quinta-feira, 4 de abril de 2019

Rodolpho Abbud (1926 - 2013)


A batida no portão
é o sinal convencionado
para avisar que o patrão
vem chegando do outro lado!
**
A doença comentada
correu mundo, ganhou fama,
pois na pensão “afamada”
ela só vive de cama!…
**
À noite, ao passar das horas,
esqueço os dias tristonhos,
pois tuas longas demoras
dão-me folga para os sonhos!
* *
Ao hospício conduziu
a mulher para internar…
Feito o exame, ela saiu,
e ele teve que ficar!…
* *
Ao se banhar num riacho,
distraída, minha prima
lembrou da peça de baixo
quando tirava a de cima ….
* *
Aos Teus pés eu me ajoelho,
erguendo graças Senhor!
– Quem me dera ser espelho
para a Luz do Teu Amor!
**
Ao ver o frango fugindo
de um outro, num pega-pega,
diz a galinha: Que lindo!
– E o pato: “Tem mãe que é cega”!…
* *
Após batida no morro,
indaga o Zé, com malícia:
-A quem eu peço socorro,
ao ladrão ou a polícia?
* *
A saudade é tão travessa
que ninguém pode esquecê-la
e a cortina mais espessa
jamais consegue esquecê-la!
* *
Às vezes, num recomeço,
há tal vontade de amar,
que se paga qualquer preço
que a vida queira cobrar!…
* *
A vida é romance breve,
de mistério, onde, com arte,
sem saber, a gente escreve
somente a primeira parte!…
* *
Cama nova, ele sem pressa
ante a noivinha assustada,
quer examinar a peça
julgando já ser usada!…
* *
Chegaste a sorrir, brejeira,
depois da tarde sem fim…
E, nunca uma noite inteira
foi tão curta para mim!…
* *
Compensando o meu desgosto
por longos dias tristonhos,
à noite eu vejo teu rosto
no espelho azul dos meus sonhos.
* *
Computador… celular…
tudo a ela é oferecido…
– Só lhe falta programar
um robô para marido!…
* *
Dando um susto na mulher,
chega em casa bem cedinho…
– Nem imagina sequer
o susto de seu vizinho!
* *
Dê carona ao seu vizinho!”
E a Zezé, colaborando,
vai seguindo o meu caminho
e me dá de vez em quando!…
* *
Deixando os homens aflitos,
a mulher, por timidez,
faz mistérios infinitos,
quando responde talvez!…
* *
Dela não quero mais nada…
– Tranquei a porta e o portão…
– E a saudade, mais ousada,
alojou-se em meu porão!…
* *
Depois que tudo termina,
na indiferença ou na dor,
nenhum farol ilumina
o naufrágio de um amor…
* *
Diz, em segredo, na venda: 
“O meu marido acabou!…”
– E houve uma briga tremenda:
a vizinha concordou!…
* *
D. João VI cria a antiga
Vila do Morro Queimado!…
– E a Nova Friburgo liga
seu presente ao seu passado!..
* *
Do energético sapeca,
tirou a prova e deu fé…
– Com dois pingos na careca,
ficou de cabelo em pé!…
* *
Ei, garçom, veja o meu prato!
Tem dois cabelos na beira…
– Por um P.F. barato,
quer ver toda a cabeleira?
* *
Ela é mulher de vanguarda,
motorista de primeira
que ouvindo o apito do guarda,
já vai mostrando a carteira!
* *
Ele pede economia
e ela encontra seu caminho, 
poupando sua energia
com o “gato” do vizinho!
* *
Embora livre, sozinho,
não conheço liberdade…
– Fui presa do teu carinho,
hoje estou preso à saudade!…
* *
Em nosso encontro, em segredo,
a vida nos foi covarde:
– Fui eu que cheguei mais cedo,
ou você que chegou tarde?…
* *
Em problemas envolvida,
por um beco se meteu,
que não tinha nem saída,
e, mesmo assim, se perdeu! …
* *
Em seus comícios, nas praças,
o casal cria alvoroços:
– Vai ele inflamando as massas!
– Vai ela inflamando os moços…
* *
É noite… a porteira range
no rancho, à beira da estrada
e o luar, saudoso, tange
os clarões da madrugada!
* *
Enquanto um velho comenta
sobre a vida: -”Ah! Se eu soubesse…”
um outro vem e acrescenta
já descrente: -”Ah! Se eu pudesse…”
* *
Eu finjo que estou contente…
Ela finge que está triste…
– No canto do amor, a gente
desafina… mas resiste!…
* *
Eu tenho pressa, é verdade,
pois este amor me arrebata…
E se eu não mato a saudade,
a saudade é que me mata!
* *
Foste embora… e, amargurado,
sufoquei minha revolta
tentando a volta ao passado,
mas o passado não volta!…
* *
Mesmo nos dias tristonhos
que a vida insiste em nos dar,
liberdade é perder sonhos,
sem desistir de sonhar!
* *
Minha dor foi mais intensa,
ao ver, no adeus, na incerteza:
eu, fingindo indiferença…
você, fingindo tristeza!…
* *
Minha magoa e desencanto
foi ver, no adeus, indeciso:
– Eu disfarçando o meu pranto…
– Tu disfarçando um sorriso…
* *
Muitas vezes nesta vida,
a origem de muita zanga
é uma mulher bem vestida
deixando os homens “de tanga”…
* *
Na casa do faroleiro
esta ironia ferina:
Lá fora o imenso luzeiro…
– e dentro,uma lamparina.
* *
“Não conto mais com você!…”
– Diz a mulher, lá da sala.
“Se no verão não se vê,
no inverno, então, nem se fala !…”
* *
Não gastando o celular,
o “pão duro”, em seus intentos,
querendo economizar,
só liga o 0800…
* *
Não vens… na casa fechada,
a saudade, em horas mortas,
nunca espera na calçada:
– Se esgueira através das portas.
* *
Na pensão da “dona” Estela,
há curiosos pensionistas:
Tem um dentista “banguela”
e gordos nutricionistas !…
* *
Naquele hotel de terceira,
que a policia já fechou,
a Maria arrumadeira
muitas vezes se arrumou!
* *
Nas lojas sempre envolvido,
não tem crédito jamais…
– ou por ser desconhecido,
ou conhecido demais !…
* *
No hospício, foi grande o susto,
quando o Zé, no “elevador,”
procurava, a todo custo,
o botão do “baixa dor”!…
* *
No palco, o adeus indeciso …
e o cenário, um desencanto …
– Se era falso meu sorriso,
era mais falso teu pranto!…
* *
No “terreiro” ela, com pressa,
já querendo “se arrumar”
diz que o “santo” é mole à beça…
– Sobe muito devagar!…
* *
O amor deve ser lembrado
sem mágoas, sem dissabor.
Pondo algemas no passado,
não se prende um grande amor!
* *
Ouvindo tuas propostas,
com muito amor, de mãos juntas
eu, que fui buscar respostas,
voltei cheio de perguntas!…
* *
Passa a nudista na praia
e o guarda, apito na mão,
leva a mais sonora vaia,   
ao cobrir sua “infração”!
* *
Passa o tempo… e eu vivo aqui,
sozinho, em noites de tédio…
– E ainda dizem por aí
que o tempo é o melhor remédio!…
* *
Pelo “saudoso”, intrigada,
já suspendeu sua prece…
– É no quarto da empregada
que seu fantasma aparece!…
* *
Sem preconceitos escravos,
nesta vida, sem alardes,
tanto há prudência nos bravos
como ousadia em covardes!…
* *
Seu feitiço me seduz
e alcança tal dimensão,
que eu consigo ver a luz,
mesmo em plena escuridão!.
* *
Sob um arbusto na praça,
o casal fez seu retiro,
mas, quando a polícia passa,
não se ouve nem um suspiro!
* *
Soube o marido da Aurora,
ela não sabe por quem,
que o vizinho dorme fora,
quando ele dorme também…-”
* *
Tendo você ao meu lado,
tudo esqueço e sigo em frente…
– Que me importa seu passado,
se você faz meu presente?…
* *
Toda a receita anda pasma,
sem achar explicação…
– Tem funcionário fantasma
que recebe até serão!…
* *
Toda noite sai “na marra”,
Dizendo à mulher: -”Não Torra!”
Se na rua vai a farra,
em casa ela vai à forra!…
* *
Um Deputado ao rogar
ao Senhor, em suas preces,
pede que o verbo “caçar”
não se escreva com dois esses!…
* *
Um longo teste ela fez
de cantora, com requinte…
Cantou somente uma vez,
mas foi cantada umas vinte!…
* *
Vendo a viúva a chorar,
muito linda, em seu cantinho,
todos queriam levar
a “coroa” do vizinho…
* *
Velhote, “cabra da peste”
diz que, quando dá saudade,
toma o remédio, faz teste,
mas fica só na vontade!…
* *
Veja o mico que eu paguei:
na tentação, no desvio,
de uma garota escutei
a ducha fria: “Oi, titio”!…
* *
Vendo a viúva a chorar,
muito linda, em seu cantinho,
todos queriam levar
a “coroa” do vizinho…
* *
Você jura… e recomeça
nas ilusões que desfez…
– e a cada nova promessa
meu amor nasce outra vez!…

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Lilinha Fernandes (1891 - 1981)


A aurora corou de pejo
naquele claro arrebol,
sentindo na face o beijo
da boca rubra do Sol.

A cordilheira hoje à tarde,
de um verde claro e bonito,
era um colar de esmeraldas
no pescoço do infinito.

A definição exata
do remorso, está patente:
fino punhal que não mata
mas tira a vida da gente.

A Inveja dorme na rede
da Injustiça, sua amiga;
do Mal se alimenta, e a sede
mata na fonte da Intriga.

Amei e não fui amada...
Minha alma encheu-se de dor.
E fui tão desventurada
que não morri desse amor.

A modéstia não se ostenta,
se esconde e é pressentida:
a presunção se apresenta
e passa despercebida.

Ao amor fiel, que não minta,
a palavra injuriosa
é como um borrão de tinta
manchando tela famosa.

"A traição é a própria vida."
É a violeta que assim fala,
porque se esconde e é traída
pelo perfume que exala.

A um cego alguém perguntou
vendo-o só: - Que é de teu guia?
E ele sorrindo mostrou
a cruz que ao peito trazia.

Chorei na infância insofrida
para na roda ir cantar.
Hoje, na roda da vida,
eu canto pra não chorar.

Da morta felicidade
guarda a saudade dorida,
pois quem tem uma saudade
tem muita coisa na vida.

Da tua vida a viagem
se é triste o pintor imita,
 que da mais tosca paisagem
faz a tela mais bonita!

Desejei fogo atear
ao mundo por onde trilho,
vendo uma cega indagar
como era o rosto do filho.

Dizem que o amor é feitiço,
é mágoa, alegria e dor.
- Mas se amor não fosse isso,
que graça teria o amor?

Do nosso amor acabado
não pode esquecer a gente,
porque a saudade é o passado
que nunca sai do presente.

Do violão o segredo
de imitar os passarinhos,
é já ter sido arvoredo
e abrigo de muitos ninhos.

É assim a boca do mundo
que vigia nossas portas:
esconde nossos triunfos,
propala nossas derrotas.

És de beleza um portento,
no perfil, nas formas puras.
Mas beleza sem talento
é um palácio às escuras.

Esperança, és bandoleira,
mas és também sol doirado,
de luz a única esteira
na cela de um condenado.

Esses teus olhos rasgados,
muito azuis, muito leais,
são miosótis deitados
em vasos originais.

Eu canto quando a saudade
me fere com seu desdém.
O canto é a modalidade
mais bela que o pranto tem.

Eu comparo o arrependido
que o perdão vê numa cruz,
ao viandante perdido
que avista, ao longe uma luz.

Eu não bebia... te juro!
Beijei-te, então, podes crer:
foi teu beijo, vinho impuro,
que me ensinou a beber.

Feliz nunca fui! Sem crença,
procuro a felicidade,
como o cego de nascença
que quer ver a claridade.

Há muita gente cativa
neste mundo, como eu,
que vive porque está viva,
no entanto, nunca viveu.

Lua e Saudade - rendeiras
da dor que com a ausência vem,
se vós não sois brasileiras,
pátria não tendes também.

Mãe: nem um tálamo nobre
esquecerei, sem mentir,
aquele bercinho pobre
que embalavas pra eu dormir.

Mãe: por mais que um filho aprenda,
sempre esquece que sois vós
a única fonte de renda
que paga imposto por nós.

Manhã. O Sol é um botão
de fina prata dourada,
abotoando o roupão
todo azul da madrugada.

Meus filhos! ... Minha alegria!
Dentro da minha pobreza,
nunca pensei ter um dia
tão opulenta riqueza!

Minha casa pobre, é rica!
Mesmo no escuro tem brilhos;
porque o amor a santifica,
porque a iluminam meus filhos.

Minha netinha embalando,
da alegria sigo os passos.
Julgo-me o Inverno cantando
com a Primavera nos braços.

Morre o poeta. Em oração
se escutam vozes bizarras.
- Ã? a missa que as cigarras
celebram por seu irmão.

Não me odeias nem me queres...
Meu Deus! Que tortura imensa!
Mais do que o ódio, as mulheres
detestam a indiferença.

Não peço um prazer sequer
à vida que à dor se iguala.
Já faz muito se me der
coragem pra suportá-la.

Na velha igreja te ouço
sino alegre ... Estás dizendo
que há muito coração moço
em peito velho batendo.

No meu viver triste e escuro,
na minha sede de amar,
és aquele que eu procuro
e não me quer encontrar.

No trabalho em que me escudo,
lutando para viver,
tenho tempo para tudo,
menos para te esquecer.

Num beijo fez imortal
o nosso amor sem ressábios:
um romance original
escrito por quatro lábios.

Num voo de pomba mansa,
quisera ir ao céu saber
qual o crime da criança
que é condenada a nascer.

Nunca maldigas teu fado.
Confia em Deus, firmemente.
O arvoredo mais copado
já foi humilde semente.

O amor que brinca com a sorte,
que é sempre chama incendida,
é o que vai além da morte!
- Não há dois em toda a vida!

O mar que geme e palpita
no seu tormento profundo,
é uma lágrima infinita
que Deus chorou sobre o mundo.

O tempo passa voando ...
Mentira, posso jurar.
Se estou meu bem esperando,
como ele custa a passar!

O vento que atro zunia,
queria a noite açoitar;
e a noite, calma, dormia
no regaço do luar.

Para ingratos trabalhando,
de santo prazer me inundo,
pois, perdendo vou ganhando
a maior glória do mundo.

Para rimar com teu nome,
que é do céu a obra-prima,
mãe, não existe um vocábulo!
Nem mesmo Deus achou rima.

Partiste ... Ficou-me n'alma
tua voz suave e pura...
- Ave a cantar sobre a calma
da mais triste sepultura.

Pensei fazer um feitiço
para esquecer-te, mas vi
que de tanto pensar nisso
é que penso mais em ti.

Podem subir os felizes!
Agarro-me ao solo, em festa.
- Se não fossem as raízes,
que seria da floresta?

Pra que eu te esqueça, não tenhas
confiança em teu desdém:
quanto mais de mim desdenhas,
quanto mais te quero bem.

Pra quem é mãe não existe
bem de mais funda raiz,
que o de viver sempre triste,
mas ver seu filho feliz.

Procurar-te, eu? que loucura!
Olha, eu te vou confessar:
de mim mesma ando à procura
e não consigo me achar.

Quando tu passas na estrada,
dentro de casa adivinho:
é teu passo uma toada
musicando teu caminho.

Que bom quando todos deixam
na casa o silencio agir,
e os dedos do sono fecham
meus olhos, para eu dormir.

Que eu tive felicidade,
minha saudade vos diz,
pois só pode ter saudade
quem já foi multo feliz!

Quem é do dever escravo
e não faz coisas a esmo,
pode dizer que é um bravo
e o próprio rei de si mesmo.

"Que levas tu na mochila?"
Diz ao corcunda um peralta.
E o corcunda: - "A alma tranquila
e a educação que te falta."

Quem não tem ouro disperso,
nem prata velha na mão,
paga com o níquel do verso
as contas do coração.

Quem - seja nobre ou plebeu -
no Bem sua vida encerra,
sem estar dentro do céu,
está acima da terra.

Quem vive em casa ou nas ruas,
chagas alheias curando,
nem se apercebe que as suas
foram sozinhas fechando.

Que o mundo acabe, no fundo,
não me causa dissabor,
pois vivo fora do mundo,
no meu mundo de amor.

São meus ouvidos dois ninhos
onde guardo, ao meu sabor,
um bando de passarinhos!
- Tuas mentiras de amor.

Saudade é assim como fado
lembrando quem vive ausente:
é um suspiro do passado
na garganta do presente.

Sem ti, que treva cerrada
pelos caminhos que trilho!
Sou como a Lua apagada
que, sem o Sol, não tem brilho.

Se o bem não podes fazer,
o mal não faças também,
que o bem já faz sem saber,
quem não faz mal a ninguém.

Se ouvisse o homem da terra,
de Deus o conselho amigo,
em vez de campos de guerra
faria campos de trigo.

Se te vais, que dor imensa!
Mas s e vens, meu grande amor,
ante a tua indiferença
cresce mais a minha dor.

Sofres no céu, Mãe querida,
sentindo, ao ver minha sorte,
que me pudeste dar vida
e não me podes dar morte!

Sua cruz que eu sei pesada,
minha mãe leva sozinha.
Mesmo assim, velha e cansada,
me ajuda a levar a minha.

Tua ironia maldosa,
do amor não me, apaga o lume:
Procura esmagar a rosa,
vê se não fica o perfume.

Vejo teu rosto, formosa,
e o corpo - graça profana -
como se visse lima rosa
num jarro de porcelana.

Velho em trajes de rapaz
dá a impressão, diz o povo,
de um livro antigo demais
encadernado de novo.

Ventura, é coisa sabida,
seja muita ou seja escassa,
se não for interrompida
perde a metade da graça.

Vida e morte vão andando
no mesmo campo a lutar.
A primeira semeando,
para a segunda ceifar.

Fonte:
Luiz Otávio e J.G. de Araujo Jorge . 100 Trovas de Lilinha Fernandes. vol. 2.RJ: Ed. Vecchi, 1959. Coleção Trovadores Brasileiros

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...