domingo, 13 de agosto de 2017

Renato Baptista Nunes (1883 - 1965)


1
Agora, não sei por quê,
meu relógio faz maldades.
Numa hora sem você,
marca sessenta saudades!
2
Águas do lago... tão calmas...
Olhando-as, fico a cismar :
– Por quê, Senhor, há nas almas
essa inquietude do mar ?
3
A nossa alma se reparte
pelos filhos que nos vêm;
temos sempre nossa parte
nos destinos que eles têm.
4
As dores e os desencantos
têm dois destinos diversos:
- ou se dissolvem nos prantos,
- ou se desfazem nos versos.
5
Bem pouca gente procura
aceitar esta verdade:
- antes ser bom sem ventura,
que ser feliz sem bondade.
6
Canta, canta as tuas mágoas,
que a trova nos traz conforto;
quando morre um sonho, a trova
guarda a alma do sonho morto.
7
Céu de azul inexistente,
linda mentira sem par!
Quando o próprio céu nos mente,
em quem posso acreditar?
8
Com que cara fica a gente,
junto à mulher que se adora,
se perguntam, de repente:
- "Como vai sua senhora?”
9
Como dói a gente ver
sem conseguir consolar,
- uma criança a sofrer,
Um velhinha a chorar...
10
Coração, bate baixinho,
pois, a ouvir-te, ó desventura,
conto os passos do caminho
que conduz à sepultura...
11
Creio em alma feminina,
– quem assim pensa, não peca -
quando vejo uma menina
a ninar uma boneca.
12
Das horas sempre ditosas,
muitas o tédio nos furta...
A glória maior das rosas
é terem vida tão curta.
13
Desta feliz ignorância
decorre grande ventura:
- não sabermos que distância
vai do berço à sepultura.
14
Deus, que uniu as nossas almas,
mais bondoso foi depois,
quando, para unir-nos mais,
pôs um filho entre nós dois.
15
Deus te dê vida tão calma,
graças tais que, ao recebê-las,
sintas no céu de tua alma
todo um punhado de estrelas!
16
Dizes que gostas de mim,
se gostas, nunca senti;
teu gosto é outro, isto sim,
gostas que eu goste de ti.
17
Em dons de amor, apesar
de ser pobre como Jó,
prefiro não te beijar
a beijar-te uma vez só!
18
Entre o mar e alma da gente
há relações inegáveis:
- a inquietude permanente
e os mistérios insondáveis.
19
É o amor um milionário,
gaste os beijos que gastar,
tanto mais, o perdulário,
terá sempre para dar !
20
Eu te explico o acontecido:
- se roubei teu beijo, amada,
foi por ter-me parecido
que querias ser roubada...
21
Feliz daquele que alcança
o lenitivo que quer,
- num sorriso de criança
- num carinho de mulher.
22
Graças, pai, meu grande amigo,
pelo bem que me fizeste!
Minha mãe, eu te bendigo
pelo pai que tu me deste!
23
Guardo esta amarga impressão:
depois de tanto viver,
só hoje sinto a extensão
do que deixei de fazer...
24
Há belas trovas... mas creio,
nenhuma pode igualar
às lindas trovas que leio
no fundo do teu olhar !
25
Há no mundo muita gente
que só maldades proclama;
é que os sapos, certamente,
só são felizes na lama.
26
Há saudades que nos falam
de maneiras desiguais:
umas dizem: "pode ser" ..
muitas outras: "nunca mais"
27
Mãe feliz! É tão novinho,
e teu seio já reclama!
Dois corações tens agora:
um que pulsa, outro que mama!
28
Mãe não precisa de rima.
Nome de tal esplendor,
diz tudo, para que exprima,
sozinho, um poema de amor!
29
Mãe... Olhando o teu retrato,
meus olhos fitos nos teus,
penso que estás a meu lado
por uma graça de Deus !
30
Mais do que o próprio desdém,
nada mais deixa tão sós,
como saber que ninguém
sente saudade de nós...
31
Maria dos meus amores,
Maria dos meus pesares,
ai de mim quando te fores,
ai de mim se tu ficares...
32
Meus anseios ... tristes frades,
numa angústia indefinida,
vivem presos entre as grades
das clausuras desta vida ..
33
Minha mágoa, quando é grande,
faz da trova confidente
– Uma angústia que se expande
não sufoca a alma da gente.
34
Mistérios de enternecer
a lei da vida contém:
- quanta vez nosso prazer
não custou a dor de alguém?
35
Muita gente é infeliz
mas será por culpa alheia?
Cada qual, como se diz,
colhe aquilo que semeia.
36
Não sei que mágoa mais funda
destas tristezas decorre:
- se da saudade que vive,
– se da esperança que morre.
37
Na tua face entrevejo
transformação milagrosa:
- da semente do meu beijo,
nasce o rubor de uma rosa!
38
Nem sempre meu mal existe.
Querida, não te desoles,
às vezes finjo de triste
só para me consoles.
39
No início da vida, o mundo
parece um reino encantado!
Não há erro mais profundo,
nem logro mais bem pregado.
40
Olhando a vida vivida,
esta pergunta passou:
- fui eu que fiz minha vida,
ou fez-me a vida o que sou?
41
O mundo é um só, quem duvida?
Mas para as almas, no fundo,
há tantos mundos na vida,
quantas vidas há no mundo.
42
O prazer que a gente goza
guarda, em si, melancolia,
pois a hora que é ditosa,
há de ser saudade um dia.
43
Para evitar, precavida,
qualquer infidelidade
quando ela vai de partida,
deixa comigo a saudade.
44
Peço-lhe um beijo, matreiro,
sei que o pedido não pega;
mas conheço o meu isqueiro,
no princípio, sempre nega...
45
Quando a aurora se incendeia,
toda a passarada, em festa,
ergue um hino à Natureza
na Catedral da floresta !
46
Quando a injustiça te doer,
ou quando alguém te magoar,
esquece, pois esquecer
é bem mais do que perdoar.
47
Quando parte um velho amigo
rumo às paragens sem fim,
sinto que um pouco da vida
morreu, também, dentro em mim
48
Quanto és bela, que grandeza,
cidade vista do alto !
Quanta dor, quanta baixeza,
ao nível do teu asfalto...
49
Quão larga seria a messe
de surpresas, de tormentos,
se o simples olhar pudesse
devassar os pensamentos ..
50
Quem casa não se governa,
tenho, até, vergonha às vezes,
pois quem manda em minha casa
é um pirralho de três meses!
51
Saudade e rio corrente
ligam dois pontos distantes:
- o rio leva à nascente,
a saudade, ao que era dantes...
52
Se uma fada perguntasse
qual a ventura que almejo,
eu diria : - que consiste
em não ter nenhum desejo.
53
Solidão que não tem par,
ausência cruel, atroz,
é viverem dois num lar
como se estivessem sós.
54
Talvez não fosse tolice
pensar num mundo sem mal,
se toda gente sentisse
o que diz pelo Natal...
55
Tens um sinal junto à boca,
fonte de todo o meu mal:
ao beijá-la, fui punido
por "avançar o sinal"...
56
Tesouro que, dividido,
vai crescendo, vai subindo,
- é amor de Mãe, repartido
pelos filhos que vem vindo !
57
Teu amor é tão sincero,
que adivinhas o que almejo
pois nunca te disse "eu quero"
para ter o que desejo.
58
Teu sorriso é uma alvorada
que acende na tua face
o rubor que a madrugada
põe no céu, quando o sol nasce!
59
Vejo na noiva ditosa,
aos pés do altar, a sorrir
uma esperança radiosa
interrogando o porvir...
60
Velhice não é tristeza
quando somos venerados
- o que nos dói é a certeza
de só sermos tolerados.
61
Velhos, distantes, embora,
não nos sentimos tão sós,
quando os amigos de outrora
inda se lembram de nós.
62
Vida... Perene esperança
de quê, não se sabe bem...
Feliz de quem não se cansa
de esperar o que não vem.
63
Viver muito, na verdade,
é irmos ficando sós,
dentro da imensa saudade
dos que vão antes de nós...

sábado, 12 de agosto de 2017

Myrthes Mazza Masiero


1
Alerta: Grande perigo!
A água está em extinção;
e o nosso grande inimigo
é o ser humano, oh, irmão!
2
Amizade é sol que aquece
aonde quer que se vá.
Nem sempre o sol aparece,
mas se sabe que está lá...
3
Araras azuis, voando,
vão singrando a imensidão;
parecem fugir em bando
da ameaça da extinção!...
4
Crianças são primaveras
que enchem o mundo de cores;
as primaveras são eras
em que só colhemos flores!
5
Depois de uma tempestade
e a paz volta a florescer,
eu sinto a felicidade
de um cego que volta a ver.
6
Equilíbrio é harmonia,
prudência e moderação;
mantê-lo é manter em dia
mente sã em corpo são.
7
Eu sempre fiz ”macaquice”,
mas “mico” não pago não.
Existe coisa mais triste
que dar “topada” no chão?
8
Felicidade é uma estrela
que nasce na alma da gente . . .
Precisas reconhecê-la
para plantar a semente!
9
Franqueza, um belo costume,
de quem é franco e leal,
é faca que tem dois gumes,
pode, às vezes, ser fatal!
10
Fumo escuro, céu cinzento,
todo o ar contaminado...
e o ser humano- avarento-
mata e morre sufocado!
11
Jamais fui fiel devoto
mas tenho cá meu santuário,
cultuo ali cada foto
como se fosse um sacrário!
12
Linda turista elegante,
belo jovem refinado,
fazem do baile brilhante
um brilhante "Ano Dourado"!
13
Mãos que sustentam o mundo,
mãos recheadas de amor...
plantam o saber fecundo
são as mãos do professor!
14
Melhor seria que os versos,
com as asas da verdade,
voassem pelo universo
a espalhar sinceridade.
15
Minha paixão malograda,
sufocada entre segredos,
é como nau destroçada
batendo contra os rochedos!
16
Muita gente desvalida,
que labuta como mouro,
vive a escutar na vida
que o trabalho vale ouro.
17
Nesta vida a mocidade,
tal qual roseiras viçosas,
dá botões na flor da idade
antes de encher-se de rosas!
18
Nós somos todos um trem
carregado de ancestrais...
Temos que seguir além
mesmo entre flores e ais!...
19
O sábio é um degustador,
degusta a sabedoria,
“carpe diem” com fervor,
bebe a luz que ele irradia.
20
Quando a cabrocha aparece
descendo o morro sambando,
o povaréu enlouquece,
cai no samba rebolando!
21
Quem semeia entendimento,
jamais colhe tempestade,
esparrama aos quatro ventos
flores de fraternidade.
22
Quem tem prudência na vida
não pensa em “olho por olho”;
as ofensas não revida…
mas põe “a barba de molho”!
23
Quem sozinho se constrói
lapidando cada aresta,
se lasca, se corta e mói
mas tem sempre a alma em festa!
24
Rompamos com todo elo
dos grilhões da escravidão!
A escravidão é flagelo
que mutila o cidadão!...
25
Saudade é como cebola
que se descasca a chorar.
Mas toda mulher que é tola,
vive a cebola a cortar
26
Se, após longa tempestade,
a paz vem a florescer,
recobro a felicidade
do cego que volta a ver...
27
Sobreviver é uma arte.
É driblar a natureza,
tendo a fé como estandarte
e Deus como fortaleza.
28
Toda a noite, quando saio,
vendo o céu luminescente,
sinto a paz que é como um raio
de luar dentro da gente.
29
Um dia paguei um “mico”,
escorreguei no salão.
Não sei se encolho ou se fico
estatelada no chão.
30
Vendo este mundo violento,
irmão a matar o irmão,
pergunto: - Será que há tempo
de Deus nos dar seu perdão?...

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Aurolina Araújo de Castro (1933 - 2004)


1
A beleza em nossa vida
não vem só dos bons eventos,
mas da luta enriquecida
pelos nobres sentimentos.
2
A glória de um jangadeiro
não vem de saber pescar
mas de sair sobranceiro
das tempestades do mar.
3
Além de dar alegria,
a música é solução,
quando se quer companhia
nas horas de solidão.
4
A luz da felicidade
não tem destino qualquer.
Daí a dificuldade
de encontrá-la onde se quer.
5
A nossa felicidade
é fruto deste segredo:
- Honrar a fidelidade
sem aliança no dedo!
6
Aquele que é justiceiro
não faz julgamento vão;
sempre procura primeiro
ouvir a voz da razão.
7
A rosa, pela beleza.
alegra quaisquer caminhos
e dá prova de grandeza,
convivendo com espinhos.
8
A trova, como um veleiro,
transporta minha emoção,
e vai pelo mundo inteiro,
pondo à mostra o coração.
9
Com o evangelho do amor,
sem palmatória na mão,
Anchieta educador
foi grande em sua missão.
10
Cultura é força motriz.
que tem por meta o progresso.
no que a gente pensa e diz
e labora com sucesso.
11
Da saudade a teimosia
só consigo me livrar,
se recorro à valentia
de no pranto a sufocar,
12
Da vida belos segredos
narra o vento todo dia,
nas harpas dos arvoredos,
em forma de melodia.
13
Desfrutam de eternidade
os santos que estão no altar,
cuja ação de santidade
estão sempre a nos mostrar.
14
Dos prêmios que a vida oferta
este nos faz mais cristão:
– Ter sempre nossa alma aberta
pra dar amor e perdão.
15
Enquanto o perdão comprova
a grande força do amor,
o revide nos dá prova
da mesquinhez do rancor.
16
Estrelas em traquinadas,
à noite, brincam nos campos,
quando descem disfarçadas
com a luz dos pirilampos.
17
É tão bela a poesia
que a jangada põe no mar.
que até em hora sombria,
ela nos leva a sonhar.
18
Graças ao sonho e ousadia
de um genial brasileiro,
os aviões noite e dia
cruzam céus do mundo inteiro.
19
Harmonia refulgente,
o sol aquecendo a flor,
unindo tão docemente,
mensagem de luz e cor.
20
Lutando contra a opressão
que exterminava seu povo,
fez Zumbi, com sua ação,
surgir horizonte novo.
21
Mãe, da grandeza singela
do caminho que trilhaste,
guardo hoje, grande parcela
do exemplo que nos deixaste.
22
O brilho da lua cheia
cai suave nos caminhos,
dando a impressão que receia
acordar os passarinhos.
23
O pranto, que a dor revela,
muitas vezes vem provar
que, numa função mais bela,
pode alegria mostrar.
24
Os corruptos e tiranos,
vencendo as suas torpezas,
tornam caminhos profanos
em catedrais de nobreza.
25
O segredo do sucesso
não é querer e esperar.
Sua escalada de acesso
só perfaz quem trabalhar.
26
Posso andar no mundo inteiro,
vendo beleza e pujança,
mas é no chão brasileiro,
onde está minha esperança.
27
Quando o sucesso do irmão
em ti vem causar tristeza,
anula em teu coração
tudo que tem de grandeza.
28
Retenha e nunca distorça
o teor desta verdade:
– Quando a união faz a força.
se extingue a dificuldade.
29
Tem pauta azul infinita
a melodia do mar,
que soa bem mais bonita,
com ajuda do luar.
30
Uirapuru, quando canta,
mostra feitiço invulgar.
A passarada se encanta
e o cerca para escutar.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Durval Mendonça (1906 - 2001)


1
A garoa é ouro fino
das arcas celestiais
que desce em fluido divino
na terra dos cafezais ...
2
A gente vê a poesia
mais natural e mais pura,
quando a rês, lambendo a cria,
dá-lhe um banho de ternura.
3
Ah, como são transitórias
minhas raras alegrias!
Elas me vêm de vitórias
num mundo de fantasias.
4
A lágrima, companheiro,
que reflete minha mágoa,
parece mais um braseiro
que uma simples gota dágua.
5
Aleijadinho, com traços
que o teu cinzel pôs na História,
a Via Sacra dos Passos
levou teus passos à glória.
6
Alta noite... Um sino plange...
No espaço, a lua silente
traz a arrogância do alfange
no lirismo do crescente.
7
Ao beijar a tua mão,
que o destino não me deu,
tenho a estranha sensação
de estar roubando o que é meu...
8
Ao fim de instantes felizes,
quando me dizes adeus,
parece, amor, quando o dizes,
que o céu vai ficar sem Deus.
9
Ao ver crianças em bando
que passam rindo, por mim,
fico feliz relembrando
os bandos que tive assim.
10
Após cruentas batalhas,
quantas lágrimas fluíram,
umedecendo medalhas
de bravos que nunca as viram.
11
A praia é cama estendida,
onde o mar e a lua cheia...
- Cala-te, boca atrevida,
não fales da vida alheia!
12
As vitórias que eu consigo
neste mundo de ilusões
vêm, por certo, dos perigos
que transponho aos trambolhões
13
A vida é roda de fogo,
gira em franco desatino...
Cartas sem naipe de um jogo
em que o parceiro é o Destino.
14
A vida... Que vale a vida?
Ela talvez nem me importe...
Pobre ampulheta invertida
nas mãos do Tempo e da Morte.
15
A vida tem seus volteios:
ora sobe, ora é descida
e arrasta nos seus rodeios
os sem-destino da vida.
16
Bateram, fui ver. À toa...
Ninguém bateu... Ilusão!
Deve ter sido a garoa
fugindo da solidão.
17
Bebo, sim!... Quanto puder!
Pois vejo, ao fundo da taça,
tua graça de mulher
fazendo minha desgraça...
18
Cachaça sempre dá jeito,
quando a saudade me abafa:
ponho a cachaça no peito
e a saudade na garrafa
19
Cai a noite e neste quarto
que há muito você não vê,
meu coração anda farto
desta escassez de você.
20
Caminhos da minha infância
que a saudade inda percorre...
Tudo morreu na distância
e esta saudade não morre...
21
Com humildade e paciência,
como juncos eu me inclino
para abrandar a inclemência
dos vendavais do destino.
22
Como a lua é lisonjeira,
quando eu canto em serenata!
Ela aplaude a noite inteira,
batendo palmas de prata.
23
Como é belo, à luz mortiça
do dia, quando desmaia,
ver o mar, que se espreguiça,
rolando, em ondas na praia
24
Como é triste o olhar parado
que, das grades da prisão,
pensativo, o encarcerado
deixa livre na amplidão...
25
Como um sino em hora morta,
após tantos dissabores,
meu coração bate à porta
de um cemitério de amores.
26
Com teu jeito assim brejeiro
de sinfonia concreta,
és o melhor travesseiro
para os sonhos de um poeta.
27
Coração, eu já lhe disse:
Tome cuidado, porque
eu faço muita tolice
depois... quem paga é você.
28
Criança brava, e atrevida
faz da vassoura um corcel
e enfrenta os mares da vida
num barquinho de papel.
29
Dai, Senhor, à criatura
deste mundo, enquanto é cedo,
um pouco mais de ternura,
um pouco menos de medo!...
30
Dos beijos, o mais terrível,
que assombrou povos inteiros,
por mais que pareça incrível,
custou só trinta dinheiros.
31
Dos teus olhos eu me esquivo,
para vencer a inquietude;
são pedras de fogo vivo
no caminho da virtude.
32
Eis o fim, penoso... amargo...
que eu tanto e tanto temia.
indiferença... letargo...
nosso amor em agonia.
33
Em desforra merecida,
porque me dá muitas sovas,
atiro pedras na vida
e minhas pedras são trovas.
34
Em meu barraco de zinco,
sem ninguém, sem afeição,
eu deixo a porta sem trinco,
mas só entra a solidão.
35
Em meu caminho sem luz,
sem pousada, sem roteiro,
eu não carrego uma cruz,
eu sofro um calvário inteiro.
36
Em nossa casa singela
do meu tempo de criança,
minha mãe vinha à janela
esperar sua esperança.
37
Emocionado e feliz,
ao vê-la altiva e formosa,
tenho pena da raiz
que não pode ver a rosa.
38
Engraçado, mas profundo,
não sei se já percebeste:
hoje, as almas do outro mundo
têm medo das almas deste.
39
Entra o sol pela vidraça
e em teu leito empalidece,
deslumbrado pela graça
que teu corpo lhe oferece.
40
Entrei nas lojas da vida,
quis comprar felicidade;
fui lesado na medida,
no preço e na qualidade.
41
Essa lágrima, luzindo
em teus olhinhos, meu bem,
é o sofrimento mais lindo
que vi no rosto de alguém
42
Essas vitórias compradas,
que a gente vê a granel,
são farsas mal disfarçadas,
desses heróis de papel.
43
Esta lágrima indiscreta,
que vês, agora, em meu rosto,
é o lamento de um poeta
na agonia do sol-posto.
44
Estas lágrimas que choro,
e você faz que não vê.
são tudo o que mais deploro,
porque as choro por você.
45
Este amor que me ofertaste
e, comovido, eu aceito
é pedra de luz no engaste
da jóia que tens no peito.
46
Este mar de cara feia,
de adamastores e lendas,
é o mesmo que, à lua cheia,
recobre as praias de rendas.
47
Este olhar perdido e triste,
na curva, longe, da estrada,
é tudo que ainda existe
de uma promessa quebrada...
48
Este sorriso em meu rosto
é, por estranha ironia,
mais filho do meu desgosto
do que de minha alegria.
49
Eu conto por sete dedos,
sete sonos que me tiras,
porque tens sete segredos
por trás de sete mentiras.
50
Eu fiquei penalizado,
ao ver-te passar, depois,
sem viço, de olhar cansado,
com saudade de nós dois.
51
Eu luto desde menino,
com bravura redobrada,
neste jogo em que o Destino
joga de carta marcada.
52
Eu não pude ver ainda
a razão desse teu pranto;
uma lágrima tão linda
não a tem quem sofre tanto.
53
Eu penso, quando tu passas,
alegre, de manhãzinha,
Nossa Senhora das Graças
deve ser tua madrinha.
54
Eu rolo desde menino,
feito pedra sem parar...
Só Deus sabe que destino
meu destino há de me dar.
55
Eu vejo, de minha rede,
nas noites quentes de estio,
a lua matando a sede
nas águas frescas do rio.
56
Eu vi a Felicidade,
toquei-a até com meus dedos...
Vi, sim, mamãe, é verdade,
numa loja de brinquedos!...
57
Exausta de solidões
de um céu escuro e vazio,
a lua busca emoções
no leito alegre do rio.
58
Felicidade - mosaico
de pedrinhas coloridas,
que, em meu destino prosaico,
não consigo ver unidas.
59
Fui ao forró distraído...
Filomena me sorriu.
Eu não lhe vi o marido...
Mas o marido me viu!
60
Lágrima a lágrima faço
de amarguras meu rosário...
Vou levando, passo a passo,
minha cruz ao meu calvário.
61
Minhas trovas são lampejos
em minha alma entristecida;
risonhos ou tristes beijos
que dou na face da vida.
62
Naqueles tempos de antanho,
de escribas e fariseus,
um homem do meu tamanho
tinha o tamanho de Deus.
63
Nenhum barco... o mar parado.
Noite... silêncio... abandono...
E o velho farol, cansado,
parece piscar de sono...
64
Noite escura!... De repente,
dois faróis surgem na estrada...
E a escuridão sai da frente
como quem foge, assustada.
65
Poças que o mar faz na areia...
Ao vê-las, paro e medito
nessa humildade tão cheia
das estrelas do Infinito.
66
Quando a noite vem descendo
e o mundo parece em calma,
existe um mundo fervendo
na inquietação de minha alma.
67
Vai o rio em cantochão...
Suas águas se lamentam.
Parecem pedir perdão
às pedras que as atormentam.
68
Vai-se o trem.. - Deixa a estação.
O silvo agudo é o sinal...
E uma lágrima no chão,
marcando um ponto final...
69
Vejo os espaços profundos
contraditando os ateus.
Há, no mistério dos mundos,
toda a evidência de um deus...
70
Vejo, perdido de amores,
por entre incertos meandros,
encantos enganadores
em teus olhinhos malandros.
71
Vejo-te sempre rolando,
indo e vindo... Que aflição!
Responde, mar, até quando
viverás na indecisão?
72
Vem, lua, pela vidraça
ver minhas noites vazias...
Um quarto frio, sem graça,
de um pobre joão sem marias.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

José Messias Braz


1
A esperança no horizonte
do estéril chão da viagem
reflete ao moço uma fonte,
que para o velho é miragem!
2
A minha casa é um cantinho,
mas, na humildade do espaço,
tem a ternura de um ninho
e a proteção de um abraço!
3
Ante a dor que me espezinha,
a esperança se evapora…
Até a saudade que eu tinha
não quis ficar… foi embora!
4
As folhas secas parecem,
sobre a poeira no chão,
ilusões quando fenecem
no fundo do coração.
5
Até mesmo a companheira,
minha sombra magricela,
sente falta da parceira
que caminhava com ela!...
6
Até na igreja, meu Deus,
quando ela passa ante os santos,
em rondas os olhos meus
vão bebendo os seus encantos!...
7
A trova, quando termina
em perfeita construção,
é uma casa pequenina,
com requintes de mansão!
8
Cai a noite... e uma ansiedade,
no olhar materno e sombrio,
ronda um leito de saudade
que a guerra deixou vazio
9
Com seu drama, a pobre infância,
abandonada e sem lar,
é uma aurora que a ganância
jamais permite raiar.
10
Contemplo mamãe rezando...
e em seu olhar, tão bonito,
vejo a saudade buscando
uma ausência no infinito!...
11
Cruzando céus escarlates,
ferido por estilhaços,
sou gigante nos combates
e criança nos teus braços!
12
De antigos mares eu venho,
vencendo fúrias e abrolhos,
buscar a paz que só tenho
na meiguice de teus olhos!
13
Deixa o sorriso fluir,
rolar pela vida incerta...
para quem sabe sorrir,
há sempre uma porta aberta.
14
Em meu quarto, hoje sombrio,
na solidão que me invade,
brotam versos do vazio,
com requintes de saudade!
15
Em rondas, meu coração,
tropeçando, aqui e ali,
bate em busca da ilusão
que nem sei onde perdi !
16
Essa ternura, Mãezinha,
com que acalentas o filho,
parece chuva mansinha...
regando a roça de milho!
17
Eu sou pequeno, seu moço,
mas quando tiro o chapéu,
minha alma estica o pescoço
e enxerga Deus lá no Céu!
18
Meu coração é sol-posto,
mas, nos campos da quimera,
vira na flor do teu rosto,
um luar de primavera!
19
No aeroporto, o adeus, o abraço...
e no olhar... rastros de dor!
– Lá se foi, rasgando o espaço,
uma promessa de amor!...
20
No inverno longo e silente
que atinge a terceira idade
há um fenômeno envolvente:
não cai neve... cai saudade.
21
O sonho que idealizo
tem, na sua imensidade,
o tamanho do sorriso
de quem mata uma saudade!
22
Parece até uma ironia!...
Mas o medo é o meu escudo...
e, ao ver tanta covardia,
eu tenho medo de tudo!
23
Passarinhando ilusão,
pisei pomares tristonhos,
e trouxe da solidão
a renúncia dos meus sonhos.
24
Pouso Alegre, esse teu brilho
pôs-me a seguir os teus passos;
mesmo não sendo teu filho
quero morrer em teus braços.
25
Quando o inverno esfria o zinco
do meu barraco e me invade,
uma ausência puxa o trinco
e me cobre de saudade!…
26
Velha cabeça, onde os dedos
da ilusão tocam de leve,
és o outono dos segredos
que o inverno cobriu de neve!
27
Vinde, andorinhas, no estio,
festivas, em tarde mansa,
pousar no último fio
que me resta de esperança.

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...