13
A vida é roda de fogo,
gira em franco desatino...
Cartas sem naipe de um jogo
em que o parceiro é o Destino.
14
A vida... Que vale a vida?
Ela talvez nem me importe...
Pobre ampulheta invertida
nas mãos do Tempo e da Morte.
15
A vida tem seus volteios:
ora sobe, ora é descida
e arrasta nos seus rodeios
os sem-destino da vida.
16
Bateram, fui ver. À toa...
Ninguém bateu... Ilusão!
Deve ter sido a garoa
fugindo da solidão.
17
Bebo, sim!... Quanto puder!
Pois vejo, ao fundo da taça,
tua graça de mulher
fazendo minha desgraça...
18
Cachaça sempre dá jeito,
quando a saudade me abafa:
ponho a cachaça no peito
e a saudade na garrafa
19
Cai a noite e neste quarto
que há muito você não vê,
meu coração anda farto
desta escassez de você.
20
Caminhos da minha infância
que a saudade inda percorre...
Tudo morreu na distância
e esta saudade não morre...
21
Com humildade e paciência,
como juncos eu me inclino
para abrandar a inclemência
dos vendavais do destino.
22
Como a lua é lisonjeira,
quando eu canto em serenata!
Ela aplaude a noite inteira,
batendo palmas de prata.
23
Como é belo, à luz mortiça
do dia, quando desmaia,
ver o mar, que se espreguiça,
rolando, em ondas na praia
24
Como é triste o olhar parado
que, das grades da prisão,
pensativo, o encarcerado
deixa livre na amplidão...
25
Como um sino em hora morta,
após tantos dissabores,
meu coração bate à porta
de um cemitério de amores.
26
Com teu jeito assim brejeiro
de sinfonia concreta,
és o melhor travesseiro
para os sonhos de um poeta.
27
Coração, eu já lhe disse:
Tome cuidado, porque
eu faço muita tolice
depois... quem paga é você.
28
Criança brava, e atrevida
faz da vassoura um corcel
e enfrenta os mares da vida
num barquinho de papel.
29
Dai, Senhor, à criatura
deste mundo, enquanto é cedo,
um pouco mais de ternura,
um pouco menos de medo!...
30
Dos beijos, o mais terrível,
que assombrou povos inteiros,
por mais que pareça incrível,
custou só trinta dinheiros.
31
Dos teus olhos eu me esquivo,
para vencer a inquietude;
são pedras de fogo vivo
no caminho da virtude.
32
Eis o fim, penoso... amargo...
que eu tanto e tanto temia.
indiferença... letargo...
nosso amor em agonia.
33
Em desforra merecida,
porque me dá muitas sovas,
atiro pedras na vida
e minhas pedras são trovas.
34
Em meu barraco de zinco,
sem ninguém, sem afeição,
eu deixo a porta sem trinco,
mas só entra a solidão.
35
Em meu caminho sem luz,
sem pousada, sem roteiro,
eu não carrego uma cruz,
eu sofro um calvário inteiro.
36
Em nossa casa singela
do meu tempo de criança,
minha mãe vinha à janela
esperar sua esperança.
37
Emocionado e feliz,
ao vê-la altiva e formosa,
tenho pena da raiz
que não pode ver a rosa.
38
Engraçado, mas profundo,
não sei se já percebeste:
hoje, as almas do outro mundo
têm medo das almas deste.
39
Entra o sol pela vidraça
e em teu leito empalidece,
deslumbrado pela graça
que teu corpo lhe oferece.
40
Entrei nas lojas da vida,
quis comprar felicidade;
fui lesado na medida,
no preço e na qualidade.
41
Essa lágrima, luzindo
em teus olhinhos, meu bem,
é o sofrimento mais lindo
que vi no rosto de alguém
42
Essas vitórias compradas,
que a gente vê a granel,
são farsas mal disfarçadas,
desses heróis de papel.
43
Esta lágrima indiscreta,
que vês, agora, em meu rosto,
é o lamento de um poeta
na agonia do sol-posto.
44
Estas lágrimas que choro,
e você faz que não vê.
são tudo o que mais deploro,
porque as choro por você.
45
Este amor que me ofertaste
e, comovido, eu aceito
é pedra de luz no engaste
da jóia que tens no peito.
46
Este mar de cara feia,
de adamastores e lendas,
é o mesmo que, à lua cheia,
recobre as praias de rendas.
47
Este olhar perdido e triste,
na curva, longe, da estrada,
é tudo que ainda existe
de uma promessa quebrada...
48
Este sorriso em meu rosto
é, por estranha ironia,
mais filho do meu desgosto
do que de minha alegria.
49
Eu conto por sete dedos,
sete sonos que me tiras,
porque tens sete segredos
por trás de sete mentiras.
50
Eu fiquei penalizado,
ao ver-te passar, depois,
sem viço, de olhar cansado,
com saudade de nós dois.
51
Eu luto desde menino,
com bravura redobrada,
neste jogo em que o Destino
joga de carta marcada.
52
Eu não pude ver ainda
a razão desse teu pranto;
uma lágrima tão linda
não a tem quem sofre tanto.
53
Eu penso, quando tu passas,
alegre, de manhãzinha,
Nossa Senhora das Graças
deve ser tua madrinha.
54
Eu rolo desde menino,
feito pedra sem parar...
Só Deus sabe que destino
meu destino há de me dar.
55
Eu vejo, de minha rede,
nas noites quentes de estio,
a lua matando a sede
nas águas frescas do rio.
56
Eu vi a Felicidade,
toquei-a até com meus dedos...
Vi, sim, mamãe, é verdade,
numa loja de brinquedos!...
57
Exausta de solidões
de um céu escuro e vazio,
a lua busca emoções
no leito alegre do rio.
58
Felicidade - mosaico
de pedrinhas coloridas,
que, em meu destino prosaico,
não consigo ver unidas.
59
Fui ao forró distraído...
Filomena me sorriu.
Eu não lhe vi o marido...
Mas o marido me viu!
60
Lágrima a lágrima faço
de amarguras meu rosário...
Vou levando, passo a passo,
minha cruz ao meu calvário.
61
Minhas trovas são lampejos
em minha alma entristecida;
risonhos ou tristes beijos
que dou na face da vida.
62
Naqueles tempos de antanho,
de escribas e fariseus,
um homem do meu tamanho
tinha o tamanho de Deus.
63
Nenhum barco... o mar parado.
Noite... silêncio... abandono...
E o velho farol, cansado,
parece piscar de sono...
64
Noite escura!... De repente,
dois faróis surgem na estrada...
E a escuridão sai da frente
como quem foge, assustada.
65
Poças que o mar faz na areia...
Ao vê-las, paro e medito
nessa humildade tão cheia
das estrelas do Infinito.
66
Quando a noite vem descendo
e o mundo parece em calma,
existe um mundo fervendo
na inquietação de minha alma.
67
Vai o rio em cantochão...
Suas águas se lamentam.
Parecem pedir perdão
às pedras que as atormentam.
68
Vai-se o trem.. - Deixa a estação.
O silvo agudo é o sinal...
E uma lágrima no chão,
marcando um ponto final...
69
Vejo os espaços profundos
contraditando os ateus.
Há, no mistério dos mundos,
toda a evidência de um deus...
70
Vejo, perdido de amores,
por entre incertos meandros,
encantos enganadores
em teus olhinhos malandros.
71
Vejo-te sempre rolando,
indo e vindo... Que aflição!
Responde, mar, até quando
viverás na indecisão?
72
Vem, lua, pela vidraça
ver minhas noites vazias...
Um quarto frio, sem graça,
de um pobre joão sem marias.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

José Messias Braz


1
A esperança no horizonte
do estéril chão da viagem
reflete ao moço uma fonte,
que para o velho é miragem!
2
A minha casa é um cantinho,
mas, na humildade do espaço,
tem a ternura de um ninho
e a proteção de um abraço!
3
Ante a dor que me espezinha,
a esperança se evapora…
Até a saudade que eu tinha
não quis ficar… foi embora!
4
As folhas secas parecem,
sobre a poeira no chão,
ilusões quando fenecem
no fundo do coração.
5
Até mesmo a companheira,
minha sombra magricela,
sente falta da parceira
que caminhava com ela!...
6
Até na igreja, meu Deus,
quando ela passa ante os santos,
em rondas os olhos meus
vão bebendo os seus encantos!...
7
A trova, quando termina
em perfeita construção,
é uma casa pequenina,
com requintes de mansão!
8
Cai a noite... e uma ansiedade,
no olhar materno e sombrio,
ronda um leito de saudade
que a guerra deixou vazio
9
Com seu drama, a pobre infância,
abandonada e sem lar,
é uma aurora que a ganância
jamais permite raiar.
10
Contemplo mamãe rezando...
e em seu olhar, tão bonito,
vejo a saudade buscando
uma ausência no infinito!...
11
Cruzando céus escarlates,
ferido por estilhaços,
sou gigante nos combates
e criança nos teus braços!
12
De antigos mares eu venho,
vencendo fúrias e abrolhos,
buscar a paz que só tenho
na meiguice de teus olhos!
13
Deixa o sorriso fluir,
rolar pela vida incerta...
para quem sabe sorrir,
há sempre uma porta aberta.
14
Em meu quarto, hoje sombrio,
na solidão que me invade,
brotam versos do vazio,
com requintes de saudade!
15
Em rondas, meu coração,
tropeçando, aqui e ali,
bate em busca da ilusão
que nem sei onde perdi !
16
Essa ternura, Mãezinha,
com que acalentas o filho,
parece chuva mansinha...
regando a roça de milho!
17
Eu sou pequeno, seu moço,
mas quando tiro o chapéu,
minha alma estica o pescoço
e enxerga Deus lá no Céu!
18
Meu coração é sol-posto,
mas, nos campos da quimera,
vira na flor do teu rosto,
um luar de primavera!
19
No aeroporto, o adeus, o abraço...
e no olhar... rastros de dor!
– Lá se foi, rasgando o espaço,
uma promessa de amor!...
20
No inverno longo e silente
que atinge a terceira idade
há um fenômeno envolvente:
não cai neve... cai saudade.
21
O sonho que idealizo
tem, na sua imensidade,
o tamanho do sorriso
de quem mata uma saudade!
22
Parece até uma ironia!...
Mas o medo é o meu escudo...
e, ao ver tanta covardia,
eu tenho medo de tudo!
23
Passarinhando ilusão,
pisei pomares tristonhos,
e trouxe da solidão
a renúncia dos meus sonhos.
24
Pouso Alegre, esse teu brilho
pôs-me a seguir os teus passos;
mesmo não sendo teu filho
quero morrer em teus braços.
25
Quando o inverno esfria o zinco
do meu barraco e me invade,
uma ausência puxa o trinco
e me cobre de saudade!…
26
Velha cabeça, onde os dedos
da ilusão tocam de leve,
és o outono dos segredos
que o inverno cobriu de neve!
27
Vinde, andorinhas, no estio,
festivas, em tarde mansa,
pousar no último fio
que me resta de esperança.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Frazão Teixeira (1902 - ????)


1
Aliança de ouro – esperança
de horas risonhas e puras,
se une o casal na bonança
une-o também nas agruras.
2
A minha vida era triste,
da solidão era presa,
mas tu chegaste e sorriste,
e lá se foi a tristeza.
3
A Morte nos leva à porta
do céu, quando Deus nos chama;
se somos maus, não importa,
– no céu entrará quem ama.
4
A razão tem seus ditames
que o coração não compreende;
ela te diz que não ames,
e o coração não atende.
5
A sorte deu-me um tesouro
de inestimável valor;
não foi nem prata, nem ouro,
apenas foi teu amor.
6
A trova é manto que teço
com fios de desenganos;
depois com ela eu aqueço
minha alma ao passar dos anos.
7
A trova é um bem que se almeja
em quatro versos oculto,
mas, para mim, talvez seja
um sonho morto insepulto.
8
Cultivo este gesto lindo
de ser útil por prazer,
pois penso que dar sorrindo
é melhor que receber.
9
É grande espelho este mundo:
– se ris ele também ri,
se odeias, ódio profundo
verás em torno de ti.
10
Eu hoje vivo cantando,
feliz da vida, porque
eu sinto que estou amando,
e meu amor é você.
11
Há ternura em teu olhar
e calor nos lábios teus,
quando vens depositar
teu beijo nos lábios meus.
12
Não espere em alvoroço
para não se lamentar;
“a esperança é bom almoço
mas também um mau jantar.”
13
Não lamente os dissabores;
cicatrizada a ferida,
sempre se aprende nas dores
dos maus embates da vida.
14
Não se faz trova, ela existe
já feita como o carvão;
ser, pois, trovador consiste
em abrir o coração.
15
No outono da vida, o amor,
entre as dádivas divinas,
parece ser como a flor
nascida junto às ruínas.
16
Nuvens são trovas ao léu,
que nos primeiros albores
Deus coloriu lá no céu
em tons de todas as cores.
17
O barco se despedindo
singra no rumo perfeito,
e esta saudade surgindo
também singra no meu peito.
18
Ponha amor no coração
e nos lábios um sorriso;
para ser feliz, então
nada mais será preciso.
19
Tal como uma flor colhida,
cujo aroma nos invade,
emana da despedida
o perfume da saudade.
20
Tudo que nos acontece
uma causa deve ter;
amor enfim me parece
a causa de eu te querer.

domingo, 30 de julho de 2017

Doralice Gomes da Rosa


1
A frágil rosa em seu galho
depois que o vento passou,
desfolhou-se sobre o orvalho
que a madrugada deixou.
2
A franga sente o perigo,
vendo o frango já galeto,
diz a ele: eu vou contigo
pra rodar no mesmo espeto.
3
A mulher grita, se zanga
quando o marido, afobado,
invés de soltar a franga,
solta um frango congelado.
4
Anda estranho meu gatinho,
parece coisa mandada,
na cama nenhum beijinho,
é só rom-rom e mais nada.
5
Ao Patrão Velho e buenacho,
pedindo, tiro o chapéu:
- Olha um pouco aqui pra baixo,
manda uma bênção do céu.
6
Ao ver o broto nadando,
o vovô, já bem caduco,
se joga na água, gritando:
"Tô maluco, tô maluco!"
7
Apeie, peão, se abanque,
venha tomar chimarrão!
Amarre o pingo ao palanque:
- Aqui, ninguém é patrão!
8
Aquela coroa enxuta,
mal anoitece, ela sai,
dizendo que vai à luta
- só Deus sabe onde ela vai!
9
As lembranças e euforia
dos folguedos de criança
gravei no peito em poesia
onde a saudade descansa.
10
Brigamos qual cão e gato
sem razão, sem um motivo.
Ele me arranha, eu lhe bato,
mas sem meu gato não vivo.
11
Cai a chuva e com malícia,
num jeito todo atrevido,
vai moldando com perícia
teu corpo sob o vestido.
12
Chimarrão, tem mais sabor
quando a bomba prateada
volta trazendo o calor
dos lábios da minha amada!
13
Diz, num porre, o coroinha,
na missa, ao Padre Pimenta:
- Eu só tomei umazinha,
o resto foi água-benta!
14
Hoje, nós dois, no abandono;
perdidos, sem mais escolhas:
– dois galhos secos no outono
que o vento varreu as folhas.
15
Já fui frango revoltado,
dono, rei do meu terreiro.
Hoje, velho, aposentado,
nem subo mais no poleiro.
16
Levando um chute o magrinho
ao jogar uma pelada,
o que já era pouquinho
acabou virando nada.
17
Magro dos pés ao pescoço,
feio do fim ao começo,
o Zeca era o próprio esboço
de uma caveira ao avesso.
18
Mais um Natal se anuncia
e em minha mesa hoje tem:
uma cadeira vazia
a esperar por quem não vem.
19
Marujo ao pisar na areia
traz do mar lendas estranhas,
nunca viu uma sereia
mas fisgou muitas piranhas.
20
Marujo velho, o Raimundo
quando em vez dá uma ensaiada,
levanta a vela e vai fundo
mas qual, só nada, mais nada!
21
Meninas, eis um conselho:
vêde bem por onde andais!
A honra é como um espelho,
se quebrar, não cola mais...
22
Minha gata por capricho
ronda o gato do vizinho.
Mas o danado bicho
sai miando e bem fininho.
23
Na ilusão de ser amado,
sonho a grandeza dos sábios,
bebo o licor do pecado
no cálice dos teus lábios.
24
Não quero saber de intriga
pois cheguei à conclusão:
é melhor viver sem briga,
do que brigar com razão!
25
Na solidão do meu rancho,
nossa rede, que ironia,
ainda presa no gancho,
embala a noite vazia.
26
Nesta taça de licor
transbordando de ternura,
brindaremos nosso amor,
nossos sonhos de ventura.
27
Nosso amor é um triste enredo
que o destino emaranhou,
fez de nós dois um brinquedo
que em tuas mãos se quebrou.
28
O bebum, num corrupio,
cheio de pinga e de mágoa,
não percebendo o desvio,
se foi com os burros n’água.
29
O capeta à Terra veio,
fugindo do fogo eterno
e ao ver o mundo tão feio,
voltou correndo pro inferno.
30
O frango muito fuleiro
pula o muro, canta grosso,
vai ciscar noutro terreiro
e acaba virando almoço.
31
Para brindar a partida
de alguém que já não me quer,
bebo o champanha da vida
nos lábios de outra mulher.
32
Pra sorrir não tenho hora...
nas mágoas não me concentro;
mostro um sorriso por fora,
mesmo chorando por dentro.
33
Quando a sogra vem chegando,
com olhar de cobra mansa,
eu corro, me desviando,
mas ela sempre me alcança!
34
Quando eu cruzar a porteira
para o plano do infinito,
levarei minha bandeira
com meu protesto e meu grito!
35
Que o velhinho em seu trenó,
campeando luas e luas,
tenha compaixão e dó
dos piás que vivem nas ruas!
36
Sogra boa - não se iluda!
Se existiu, morreu à míngua.
A não ser que seja muda
e a boca não tenha língua.
37
Teu amor é uma jangada
que aportou com muito jeito
e agora vive ancorada
nas amarras do meu peito.

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...