segunda-feira, 4 de setembro de 2017

César Torraca


1
A cova do falecido
tinha tranca e cadeado.
Por ciúme desmedido
da viúva do coitado.
2
Cantou muito bem, embora
saísse todo quebrado,
pois cantou uma senhora
que tinha o marido ao lado!
3
Desprezando a minha crença,
quando te vejo passar,
ao sentir tua presença...
ponho pecado no olhar!
4
Distraída, a moça entrou
sozinha no elevador
e ao gabineiro falou:
- Vamos pro quarto, senhor.
5
Diz a vacina, zangada:
- No braço eu não vou gostar;
fico mal acomodada;
é melhor outro lugar!
6
Ela é nova e ele velhinho...
e veio um par de rebentos...
- curioso é que, ao vizinho,
não faltaram cumprimentos...
7
"Lucíola", minha "Senhora",
foi em "Sonhos d'Oiro" a "Diva",
"As Asas de um Anjo" e agora
é a "Expiação" rediviva.
8
Mordomo nada primário,
educado e muito ordeiro,
não abre nenhum armário
sem antes bater primeiro.
9
Na cova da falecida,
ao ver o patrão em pranto,
o viúvo, alma ferida,
viu porque ganhava tanto...
10
No futebol se consola
e ganha a vida suando;
ela também, "dando bola",
vai na vida prosperando…
11
O Anedotário horroroso
que ele repete em torrente,
é do tempo em que o famoso
Mar Morto estava doente!
12
O canário não cantava,
entretanto, o vendedor,
a quem comprou explicava:
"Não canta, é compositor..."
13
O maiô que, por acaso,
veste a jovem modernista,
foi comprado a longo prazo,
porém, deixa tudo à vista!
14
O pai de santo aplicado
quando da terra "partiu",
tinha o corpo tão 'fechado"
que nem o legista abriu...
15
Sendo aventureiro e otário
virou pinguim o Pereira:
sem tempo de entrar no armário,
se escondeu na geladeira.
16
Se o marido chega tarde,
em silêncio, sem tropel,
é a mulher quem faz o alarde,
com seu rolo de pastel!
17
"Seu pulso está muito lento",
diz o doutor, mas confessa
o cliente, bem atento:
- Não faz mal, não tenho pressa!

domingo, 3 de setembro de 2017

Benedito de Góis


1
Ah! Se Deus me desse a graça
de ter-te sempre ao meu lado,
eu não teria a desgraça
de viver tão maltratado…
2
Ave-Maria! Soou
lá na capelinha o sino.
E só a saudade ficou
de um coração peregrino...
3
A vida é como um navio
que, na procela do mar,
vai indo como Deus quer,
até seu porto encontrar.
4
Eu vivo perambulando
noite e dia sem cessar.
A sorte de um vagabundo
que nasceu para penar...
5
Há nos teus olhos ciúmes,
no teu corpo sedução.
No meu peito, uma saudade
nas noites de solidão.
6
Minha mãe, deusa querida,
santa que reza por mim,
és razão da minha vida,
és a flor do meu Jardim!
7
Minha terra tem salinas,
tem rios, tem coqueirais.
Também tem moças bonitas,
para quem mando os meus ais.
8
Na minha vida o caminho
é sempre tão negro e atroz...
Nem sequer tenho um carinho,
dela já não escuto a voz...
9
No meu silêncio tristonho
que teu amor me deixou,
minha vida é quase um sonho
e tudo, tudo arruinou...
10
No pé daquele arvoredo
coloquei o nome dela,
para que morra em segredo
o amor que tenho por ela.
11
Ó lua branca e formosa,
mandai do céu, por favor,
um bom presente, uma rosa,
como oferta ao meu amor...
12
Ó mundo todo maldade,
tu, que me roubas a calma,
dá-me um pouco de bondade
e alívio para minha alma!
13
Ó! Tu que pisas mansinho
e tens um bom coração,
dá-me bastante carinho
e mata minha paixão!
14
Quando eu a vejo sozinha
na escuridão dos meus dias,
sinto a dor que me espezinha
e as esperanças sombrias...
15
Saudade, dor que me invade
o coração facilmente...
Espinho atroz da maldade,
que me destrói lentamente...
16
Se ela por mim sentisse
um sentimento qualquer,
nem que ela apenas fingisse
que foi um dia mulher...
17
Se tu soubesses, morena,
o gosto que o beijo tem,
não me fazias tal cena...
me beijarias também.
18
Só entre escolhos vivido,
não sei mais o que fazer.
Eu já me sinto perdido
quando não posso te ver!
19
Tarde sombria de outono,
Orion já longe vai…
Quisera sempre ter sono
na hora em que o pranto cai.
20
Você, ó fada encantada,
dona do meu coração,
não lembra a vida passada,
berço de negra ilusão...
21
Vou sentindo dentro em mim
um quê de amor e paixão.
Meu viver é tão ruim
que até Deus tem compaixão...

sábado, 2 de setembro de 2017

Antonio Cabral Filho


1
Anos Dourados, Maria,
são nossos gritados ais,
nenhuma fotografia,
sequer nunca nem jamais.
2
Aqueles que seguem sonhos,
não encontram obstáculos,
nem temem sustos medonhos,
pois já previnem seus cálculos.
3
Como turista quis ser:
Viver sem construir laços;
mas eu só sinto prazer
após cair em seus braços.
4
Elis Regina quer casas,
mas a criança quer campo,
pois a pipa lhe dá asas
para os voos que eu encampo.
5
Esqueça das horas mortas,
que o futuro se anuncia,
pois tudo que mais importa
é termos um novo dia.
6
Essa tarde e esse mar,
nossa infância assim sem medo,
nossa rede a nos ninar
fazem qualquer um aedo.
7
Esse céu de puro anil,
o nosso mar e as araras
pintam de azul meu Brasil,
a terra das jóias raras!
8
Felicidade é encanto
que se vive por um triz,
mas celebro, por enquanto,
apenas o que Deus quis.
9
Foi de Maria Fumaça,
a gente ali, lado a lado,
e você esbaldando graça
no meu peito acorrentado.
10
Formiga não acha feio
mostrar seu fardo no templo;
mas quem come o pão alheio
foge dela pelo exemplo.
11
Fugir é partir a esmo,
mas isso eu jamais cometo,
pois aprendi por mim mesmo
que fujão finda no gueto.
12
Imagem e semelhança,
Deus fez todos filhos seus;
será que alguém afiança
qual é a raça de Deus?
13
Já fui João de Maria,
trafegando em corda bamba:
Naveguei na calmaria
embalado pelo samba.
14
Meus horizontes azuis,
cheios de mar, sol e ventos,
só se alegram com seus uis
ao fogo dos sentimentos.
15
Meus passos à beira mar,
vão construindo caminhos,
sob o clarão do luar
entre beijos e carinhos.
16
Nosso céu, sempre tão lindo,
passa dia, cruza Era,
faz o verão que vem vindo
nos cobrir de primavera.
17
O poeta não tem quadrante,
por ser ele universal,
um tremendo viandante,
inclusive virtual.
18
Paixão, doação, entrega,
cada um sabe da sua;
ninguém vê como se apega,
mas vai pro mundo da lua.
19
Quem escreve não se rende,
nem a Brutus nem ao Demo;
pois a pena não se vende
nem atende a Polifemo.
20
Quem quiser ser um artista,
tem que seguir as canções,
passar a vida na pista
para abalar corações.
21
Sempre vivi por aí,
sem as razões nem as fontes,
mas o sol, depois que eu vi,
faz-me cruzar quaisquer pontes.
22
Terra, mãe nas mãos dos filhos,
gesto por demais bonito;
mas se andássemos nos trilhos,
se ouviriam menos grito...
23
Todos cantam sua terra,
como fez Gonçalves Dias;
mas só Cazuza descera
os véus das hipocrisias.
24
Uma vez que o tema é copa,
e tens a bola no pé,
sou do tipo que não topa,
jamais, levar um olé.
25
Um raio de sol me guia
por onde o amor impera,
mostrando-me mais um dia
nos reinos da primavera.
26
Vai sem olhar para trás,
quem acha que sempre acerta,
sem saber que a vida faz
estoque de porta aberta.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Aloisio Bezerra (Massapê/CE, 1925 - ????)

1
Acorda, logo, Alencar,
não faças tanto ruído!
Esqueceste de tomar,
pra dormir, teu comprimido!...
2
Ante insucessos de partos,
da mãe preta há gestos nobres
em ceder seus seios fartos
a órfãos que não são pobres!
3
- Ao andar, sinto cansaço.
Que me aconselha, doutor?
- Nenhum remédio lhe passo,
só tome um táxi, senhor!
4
Ao fone da Previdência
responde o "boy', que é modesto:
- Não mais trabalha, Excelência,
aqui, ninguém por Honesto!...
5
A tragédia em profusão,
vai matando em tom profundo:
- É Deus chamando a atenção
dos pecadores do mundo!
6
Cada vez que és malcriada,
fica branco o meu cocó!
- Mãe, como foste danada:
repara as cãs da vovó!...
7
Carro-de-bois, és toada
cadenciada e sem fim;
enquanto gemes na estrada,
mais geme a saudade em mim!
8
Cem anos de lucidez
fez vovô, e sem canseira,
pois o velho, todo mês,
corre atrás da cozinheira!...
9
Com uma frase, somente,
eu tento a fé descrever:
a fé, resumidamente,
é acreditar sem se ver!
10
Contra a constante injustiça,
que a maldade, às claras, solta,
lanço aos donos da cobiça
o meu clamor de revolta.
11
Depois de preso à corrente
dos seus braços, que ironia!
Ela me deu, finalmente,
um alvará de alforria!
12
Depois de tanto fracasso
que nesta vida sofri,
me transformei em palhaço,
um palhaço que não ri!
13
De que vale ter diamantes,
joia aos montões, ser incréu,
se, em libertinos instantes,
chegar a perder o Céu?
14
Diante da mãe barriguda,
o garoto olha assustado:
- É barriga d'água, Arruda.
- E o nenê morre afogado?...
15
Diz-nos, Deus, basta de guerra,
quando, alegrando aos mortais,
descerá, por sobre a terra,
a pomba branca da paz?
16
Em cada dia primeiro,
pese o seu filho, senhor.
Logo retruca o açougueiro:
- Com ou sem ossos, doutor?
17
Essas constantes matanças,
o roubo e a imoralidade
navegam nas águas mansas
e negras da impunidade!
18
Eu vejo um mundo safado,
sem fé, sem paz, em meu pranto,
só rejeitando, aloucado,
o que é de Deus, o que é santo!
19
Feito o mundo, Deus projeta
de logo um duplo desejo:
deu a saudade ao Poeta
e a tristeza ao sertanejo!
20
Felicidade - eu diria,
através da sutileza,
é uma fração de alegria
entre inteiros de tristeza!
21
Inda veremos nas liças,
outros horrores insanos,
por causa das injustiças
e dos delitos humanos!
22
Meu amor é tão perfeito,
que sempre ao ver-te, menina,
escuto, dentro do peito,
um carrilhão em surdina!...
23
Meu troféu é mais que prata,
mais que o mais fino brilhante;
ele, deveras, retrata
minha trova - o meu diamante!
24
- Meu viver é turbulento,
queixando-se, diz Seu Paiva:
- Neste ano não tive aumento,
é "roxo" o meu, mas... de raiva!
25
Minhas rugas, meus cansaços
e esses cabelos tão brancos
vão responder por meus passos,
entre trancos e barrancos!
26
Nada cobiço, querida,
sou venturoso, porque,
se tenho sorte na vida,
a minha sorte é você!...
27
Neste vale de pecado,
o pendor para o perdão
só pode ser conquistado
sob o poder da oração!
28
Nossos momentos, quem vê,
os vê felizes, querida:
eu descobri com você
o doce encanto da vida!
29
O mundo gira, lascivo,
com todos os vícios seus,
violento, injusto, opressivo,
porque distante de Deus!
30
- O que é bígamo, papai?
Me venha então explicar.
- Um imprudente que vai
por duas vezes errar.
31
O saber, o mais profundo,
a fama e a riqueza até,
não os troco neste mundo
pelo dom da minha fé!
32
Para que reine a harmonia
neste mundo de profanos,
urge que vença a alforria
e os tais direitos humanos.
33
Por ser um cara safado,
conquistador de má fama,
veio a morrer o tarado
de um espirro sob a cama!
34
- Que burrada! Que burrada!
- Já sei! Não vá repetindo!
- Não sou eu, meu camarada,
é o eco que está saindo!...
35
- Tal qual meu pai, ao crescer,
bom dinheiro vou ganhar!
- Tal qual mamãe, podes crer,
vou, tão somente, gastar!
36
Tua beleza era tanta,
tua oração tão ardente,
que em vez de fitar a santa,
eu te fitava somente!
37
Uma casinha singela
e um chameguinho, o melhor,
de um casal a viver nela...
- Para que sorte maior?
38
Um leito fofo e adornado
de cetim, brocado e flor,
de carícias abrasado,
foi palco do nosso amor!...

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Lóla Prata Garcia


1
Aquilo que fui um dia,
perdura no que hoje sou,
mas a vida, que ironia,
por ser longa, deformou...
2
Cais do porto lembra Santos,
a cidade onde nasci,
mas os salgados recantos
se encontram vivos aqui...
3
Calço as sandálias do sonho
e caminho solta ao vento
enquanto versos componho
em total deslumbramento.
4
Com quem estará a chave
que solta meu coração?
Venha esse alguém e o destrave
com amor em transfusão.
5
Cuidado, Terra, essas mãos
que parecem sustentá-la
com pulsos fortes e sãos,
conseguirão preservá-la?
6
Duvido que esse barquinho
de papel fraco, a boiar,
escape do torvelinho
de onde está a navegar.
7
Em todo e qualquer momento
eu quisera ser capaz
de, mesmo no sofrimento,
ter atitude de paz!
8
Enquanto o poeta ensaia
mil versos sobre a maré,
ondas se exibem na praia
com seu molhado balé.
9
Falhando nos compromissos
de amor que entre nós juramos,
quebramos elos maciços
e novos rumos traçamos...
10
Meu desabafo é criar
versos sensíveis e belos,
mesmo tendo que chorar
a quebra de meus castelos.
11
Minha coleção de fotos
é celeiro de lembranças;
conduz-me a tempos remotos
de venturas e esperanças.
12
Movendo as graças fluidas
pelo amor de quem nos cria,
cento e oito mil batidas
teu coração dá por dia.
13
Na mata, o rio se espreme
entre o verde... (que beleza!),
desenhando a letra M
no livro da natureza.
14
No teu ombro acomodada,
eu navego vida afora;
vou sem medo, encorajada,
e mais jovem que outrora...
15
O filme curta-metragem
que o crepúsculo descerra,
mostra a brasileira imagem
pairando entre o céu e a terra!
16
Parado, ele aguarda o apito
para empurrar a esperança;
no peito prepara um grito
de gol!!!!... de feliz criança...
17
Pintemos, bem coloridas,
linhas de sol (emergência)
nas nuvens tão poluídas
que cobrem nossa existência.
18
Quando entendo o personagem
que me cativa na história,
faço íntima abordagem
em relação ilusória.
19
Quem nas letras se revela,
quem canta o bem existente,
quem a vida, em rimas sela,
é POETA, é diferente !
20
Quero o amor bem pertinho,
ao alcance de meus braços;
não no virtual quadrinho,
tão longe dos meus espaços...
21
Sendo a "morte certa", incerta
quanto ao dia e quanto à hora,
coerência é manter-se alerta
e pronto pra ir embora...
22
Suplico ao anjo da guarda
do menino equilibrista,
que o salve e dê retaguarda
pra não ser mais trapezista!
23
Tendo ancestral nordestino
que sofria seca brava,
não quero o mesmo destino
no sudeste, mas... se agrava...
24
Uau, que foto mais linda,
enluarada de azul
na bela tarde que finda
aqui nas terras do sul...
25
Um guri corre na grama,
flagrante de um bom momento,
sentindo que a vida o ama,
pelos carinhos do vento.
26
Vendo a saudade deitada
no sofá de minha sala,
levanto e saio, calada,
com medo de despertá-la...

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...