sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Célio Grunewald (1923 - 1991)


1
A chuva fina não passa!
Quase a medo o sol reluz,
e, nesse instante, a vidraça
chora lágrimas de luz!…
2
À criança eu rendo um culto
que eu não rendo a mais ninguém
pois ela transforma o adulto
numa criança também.
3
A criança quando chora
até no pranto seduz!
É como se a própria aurora
chorasse gotas de luz!...
4
A estrada é longa, é comprida,
é tortuosa demais.
E eu vou dirigindo a vida
sem olhar para os sinais!
5
Ai de quem foge, no mundo,
dos caminhos da verdade
que a fuga dura um segundo
e o remorso... a eternidade.
6
A mulher que eu desejava,
meu sonho de perfeição,
tinha tudo que eu sonhava.
Só não tinha coração!...
7
Anoitece... A Terra dorme.
Há sombras em quase tudo
e uma lua branca enorme
brinca num céu de veludo!
8
Apesar de sempre alerta,
o carapina Marcelo,
quando o dedo, acaso, acerta,
muda o nome do martelo!
9
Caim, irado, inclemente,
no seu despeito profundo,
foi a primeira semente
de toda a inveja do mundo.
10
Choveu... fez sol e, em resposta,
surge um arco de beleza:
festa de luz decomposta
nos prismas da natureza!
11
Comprido, fino, dengoso,
o rio é um traço de prata
que alinhava, preguiçoso,
a saia verde da mata!
12
Com seu açoite, o destino
fustiga os corcéis da aurora
e num carro purpurino
arranca o sol para fora!
13
Desde os tempos de menino,
apesar das restrições,
na cartilha do destino,
vou soletrando ilusões!
14
Dona Benta, a minha sogra,
a mim nunca convenceu:
se foi benta, não me logra,
- o diabo é quem benzeu!
15
Eu venho sempre tentando
ser feliz e não consigo.
O destino anda brincando
de cabra-cega comigo.
16
É verão... no dia enorme
de ar parado e de mormaço,
parece que a mata dorme
e o sol cochila no espaço!
17
Jangada... filhos com fome
e Maria a me esperar.
Senhor Deus, em Vosso nome,
eu lanço as redes no mar.
18
Meu afilhado e sobrinho,
um capeta sempre foi.
Ao dizer: - Bênção, padrinho,
respondo: - Deus te perdoe!...
19
Meu coração tinha fama
de ter um sopro qualquer,
fiz eletrocardiograma
e meu mal era mulher…
20
Minha sogra é macumbeira.
Fez feitiço e acendeu vela.
Me “benzeu” de tal maneira,
que eu casei co’a filha dela!
21
Minha sogra idolatrada
é uma uva, anjo moreno,
mas daria, se esmagada,
em vez de vinho... veneno!...
22
Meu violão, tuas cordas,
dispensam qualquer compasso
se as minhas mágoas acordas
nas serenatas que faço.
23
Minha vida amarga e tosca
parece a aranha que passa
e tenta pegar a mosca
do outro lado da vidraça.
24
Na alvorada loira e mansa,
o sol, em doirado afago,
espanta a lua que dança
na superfície do lago!
25
Na clave do sol crescente,
nas asas da melodia,
a semibreve é semente
que produz a sinfonia.
26
Na eternidade indolente
multiplicam-se as auroras
e o “segundo” é uma semente
na dança eterna das horas.
27
Não chores se na existência
calejaste os ombros nus:
muitas vezes a consciência
pesa mais que qualquer cruz!
28
Não julgues nunca a pobreza,
nem desmereças ninguém
que a porcelana chinesa
saiu do barro também.
29
Não julgues teu inimigo,
não julgues, enfim, ninguém.
Quem julga corre o perigo
de ser julgado também!
30
Nesta casinha modesta
que é coberta de sapê,
imagine só que festa
eu faria com você!...
31
Nos idos da mocidade,
talvez dos sonhos desperto,
rimei amor com saudade
e juro que estava certo!..
32
Num prenúncio de Evangelho,
tu pões, no olhar feiticeiro,
ternura de preto velho
em macumba de terreiro.
33
Os poetas foram criados,
por capricho do Senhor
com seus destinos traçados
por algum lápis de cor!...
34
O tempo, força estupenda,
sempre em cada alvorecer,
abre as páginas da Agenda
para o Destino escrever!...
35
Por mais que a vida nos traia,
multiplique os nossos ais,
nós somos da mesma laia:
dois orgulhosos iguais!
36
Por muito, muito que valha,
nossa vida é, na verdade,
nada mais do que migalha
na mesa da eternidade.
37
Por ter ciúmes da Rita,
em seu lar, temendo um "cacho",
Zé não deixa entrar visita
e nem mamão (quando é macho).
38
Por ver-te com olhos cúpidos,
por querer-te, por amar-te,
na procissão dos estúpidos,
eu fui o porta-estandarte.
39
Quando a tristeza se acalma
e me permite sonhar,
eu abro as vidraças da alma
e deixo a saudade entrar!
40
Quando está junto da cria
que procura agasalhar,
até a fera mais bravia
Possui ternura no olhar!
41
Quanta ternura brotava
daqueles olhos divinos
quando Jesus exclamava:
-Vinde a mim os pequeninos!
42
Que importa se em teu caminho
haja presença da dor?
No ramo, também, o espinho
nasce primeiro que a flor!
43
Regenerei-me, mãezinha,
como você sempre quis.
E a doce mentira minha
fez mamãe morrer feliz.
44
Sabem os sábios profundos,
sabem os crentes e ateus,
que a dissonância dos mundos
tem a regência de Deus!
45
Se rosa branca é pureza
e a pureza é doce e franca,
na terra, tenho certeza,
minha mãe foi rosa branca.
46
Só duas vezes a Estela
traiu o pobre do João:
- uma vez com o sentinela,
outra vez, com o batalhão!...
47
Sol e chuva e, em resplendores,
fez a luz, com seus arranjos,
tobogã de sete cores
para o folguedo dos anjos.
48
Somente o vaqueiro triste
entende de uma só vez
a nostalgia que existe
no mugir de cada rês.
49
Tecendo nuvens de prata,
Dona Lua, tecelã,
para ouvir-me em serenata
ficou até de manhã!
50
Telegrafista do espaço,
o vaga lume reluz
e escreve com ponto e traço
suas mensagens de luz!
51
Teu beijo de despedida
carregou dentro do adeus
os sonhos da minha vida
e a vida dos sonhos meus!
52
Teus olhos, contas divinas,
por falsos, minha alma os teme.
São iguais às turmalinas
no caminho de Pais Leme!
53
Teu sorriso me bastava,
muito embora hoje me baste,
a ternura que faltava
no beijo que me negaste!
54
Todos os picos da serra,
dos Andes aos Pirineus,
são dedos grandes da Terra
mostrando a casa de Deus.
55
Tua ternura é carinho
que não diz nada e diz tudo
pois é tecida de arminho
num coração de veludo!
56
Vai o sol, pintando agora,
na ternura que seduz,
os lábios rubros da aurora
com pinceladas de luz!
57
Veleiro de vela panda,
perdeste o rumo e, a bailar,
vais brincando de ciranda
nas águas verdes do mar.
58
Vi minha sogra, pelada,
saindo do quarto escuro.
Sonambulismo que nada...
Sem vergonhice no duro!…
59
Voltaste enfim e eu confesso
que já prevejo, querida,
na alegria do regresso,
novo adeus de despedida.
___________________________________________________

Célio Belmiro Grunewald nasceu em Juiz de Fora em 1923 e faleceu nesta mesma cidade em 1991. Formado em Ciências Comerciais e Contabilidade, foi funcionário do antigo Departamento de Correios e Telégrafos, por onde se aposentou. Pertencia à Academia Juizforana de Letras, cadeira número 07 (Patrono Oscar da Gama) e à União Brasileira de Trovadores, seção de Juiz de Fora, sendo seu Presidente de Honra.

Publicou, em parceria com outros três poetas, o livro "Quatro Caminhos".  Foi inúmeras vezes premiado em concursos nacionais e internacionais de poesias e trovas.

Fonte Principal:
UBT-Porto Alegre/RS. Arlindo Tadeu Hagen e Célio Grunewald. 
Coleção Terra e Céu vol. LII. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2017.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Trovas de Portugal


Quem na vida o bem pratica
dos outros faz a dif’rença…
Sua alma mais nobre fica
e Deus dá-lhe a recompensa!
Álvaro Manuel Viegas Cavaco
Faro

Olhando as folhas caídas
que o vento arrasta no chão,
fico a pensar nessas vidas
a que ninguém deu a mão.
Ana Rolão Preto
Soalheira

À guerra não ligues meia,
porque alguns grandes da terra,
vendo a guerra em terra alheia,
não querem que acabe a guerra.
Antonio Aleixo
Vila Real de Santo Antonio

Vivemos um tempo duro
em que nada nos convence,
não me indaguem do Futuro,
que o Futuro a Deus pertence.
António José Barradas Barroso
Parede

Aos olhos da minha fronte
vinde os cântaros encher:
Não há, assim, segunda fonte
com duas bicas a correr!
Antonio Pereira Nobre
Porto

Teus olhos, contas escuras,
são duas Ave-Marias
do rosário de amarguras
que eu rezo todos os dias!
Augusto Gil
Lordelo de Ouro

Deus, escuta minha prece,
não me deixes ser assim,
se a tentação acontece,
tem piedade de mim.
Catarina Blasques de Oliveira Barroso
Parede

A Piedade divina
é joia que Deus lá tem
para a dar, adamantina,
a quem na Terra fez bem!
Clarisse Barata Sanches
Góis

Neste mundo em convulsão
dia a dia a denegrir
temo com apreensão
o que será o porvir…
Deodato Pires
Olhão

Um moinho de ilusão
no meu peito se contém,
pois não vivo só de pão,
vivo de sonhos também.
Dimas Lopes de Almeida
Vila Nova de Gaia

Perguntei ao coração
o que o fazia viver:
"Sonhos!... que só morrerão
quando deixar de bater".
Domingos Freire Cardoso
Ilhavo

Coração, não tenhas pressa...
Bate mais devagarinho...
Quem muito corre, tropeça
ou pode errar o caminho.
Eduardo Borges da Cruz
Lisboa

Andar por ínvios caminhos
buscando a Felicidade,
é como colher espinhos
na Rosa da Eternidade.
Elisabete do Amaral
Mangualde

A vida é tão amorosa!...
E tanta verdade encerra:
Dá-nos o espinho... E a rosa,
para perfumar a Terra.
Emilia Peñalba de Almeida Esteves
Porto

Pecador arrependido,
que o seja, mas de verdade,
terá sempre garantido
do bom Deus a piedade!
Fernando Máximo
Avis

As sementes da mentira,
e da calúnia também,
giram num mundo que gira
na lama que o mundo tem.
Ferrer Lopes
Queluz

O porvir já vem traçado
nas linhas da nossa mão,
mas poderá ser moldado
se tivermos ambição.
Gabriel de Sousa
Lisboa

A verdade cheira a rosa
no jardim da liberdade,
mas a mentira piedosa
é uma santa verdade!
Glória Marreiros
Portimão

Busco o dom da piedade
numa alma de eleição;
vivendo a fraternidade
torno o mundo mais irmão!
Isaura R. Martins
São João da Boavista

Ó Terra que eu amo tanto,
oásis nos universos,
és poema, és encanto,
és a musa dos meus versos.
Izidoro Viegas Cavaco
Faro
Numa trova, canto a fama
da História de Portugal,
que guarda um Vasco da Gama
e um Pedro Álvares Cabral.
João Pereira da Silva
Porto

Quando se ouvem os canhões,
no raiar de cada aurora,
numa terra, em convulsões,
há um poeta que chora.
João Tiago Blasques de Oliveira Barroso
Parede

Quem sofreu de amor espera
piedade vinda do céu
que não volte essa quimera
que tanto desgosto deu.
José Faustino
Lisboa

Usa sempre a piedade
com quem se perdeu de "amor".
Qualquer sinal de Amizade,
pra Deus tem muito valor!
Judite Raquel Neves Fernandes
Góis

Noite calma, noite triste,
noite em que o sono não vem;
noite negra, nada existe,
porque é noite de ninguém...
Manuel José Lamas
Remoães

O Futuro e o destino
ninguém o sabe prever,
neste mundo peregrino
onde se aprende a viver.
Maria Aliete Cavaco Penha
Faro

A beleza mais secreta
só o Poeta a descobre,
e quando morre um Poeta
o mundo fica mais pobre!
Maria Amélia Pinto de Carvalho e Almeida
Travanca dos Lagos

Piedade é sentimento
que trago no meu sentido.
Alivia o sofrimento...
E conforta o deprimido.
Maria José Fraqueza
Fuzeta/Algarves

Quero viver o Futuro
com amor no coração,
num mundo bem mais seguro
de Vida, Paz e União!
Maria de Lourdes Graça Cabrita
Olhão

Não me dou por piedade,
nem faço qualquer favor,
a maior felicidade
é tudo dar, por amor.
Olívia Alvarez Miguez Barroso
Parede

Desejamos às crianças
um Futuro promissor!
Concretizando esperanças
plenas de Paz e Amor!
Teresa Rio
Olhão

A seca traz muita fome
enche todos de tristeza,
para gente que mal come
o porvir é uma incerteza.
Victor Manuel Capela Batista
Barreiro

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Paulo Roberto de Oliveira Caruso

1
A chave ao meu coração
só tu tens; não tenho medo.
Temos tão rica união
que eu nunca mudo o segredo!
2
As partidas de xadrez
têm decerto a sua essência.
Jogador tem sua vez;
é preciso paciência!
3
Certa vez ouvi um papo.
Um machista disse: “Eureca!
Homem não engole sapo...
Ele come perereca!”
4
Dando-se as mãos a cidade
com zeladora vigília
mostra solidariedade
virando grande família.
5
Deus construiu este mundo
com suor do seu trabalho.
Seu esforço foi profundo.
Assim nos nasceu o orvalho!
6
Fogueira em festa junina...
Eu me queimei um bocado!
Na quadrilha eu vi menina
e saí de lá casado!
7
Foto de bonita dama
atraiu Seu Juvenal.
Viu ser dum homem a trama
no tal mundo virtual!
8
Horas por dia eu passei
no tal mundo virtual,
até que um dia paguei
uma conta bem real!
9
João golpes praticou
no tal mundo virtual,
até que um dia encarou
um xilindró bem real!
10
Lendo sobre camisinha,
Joaquim logo gargalhou.
Em peça pequenininha
de agasalho ele pensou!
11
Menina virou rapaz
e rapaz virou menina...
Hoje muito isso se faz
não só em festa junina...
12
Meu coração suburbano
tu conheces muito bem!
Tem muito do amor humano
que preenche o teu também!
13
No ano de mil e quinhentos,
dia vinte e dois de abril,
Portugal, com ricos ventos,
arrecadou o Brasil.
14
Nosso amor é o sagrado.
O que revela união.
Ele sabe ser gerado
com paixão e compaixão.
15
O poeta Zé Mitôca
é mesmo "o cara" de Ocara!
Versos mil de sua boca
tornaram-se joia rara!
16
O político safado
faz o povo de capacho.
Da panela do coitado
raspa até o fim do tacho!
17
O silêncio é uma virtude,
disso todo mundo sabe.
Cala-te, não sendo rude,
quando falar não te cabe.
18
Para ser lugar perfeito
nossa querida cidade,
requer sempre um bom prefeito
praticando a honestidade.
19
Perguntou Seu Dorival
“o que é que a baiana tem?”
Não somente em carnaval,
rebola como ninguém!
20
Que dolorosa ironia:
a terra muito pisamos,
mas a morte chega um dia...
E sob a terra ficamos!
21
Quem diria? A sementinha
pela mamãe recebida
gera uma pessoazinha
regada a leite e querida!
22
Se mantemos o decoro,
o “eu” se doa pelo “nós”,
assim nasce o melhor coro,
parecendo uma só voz.
23
Se pregarmos a bondade,
o sagrado nós veremos:
em vez de fria cidade,
grande família teremos!




24
Teus olhos da cor da terra
são meu solo, são meu chão.
É neles dois que se encerra
minha antiga solidão!
25
Toda saudade, de fato,
traz o início dum sofrer.
Sabemos que ela num ato
vem do fim de um conviver.
26
Um enfermeiro embriagado
susto deu-me a injeção.
Meu braço foi preparado
com bafo, sem algodão.
27
Um soneto ia eu tentar,
mas a preguiça chegou.
Antes de os olhos pregar,
esta trova me sobrou.

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...