domingo, 3 de fevereiro de 2019

Cidoca da Silva Velho (1920 - 2015)


1
A aurora – incêndio de rosas –
noiva astral de um belo dia,
faz das nuvens vagarosas
sua corte em romaria.
2
A mulher nunca se cansa,
sonda o arcano mais profundo...
A mão que um berço balança
é a mão que governa o mundo.
3
Ao ouvir a serenata,
em devaneios tristonhos,
vem a saudade e desata
dentro de mim velhos sonhos!
4
Ao pranto e ao riso se alinha
a chuva de vez em quando.
Cai chorando e faz festinha
nos beirais, tamborilando.
5
A seresta enluarada,
velhos tempos despertando,
faz da saudade uma estrada
por onde sigo cantando…
6
A trova, tão minha amiga,
eu levo para onde for;
e vou, com minha cantiga,
disfarçando a minha dor.
7
Batalho, mas mil fracassos
me abatem sempre ao rever-te.
Como encontrar em teus braços
coragem para esquecer-te?
8
Cada minuto que passa,
encurtando a nossa vida,
nos leva ao porto que traça
nossa grande despedida.
9
Cai a noite, escura e fria
e a Fé, que sempre nos fala,
nos aponta um novo dia
e os nossos sonhos embala.
10
Das emoções que eu revejo,
uma em pranto se reveste:
a que ficou no desejo
do beijo que não me deste.
11
Do nosso amor fracassado,
às lembranças eu me enlaço,
embalando o meu passado
na ternura de um abraço.
12
Dos meus sonhos, na distância,
o meu veleiro veloz
navega ainda na infância,
numa casquinha de noz.
13
Em vigília, em noite calma,
a espera nunca me anseia:
na janela de minha alma
mantenho acesa a candeia.
14
Fogo sagrado que aviva,
todo amor em doação
é uma lâmpada votiva
no templo do coração.
15
Foi tudo inútil, suponho!
Brigamos nem sei por quê...
Marco encontro com o sonho
e quem encontro? – Você!
16
Folhas mortas, no abandono,
numa tarde esmaecida,
vêm lembrar o triste outono
dos sonhos de minha vida.
17
Folhas secas vão rolando.
O ocaso é um palco tristonho
que aos poucos vai se fechando
sobre as cinzas do meu sonho!
18
Há estrelas por toda parte:
no céu, na terra, no mar...
E descubro, ao contemplar-te,
mais duas no teu olhar.
19
Hoje esqueço as ampulhetas
do tempo, nos torvelinhos...
Quero a paz das violetas
que se ocultam nos caminhos.
20
Horas mortas! Plena noite!
Entre o sonho e a realidade,
a tua ausência é um açoite
no vendaval da saudade!
21
Mais vale a luz da quimera,
que ilumina uma esperança,
que os sonhos mortos da espera,
na penumbra da lembrança.
22
Mãos de mãe, envelhecidas
pelo labor que enobrece,
são como conchas unidas
pelo labor de uma prece.
23
Mar revolto, se agitando,
lembra a vida em seu passar...
Sou veleiro flutuando,
me equilibrando no mar.
24
Mesmo em contraste na vida,
na dor, a fé nos irmana.
A luz do sol tem guarida
no palácio ou na choupana.
25
Meu filho, quando eu te enlaço
nos meus braços, que ventura!
Sempre és pequeno e eu me faço
teu abrigo de ternura.
26
Não diga adeus! Vai seguindo...
Nesta ilusão que me embala,
deixe a saudade dormindo,
é cedo para acordá-la!
27
Não faças da lealdade
sentimento assim a esmo...
Como início de verdade,
sê leal contigo mesmo.
28
Neste bailado das horas,
no longo espaço da espera,
pergunto: Por que demoras,
se é tão curta a primavera?
29
Neste silêncio das horas
dentro da noite tranquila,
minha alma é o resto de auroras
que pela noite desfila.
30
No berço meu filho dorme,
entre nuvens de cetim;
e numa ternura enorme
sinto o céu bem junto a mim.
31
No deslize descuidado,
ainda que reste o amor,
reflete o cristal trincado,
que perdeu o seu valor!
32
No meio termo acharemos
a virtude, a temperança...
Porque jamais nos extremos
fica o fiel da balança!
33
Nosso encontro... A convivência...
E do amor a descoberta
foi a mais linda sequência
que esta saudade desperta.
34
Num mar em trevas, sem lua,
pedindo aos astros clemência,
minha saudade flutua
abraçada à tua ausência.
35
Os meus sonhos... Não me iludo,
são castelos já sem portas,
mostrando a saudade em tudo,
abrigo das horas mortas.
36
O tempo é lento na espera,
longo, se uma dor persiste,
é breve numa quimera...
para quem ama, inexiste!
37
Para enfeitar seu declínio,
o sol – andarilho louro –
faz do crepúsculo escrínio
onde guarda nuvens de ouro.
38
Quando de mim te aproximas,
com semblante sonhador,
minha alma flutua em rimas,
compondo versos de amor.
39
Que as flores da liberdade
se alteiem pelo caminho,
para ocultar a maldade
do marco de um pelourinho.
40
Se na estrada percorrida,
sangrei os pés, a chorar,
que importa? O encanto da vida
não é viver, é sonhar.
41
Sorri sempre, pois que a vida
é um espelho, e onde estiveres,
vai refletir, na medida,
a cara que tu fizeres.
42
Toda essa felicidade
que procuras por aí,
encontrarás na verdade,
dentro, bem dentro de ti.
43
Toda mãe é para o filho
como a luz que se propaga:
só se avalia o seu brilho
quando a luz, por fim, se apaga!
44
Trago sempre a alma em festa,
que importa se a noite é fria...
faço da trova seresta
embalando a fantasia!
45
Tu mentes e eu te proponho
que continues mentindo,
pois alimentas meu sonho
e eu finjo que estou dormindo...
46
Tu vives no teu mirante;
e eu, na saudade, em açoite,
quero ser, mesmo distante,
uma estrela em tua noite.
47
Uma velhice bem-vinda,
de virtudes enfeitada,
lembra a tarde calma e linda
com fulgores de alvorada!
48
Vencendo o fragor da lida,
à tarde, em que a luz desmaia,
sou como a areia batida,
que se faz duna na praia.
________________
Cidoca da Silva Velho (1920 – 2015)

Maria Campos da Silva Velho, a Cidoca da Silva Velho, nasceu em São Luiz do Paraitinga (SP) em 15 de agosto de 1920, filha de Joaquim Pereira de Campos e Maria Theodora Pereira de Campos, de descendência portuguesa, era sobrinha/neta de duas baronesas e prima do Barão de Paraitinga. Foi Funcionária Pública (Escriturária) da Fazenda do Estado de São Paulo. Era viúva de Renê da Silva Velho (coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo, advogado, poeta, escritor, professor de Inglês e Francês), com quem teve dois filhos – Marcelo Campos da Silva Velho (Engenheiro) e Maurício Campos da Silva Velho (Juiz de Direito). Escritora bastante ativa, Cidoca conquistou diversos prêmios literários, bem como pertenceu a entidades literárias: Academia Pindamonhangabense de Letras, Academia de Letras de Campos do Jordão e União Brasileira de Trovadores – Seção Santos. Faleceu em 07 de maio de 2015, aos 94 anos, em Jundiaí/SP, sendo sepultada no Cemitério Nossa Senhora do Desterro, no centro da cidade.

Produção literária:
Esteira de Luz - Poesia: 
Cantigas do Entardecer - Trovas, 
Martins Fontes, sua vida e obra em versos e prosa
Entardecer – Poesia. 
O Águia de Haia.

Fonte:
União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre - RS. 
Trovas de Pedro Melo e Cidoca da Silva Velho. 
Coleção Terra e Céu vol. XCVII. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2016.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Célio Grunewald (1923 - 1991)


1
A chuva fina não passa!
Quase a medo o sol reluz,
e, nesse instante, a vidraça
chora lágrimas de luz!…
2
À criança eu rendo um culto
que eu não rendo a mais ninguém
pois ela transforma o adulto
numa criança também.
3
A criança quando chora
até no pranto seduz!
É como se a própria aurora
chorasse gotas de luz!...
4
A estrada é longa, é comprida,
é tortuosa demais.
E eu vou dirigindo a vida
sem olhar para os sinais!
5
Ai de quem foge, no mundo,
dos caminhos da verdade
que a fuga dura um segundo
e o remorso... a eternidade.
6
A mulher que eu desejava,
meu sonho de perfeição,
tinha tudo que eu sonhava.
Só não tinha coração!...
7
Anoitece... A Terra dorme.
Há sombras em quase tudo
e uma lua branca enorme
brinca num céu de veludo!
8
Apesar de sempre alerta,
o carapina Marcelo,
quando o dedo, acaso, acerta,
muda o nome do martelo!
9
Caim, irado, inclemente,
no seu despeito profundo,
foi a primeira semente
de toda a inveja do mundo.
10
Choveu... fez sol e, em resposta,
surge um arco de beleza:
festa de luz decomposta
nos prismas da natureza!
11
Comprido, fino, dengoso,
o rio é um traço de prata
que alinhava, preguiçoso,
a saia verde da mata!
12
Com seu açoite, o destino
fustiga os corcéis da aurora
e num carro purpurino
arranca o sol para fora!
13
Desde os tempos de menino,
apesar das restrições,
na cartilha do destino,
vou soletrando ilusões!
14
Dona Benta, a minha sogra,
a mim nunca convenceu:
se foi benta, não me logra,
- o diabo é quem benzeu!
15
Eu venho sempre tentando
ser feliz e não consigo.
O destino anda brincando
de cabra-cega comigo.
16
É verão... no dia enorme
de ar parado e de mormaço,
parece que a mata dorme
e o sol cochila no espaço!
17
Jangada... filhos com fome
e Maria a me esperar.
Senhor Deus, em Vosso nome,
eu lanço as redes no mar.
18
Meu afilhado e sobrinho,
um capeta sempre foi.
Ao dizer: - Bênção, padrinho,
respondo: - Deus te perdoe!...
19
Meu coração tinha fama
de ter um sopro qualquer,
fiz eletrocardiograma
e meu mal era mulher…
20
Minha sogra é macumbeira.
Fez feitiço e acendeu vela.
Me “benzeu” de tal maneira,
que eu casei co’a filha dela!
21
Minha sogra idolatrada
é uma uva, anjo moreno,
mas daria, se esmagada,
em vez de vinho... veneno!...
22
Meu violão, tuas cordas,
dispensam qualquer compasso
se as minhas mágoas acordas
nas serenatas que faço.
23
Minha vida amarga e tosca
parece a aranha que passa
e tenta pegar a mosca
do outro lado da vidraça.
24
Na alvorada loira e mansa,
o sol, em doirado afago,
espanta a lua que dança
na superfície do lago!
25
Na clave do sol crescente,
nas asas da melodia,
a semibreve é semente
que produz a sinfonia.
26
Na eternidade indolente
multiplicam-se as auroras
e o “segundo” é uma semente
na dança eterna das horas.
27
Não chores se na existência
calejaste os ombros nus:
muitas vezes a consciência
pesa mais que qualquer cruz!
28
Não julgues nunca a pobreza,
nem desmereças ninguém
que a porcelana chinesa
saiu do barro também.
29
Não julgues teu inimigo,
não julgues, enfim, ninguém.
Quem julga corre o perigo
de ser julgado também!
30
Nesta casinha modesta
que é coberta de sapê,
imagine só que festa
eu faria com você!...
31
Nos idos da mocidade,
talvez dos sonhos desperto,
rimei amor com saudade
e juro que estava certo!..
32
Num prenúncio de Evangelho,
tu pões, no olhar feiticeiro,
ternura de preto velho
em macumba de terreiro.
33
Os poetas foram criados,
por capricho do Senhor
com seus destinos traçados
por algum lápis de cor!...
34
O tempo, força estupenda,
sempre em cada alvorecer,
abre as páginas da Agenda
para o Destino escrever!...
35
Por mais que a vida nos traia,
multiplique os nossos ais,
nós somos da mesma laia:
dois orgulhosos iguais!
36
Por muito, muito que valha,
nossa vida é, na verdade,
nada mais do que migalha
na mesa da eternidade.
37
Por ter ciúmes da Rita,
em seu lar, temendo um "cacho",
Zé não deixa entrar visita
e nem mamão (quando é macho).
38
Por ver-te com olhos cúpidos,
por querer-te, por amar-te,
na procissão dos estúpidos,
eu fui o porta-estandarte.
39
Quando a tristeza se acalma
e me permite sonhar,
eu abro as vidraças da alma
e deixo a saudade entrar!
40
Quando está junto da cria
que procura agasalhar,
até a fera mais bravia
Possui ternura no olhar!
41
Quanta ternura brotava
daqueles olhos divinos
quando Jesus exclamava:
-Vinde a mim os pequeninos!
42
Que importa se em teu caminho
haja presença da dor?
No ramo, também, o espinho
nasce primeiro que a flor!
43
Regenerei-me, mãezinha,
como você sempre quis.
E a doce mentira minha
fez mamãe morrer feliz.
44
Sabem os sábios profundos,
sabem os crentes e ateus,
que a dissonância dos mundos
tem a regência de Deus!
45
Se rosa branca é pureza
e a pureza é doce e franca,
na terra, tenho certeza,
minha mãe foi rosa branca.
46
Só duas vezes a Estela
traiu o pobre do João:
- uma vez com o sentinela,
outra vez, com o batalhão!...
47
Sol e chuva e, em resplendores,
fez a luz, com seus arranjos,
tobogã de sete cores
para o folguedo dos anjos.
48
Somente o vaqueiro triste
entende de uma só vez
a nostalgia que existe
no mugir de cada rês.
49
Tecendo nuvens de prata,
Dona Lua, tecelã,
para ouvir-me em serenata
ficou até de manhã!
50
Telegrafista do espaço,
o vaga lume reluz
e escreve com ponto e traço
suas mensagens de luz!
51
Teu beijo de despedida
carregou dentro do adeus
os sonhos da minha vida
e a vida dos sonhos meus!
52
Teus olhos, contas divinas,
por falsos, minha alma os teme.
São iguais às turmalinas
no caminho de Pais Leme!
53
Teu sorriso me bastava,
muito embora hoje me baste,
a ternura que faltava
no beijo que me negaste!
54
Todos os picos da serra,
dos Andes aos Pirineus,
são dedos grandes da Terra
mostrando a casa de Deus.
55
Tua ternura é carinho
que não diz nada e diz tudo
pois é tecida de arminho
num coração de veludo!
56
Vai o sol, pintando agora,
na ternura que seduz,
os lábios rubros da aurora
com pinceladas de luz!
57
Veleiro de vela panda,
perdeste o rumo e, a bailar,
vais brincando de ciranda
nas águas verdes do mar.
58
Vi minha sogra, pelada,
saindo do quarto escuro.
Sonambulismo que nada...
Sem vergonhice no duro!…
59
Voltaste enfim e eu confesso
que já prevejo, querida,
na alegria do regresso,
novo adeus de despedida.
___________________________________________________

Célio Belmiro Grunewald nasceu em Juiz de Fora em 1923 e faleceu nesta mesma cidade em 1991. Formado em Ciências Comerciais e Contabilidade, foi funcionário do antigo Departamento de Correios e Telégrafos, por onde se aposentou. Pertencia à Academia Juizforana de Letras, cadeira número 07 (Patrono Oscar da Gama) e à União Brasileira de Trovadores, seção de Juiz de Fora, sendo seu Presidente de Honra.

Publicou, em parceria com outros três poetas, o livro "Quatro Caminhos".  Foi inúmeras vezes premiado em concursos nacionais e internacionais de poesias e trovas.

Fonte Principal:
UBT-Porto Alegre/RS. Arlindo Tadeu Hagen e Célio Grunewald. 
Coleção Terra e Céu vol. LII. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2017.

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...