segunda-feira, 4 de maio de 2020

Geraldo Pimenta de Moraes (1913 - ????)


As lágrimas que hoje choro
hão de secar, meu benzinho,
quando tiver o que imploro:
— O lenço do teu carinho...
- - - - - –

Da roupa e a cara pintada
faz a mulher seus "engodos"...
Mas... é sem roupa, sem nada,
que ela mais agrada a todos...
- - - - - –

Da vida em seu louco afã,
há quem carregue, com calma,
no rosto, a luz da manhã,
lendo a noite dentro da alma.
- - - - - –

De beijar-te não me tolhas…
— Que teus lábios, a rigor,
são duas primeiras folhas
de um doce livro de amor...
- - - - - –

Despedida — adeus dorido
que tanto nos mortifica...
— Sofrimento repartido
entre quem vai e quem fica.
- - - - - –

De você assim tão junto,
conversando os dois, a sós,
eu sinto, por nosso assunto,
quanta distância entre nós...
- - - - - –

Dor mais funda não existe,
mais acerba, mais pungente,
do que a gente viver triste,
com saudade até da gente.
- - - - - –

Esperança — bem que enleva
nossa vida, no presente...
— Um raio de luz na treva
do incerto amanhã da gente.
- - - - - –

É triste quando ela passa,
tão formosa e indiferente,
esbanjando a sua graça,
sem achar graça na gente!
- - - - - –

Existe uma opção na Terra,
em mentes sãs, há mil sóis:
- É melhor nunca haver guerra
do que ser "Berço de Heróis".
- - - - - –

Lágrimas de nós fluindo,
quando enfrentamos abrolhos,
são gotas de dor fugindo
de nossa alma, pelos olhos.
- - - - - –

Luz sublime, que fascina,
desprende-se, em doce brilho,
do olhar, que é força divina,
da mãe que acarinha um filho!
- - - - - –

Mulher bela, indiferente,
como a sorte fugaz:
 - Quanto mais foge da gente,
mais a gente corre atrás...
- - - - - –

Muita vez, fingindo calma,
na vida enfrentando escolhos,
a dor eu a escondo na alma,
de riso enfeitando os olhos.
- - - - - –

Na mãe que canta, embalando
um filhinho, até faz gosto
ver-se tanto amor brincando
na ternura de um só rosto!
- - - - - –

Na solidão, triste, assim,
minha dor é tão intensa,
que eu sinto fugir de mim
a minha própria presença...
- - - - - –

Neste mundo de percalço,
mentira existe tão linda
que se troca um amor falso
por amor mais falso ainda...
- - - - - –

Num velório, a vela acesa,
com chama embora aziaga,
não tem tamanha tristeza
como depois que se apaga.
- - - - - –

O alegre que ri de um triste
deve lembrar-se, no entanto,
no exíguo espaço que existe
entre o riso, a dor e o pranto.
- - - - - –

O Criador, na ânsia extrema
de tornar tudo mais lindo,
fez o Amor — esse poema,
que as almas cantam, sorrindo!
- - - - - –

O meu viver, na verdade,
chego a senti-lo risonho...
Que eu gozo a felicidade
onde ela existe — no sonho...
- - - - - –

Os meus olhos buliçosos,
fitando-te, assim risonhos,
são dois pássaros ansiosos,
buscando um ninho de sonhos...
- - - - - –

O tempo enfrento com gosto,
com paciência, amor e calma...
Se a velhice vem-me ao rosto,
não a deixo entrar-me na alma.
- - - - - –

Quando amor você murmura,
meu bem, me beijando assim,
a minha alma, com ternura,
ri feliz, dentro de mim!...
- - - - - –

Quanta angústia nos invade
na despedida inclemente,
quando a sombra da saudade
passa a ser sombra da gente.
- - - - - –

Quando comigo dançou,
tão embebido eu sonhava
que, quando a orquestra parou,
minha alma ainda dançava…
- - - - - –

Quando padeço um tormento,
da trova eu faço meu pranto.
E assim, ante o sofrimento,
em vez de chorar, eu canto.
- - - - - –

Quando passo por diversos
tormentos, buscando calma,
faço trovas, cujos versos
são retalhos de minha alma.
- - - - - –

Quanto Bem não nos seduz
por trazer contradição...
– Que valor teria a luz
não houvesse a escuridão?...
- - - - - –

Quem nunca sentiu saudade,
com sua angústia e negror,
jamais sentiu, na verdade,
em sua alma, a luz do amor.
- - - - - –

Saudade... rosa envolvente,
de inebriante fragrância,
perfumando a alma da gente,
da roseira da distância...
- - - - - –

Se no tempo eu me mergulho,
com minhas cãs tenho zelos,
chegando a sentir orgulho
da alvura dos meus cabelos.
- - - - - –

Se vendesses teu carinho,
teu carinho que é tão doce,
comprá-lo-ia, inteirinho,
por qualquer preço que fosse...
- - - - - –

Um clarão há que retalha
e enegrece os corações:
— É o que irrompe na batalha,
ao ribombar dos canhões.
_____________________________________

Geraldo Pimenta de Moraes, que eventualmente usava o pseudônimo Gerpimoré, nasceu na cidade de São Sebastião do Paraíso/MG, em 19 de setembro de 1913. Filho de Francisco Pimenta de Moraes e Antonieta Cosmina de Moraes. Vitorioso em diversos concursos de trovas e poesias. Além dos diplomas e medalhas que possui, conquistados em concursos de tremas e poesias — principalmente de trovas. Têm inúmeros trabalhos publicados em jornais e revistas, coletâneas, e através dos concursos já referidos. Pertenceu à Arcádia de Pouso Alegre e à União Brasileira de Trovadores. Militar inativo, capitão do Exército, onde prestou serviços durante 25 anos, conquistando, nesse tempo: Medalha de Bronze (10 anos de bons serviços); Medalha de Prata (20 anos de bons serviços); Medalha de Guerra e Medalha do Pacificador (por haver tomado parte na última Grande Guerra). Residia em São Paulo.
 
Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Anuário de Poetas do Brasil – Volume 4. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1979.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Divenei Boselli (1938 - 2020)


1
A cascata em que se espelha
resplandecente beleza,
é o rio que se ajoelha
ante o altar da natureza.
2
Ainda que outras despontem
neste teu céu de hoje em dia,
há de lembrar, sempre, que ontem
eu fui tua estrela guia...
3
A mais ostensiva prova
de fé que a morte produz
não é a cruz sobre a cova,
mas a crença nessa cruz.
4
Amanhece… De repente,
tomando o corpo da Terra,
o sol beija ardentemente
o rosto bruto da serra…
5
A vaga está garantida
para mim, porque, sabendo
que exigem folha corrida,
eu trouxe o jornal, correndo! 
6
Chego à porta, enxugo o pranto,
deixo a dor no chão que piso
e, como que por encanto,
mostro o encanto de um sorriso...
7
Chegou cedo o bom marido
e amanheceu sobre a mesa...
- De que teria morrido?
- Ora, “meu”... Foi de surpresa...
8
Choro junto à sepultura
de sonhos mortos repleta,
e a razão, mãos na cintura,
diz: – quem mandou ser Poeta?
9
Coração, pouso de estrada,
repara bem, coração,
que entre os que pedem pousada,
entra o teu próprio ladrão!
10
Da fartura prometida
de carícias e de beijos,
só resta a parca medida
que não mata meus desejos…
11
Descubro ao longo da vida
meus mais íntimos segredos,
quando, qual harpa tangida,
vibro ao toque dos teus dedos...
12
Disfarço a mágoa com jeito
de quem crê no recomeço
e o disfarce é tão perfeito
que nem eu me reconheço…
13
Enquanto eu choro e tu dormes
com teus sonhos traiçoeiros,
cabem distâncias enormes
no vão de dois travesseiros.
14
Essa idade que escondemos,
que, entre risos, desmentimos,
é sempre aquela que temos,
mas, nem sempre, a que sentimos.
15
Eu faço das fronhas, lenços,
nas longas noites sem sono
e os lençóis, braços imensos,
abraçam meu abandono.
16
“Eu tenho a idade mundo!,
grita a Mentira; e a Verdade,
em tom solene e profundo:
“Eu também tenho essa idade!”
17
Fundamentada promessa
de dignidade e descência,
a liberdade começa
no fundo da consciência.
18
Hoje, em que braços deliras,
em que outro ouvido murmuras
as verdadeiras mentiras
que me disseste por juras?...
19
Madame teve um desmaio
no quarto das empregadas,
ouvindo, do papagaio,
tremendas papagaiadas!
20
Meu olhar seco adivinha
e eu evito a despedida
porque as lágrimas que eu tinha
chorei quando eu tinha vida…
21
Meu papagaio sumiu...
E um vizinho, desonesto,
anda dizendo que o viu
no Cartório de Protesto!
22
Meu peito é campo minado
onde o amor, míssil incerto,
procura um tanque blindado
e encontra apenas deserto…
23
Na moldura carcomida
resiste o sorriso antigo,
mas o espelho mostra a vida
e o que a vida fez comigo...
24
Não regressas... Mesmo assim,
a ilusão que eu julguei morta,
morta de pena de mim,
monta guarda à minha porta.
25
No cálice, o teu adeus
transborda o fel pelas beiras
e eu padeço, feito um deus
no Jardim das Oliveiras.
26
No estreito espaço de um quarto,
muitos tiveram guarida,
mas... só contigo eu reparto
o espaço inteiro da vida!...
27
Nos beijos apaixonados
os desejos vão contendo
os versos inacabados
que a Vida vive fazendo.
28
Onde a lei torta vigora
E o povo ao jugo se presta,
O rico só comemora
E o pobre é quem paga a festa.
29
O que aumenta meu tormento
é lembrar que me sorrias
e, ao fazer teu juramento,
mentias bem… Mas, mentias!
30
Partes, levando a metade
da metade que eu já sou,
deixando inteira a saudade
na metade que restou...
31
Partiste e, neste abandono,
na luz que vem da vidraça,
afugentando meu sono,
vem a saudade... e me abraça!
32
Pedi que nenhum de nós 
terminasse só e triste;
eu pus minha alma na voz 
mas, mesmo assim, não me ouviste...
33
Por direito, a safra é minha,
mas, na colheita, um impasse:
por que essa erva daninha
que eu colho sem que a plantasse?
34
Por respeito e amor à Vida,
que todo o Amor se concentre
em toda Vida contida
no estreito espaço de um ventre!
35
Pranto, riacho de dor
que em mim se faz um açude,
lembrando os versos de amor
que eu quis compor, mas não pude…
36
Quero o abraço ardente, aceso
de alguém que derreta, enfim,
a neve que o teu desprezo
derramou dentro de mim...
37
Saudade, eterno martírio
que ocupa, agora, em meu peito,
os espaços que o delírio
ocupava em nosso leito!...
38
Semana santa em meu peito...
Nas trevas, sem compaixão,
as mágoas rondam meu leito
com jeito de procissão...
39
Sem saber, os violeiros,
cantando em dupla ou sozinhos,
cantam a dor dos pinheiros
que deram vida aos seus pinhos. 
40
Sentimos tanta alegria
quando estamos abraçados,
que, para nós, qualquer dia,
é "Dia dos Namorados"!
41
– Seu filho não tem vontade
de trabalhar pra ninguém!
Nega o pai: – Não é verdade.
Tem má vontade... Mas tem!
42
Soubesses medir o peso
que tem a palavra "Não",
saberias que o desprezo
é um convite à traição..
43
Teu corpo, assim, sinuoso,
cheira a convite suspeito;
- o rio mais caudaloso
tem mais mistérios no leito...
44
Teus olhos, luz que ilumina
o tatear dos teus dedos,
são dois faróis de neblina
devassando os meus segredos…
45
Toda a ilusão tem a sorte
da frágil franja alvacenta
da onda que, embora forte,
de espaço a espaço rebenta.
46
Tu, que ao partires, outrora,
não pensavas regressar,
regressas, e é tua, agora,
a hora e vez de chorar...
47
Uma lágrima, sequer,
eu vi no adeus...Nem depois.
Não faz mal...eu sou mulher,
posso chorar por nós dois!
48
Um dia eu parti, pensando
poder, um via, voltar;
sem pensar que 'um dia' é quando
o deus-destino marcar...
49
Vai trabalhar, vagabundo,
grita a mulher, feito gralha;
e ele rosna lá do fundo” :
– “Vagabundo não trabalha!”…
50
Voltas... E eu acho tão triste
a emoção de disfarçar,
que por mim, já que partiste,
nem precisavas voltar...

sábado, 4 de janeiro de 2020

Araceli Rodrigues Friedrich (1913 - 2016)


Abraça, menino, o estudo;
procura, encontra o saber:
– Que ele te sirva de escudo
na luta do bem viver.

A brisa leve me traz
um laivo de teu perfume;
mas esse fato é capaz
de acirrar o meu ciúme.

A chuva lenta que cai,
da nuvem que se desfaz,
a terra encharcando vai
e a seara se refaz.

A felicidade é um triz
que passa, assim, de repente
mas eu para ser feliz
empreendo uma luta ingente.

A goteira impertinente,
ao cair do meu telhado,
incomoda muita gente,
por deixar tudo molhado.

Amizade não se mede
pela distância, pois não!
Na verdade ela só pede,
morar no meu coração.

Ao compor a minha trova
terno desejo me invade,
querer dar-te minha prova
de uma sincera amizade.

Ao contemplar as estrelas
no firmamento de anil
não as encontro mais belas
que as do céu do meu Brasil.

Ao perceber o desprezo
estampado em teu olhar
meu coração, que está preso,
quero do peito arrancar.

Ao ver como é imponente
aquela árvore esguia
esqueço a humilde semente
que lhe deu a vida um dia.

Aquela grácil menina
que tanta beleza encerra,
possui origem divina:
– Foi Deus quem a pôs na terra.

Aquele que ama, perdoa,
eis uma grande lição,
veja quão doce é que soa;
– Sim, eu te perdoo, irmão!"

A saudade é sentimento,
amargoso como fel;
mas há sempre um bom momento,
em que é doce qual um mel.

Assim como é conhecida:
- Ser da instrução a mais pura,
Curitiba nesta lida,
é a "Capital da Cultura".

Às vezes, pensando eu fico
e este pensar me consome...
Como é que em país tão rico
existe quem passe fome?

Às vezes tenho vontade,
de voar pelo infinito:
- É quando sinto saudade
do teu rostinho bonito.

Atento e não mais duvido,
maior orgulho não há,
que ver meu nome incluído,
na UBT do Paraná!

A vida tenho levado,
em fazer umas poesias
que, mesmo com pé quebrado,
dão-me muitas alegrias.

Cismando eu te vi tão lindo,
rezando junto ao altar,
que tive desejo infindo
de correr pra te abraçar.

Coisas que faço e refaço
e, às vezes, digo, também,
não são causa de embaraço
mas a defesa de alguém.

Com a grande pretensão
de ser poeta algum dia
vivo de lápis na mão
tentando fazer poesia.

Com entonação discreta
e com letrinhas, só três,
assim inventou o poeta,
maior nome em português.

Deputado diz "fazido"?
Não me assusto, não senhor;
ele não deve ter tido
um sábio e bom professor.

É bem feliz quem na terra,
vive nas lides da paz,
esquivando-se da guerra,
é de amor tudo o que faz.

É mais difícil na vida,
você subir que descer,
mas não esqueça, querida,
a glória está no ascender.

Em lindas trovas singelas,
eu procurei me inspirar:
- Lendo-as tão simples e belas,
não consegui versejar,

Em vez da palavra guerra
que tanta desgraça traz
devia existir na terra
somente a palavra PAZ!

Enquanto orares não digas
simples palavras ao léu,
pois elas são inimigas
no caminho para o céu.

Eu busco a felicidade
por este mundo sem fim,
mas vejam quanta maldade
– Ela só foge de mim.

Eu gosto de ler quadrinhas,
as que eu fiz e as que não fiz,
pois mesmo as que não são minhas,
também me fazem feliz!

Eu juro! Digo a verdade,
não estou sendo revel...
falando: -"Felicidade"
sinto um gostinho de mel.

Eu perdi a liberdade,
de te adorar, ó querida,
no momento em que a saudade
acorrentou-me na vida.

Eu quero beijar, querida,
seus lábios cor de carmim,
para que, sempre na vida,
você só lembre de mim.

Hoje me punge a saudade
dos dias em Porto União:
ali deixei amizade...
sonho… ternura... ilusão...

Hoje, no romper da aurora,
fui meu relógio acertar;
prevendo ter, ó Senhora,
mais tempo pra Te adorar.

Menina, faça um versinho,
escrito com muita graça,
tendo no enredo o carinho
que muito feliz me faça.

O dia é pleno de sol
à noite a lua ilumina
e quando surge o arrebol
já penso em ti, ó menina!


Fonte:
Luiz Hélio Friedrich. Maurício Norberto Friedrich. Família Friedrich em Trovas. Curitiba/PR: Centro de Letras do Paraná, 2018.

Postagem por Aldhiyb Al' Abyad (Hyderabad/Índia) e José Feldman (Maringá/PR)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Luiz Hélio Friedrich


1
A chamada às urnas traz
sentimento passageiro
quem na vida é satanás
vira santo milagreiro.
2
A chuva que cai do céu
e não cai em demasia
é como se fosse um véu
protegendo a terra fria.
3
A chuva tranquila e lenta
Descia de gota em gota,
como se fosse água benta,
a benzer a terra rota.
4
A derrota pouco importa
neste mundo de maldade,
desistir é que é uma porta
à derrota de verdade.
5
A guerra é ironia forte
que tudo arrasa e destrói,
da vida conduz à morte
para criar um herói.
6
A honra é o melhor adorno
que um homem pode ostentar
e é fácil ver seu contorno
na origem pura de um lar.
7
A jangada foi pro mar
carregada de esperança
para quando ela voltar
venha cheia de abastança.
8
A lua no céu, em festa,
quando inspira o trovador,
nos engana, pois empresta,
do sol, a luz e o calor.
9
Alegres eram meus sonhos
tendo vinte anos de idade,
aos setenta são tristonhos
pois é triste a realidade.
10
Aliança de casamento,
cadeado da ilusão,
para uns é um tormento,
para outros é uma união.
11
Almas puras se consomem,
na incerta busca do bem,
pois encontram sempre o homem
tentando explorar alguém.
12
Amar é fazer de conta
que defeito é uma virtude;
minar o que a vida apronta,
sem desvendar este truque.
13
Ao criar a natureza,
Deus tirou do seu baú,
um assombro de beleza:
-"Cataratas do Iguaçú"!
14
A paixão é uma cachaça,
que envenena o coração;
mas, depois, o efeito passa,
sobram: dor, desilusão!
15
A rima dá ao poeta,
o seu poder mais loquaz,
de conseguir sua meta:
rimando, pregar a paz.
16
A saudade é flor colhida,
nas beiras dos meus caminhos,
se perfuma a minha vida,
também fere com espinhos.
17
A saudade é uma tristeza
que me alegra e me traz vida.
Sem ver-te, tenho certeza,
de ser amado, querida.
18
As leis de almas femininas
fogem, um pouco, à razão;
parecem que tem esquinas,
sem placas de direção.
19
A ser chamado trovista
prefiro ser trovador;
pois um é rima de artista
e o outro é rima de amor.
20
A seriema quando pia
dá sinal que vai chover,
se eu não te vir por um dia,
é sinal... que irei morrer…
21
À trova tenho um apreço
qual fora livro de bolso;
pequenino e de bom preço,
vale sempre o desembolso.
22
A verdade às vezes fere,
sem haver necessidade;
e a mentira nos confere
bem fugaz felicidade.
23
A vitória se conquista
também no trabalho ou lazer,
e então de guerras desista,
só lute, em paz… por prazer.
24
Brincava feliz menina
com a boneca na mão,
hoje, cresceu... triste sina...
brinca com meu coração.
25
Cai a chuva de mansinho
irrigando a plantação;
parece que, com carinho,
mitiga a sede do chão.
26
Camboriú, belo balneário,
águas verdes, maré mansa;
Até Deus vem do calvário,
chega aqui, e então descansa.
27
Cansado de tanta guerra
que mostra a televisão,
eu tenho a certeza que erra
quem diz ter o homem..."razão!”
28
Com muita felicidade
casou, o noivo, e de cara,
notou que a cara-metade
é uma metade bem cara.
29
Com o amor a gente aprende,
que há magia no viver,
quanto mais amor se rende,
mais amor, nos há de haver.
30
Com sete notas somente
tanta música se faz,
canção de um amor ardente,
hinos de guerra ou de paz.
31
Com singeleza e ternura,
o poeta escreve à mão
e no papel afigura,
o que dita o coração.
32
Curítibano adotivo,
vim aqui para estudar.
Apaixonado, aqui vivo;
fiz da cidade meu lar,
33
Curtos e precisos versos
com seu poder e valor
traduzem sonhos diversos
de saudade, ódio ou amor.
34
De Luiz Otávio há quem diga:
– Príncipe dos trovadores!
Digo, sem medo de briga:
– Príncipe?! É pouco, Senhores.
35
De lembranças em lembranças,
revivendo o meu fadário,
busco bem-aventuranças,
que amenizem meu calvário.
36
Dos amores que eu tive
só um merece menção,
é este que sobrevive,
a tantos anos de união.
37
É difícil ver que a guerra,
que um declara e outro é quem faz,
o mais triste lema encerra:
matar em nome da paz.
38
E, meu sogro, um sabichão,
apesar do pouco estudo;
da filha, pedi-lhe a mão...
... entregou-me, logo, tudo…


Fonte:
Luiz Hélio Friedrich. Maurício Norberto Friedrich. Família Friedrich em Trovas. Curitiba/PR: Centro de Letras do Paraná, 2018.

Postagem por Aldhiyb Al' Abyad (Hyderabad/Índia) e José Feldman (Maringá/PR)

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Argentina de Mello e Silva (1904 – 1996)



A criança encanta, enleva,
mas, com seu ar inocente
quando a gente crê que a leva
ela está levando a gente!

A mulher fala a verdade
(sem hesitação nem briga)
se lhe perguntam a idade,
não a sua… mas, da amiga!

A mulher tinha a mania
de achar coisas no abandono,
até que encontrou um dia
um apartamento sem dono.

À pintura antiga e eterna
hoje chamam de caduca.
Mas quem gosta da moderna
deve ser “lelé da cuca”.

“Aqui jaz na lousa fria
o José João da Espinhela”
(Foi ao encontro de Maria
e encontrou o marido dela).

Briga tanto o Zé Noronha
com a esposa – que o filhinho,
por vingança da cegonha
sai a cara do vizinho.

Casa a Maria do Céu…
e que grande trapalhada…
porque segurando o véu
segue toda a filharada!

Coleantes, envolventes,
há mulheres perigosas.
Mas, também, como as serpentes
nem todas são venenosas.

Com seu destino sofrido
nunca a mulher colabora:
chora por não ter marido
e quando tem… também chora!

Curitiba é uma risonha
cidade de muito brio,
porque o amigo da vergonha
é aqui chamado: Frio!

Diz a mulher ao marido
(velho, bem intencionado)
“daqui a meses, querido
vai nasceu teu enteado”.

Era Amélia. Ele quisera
ter mulher assim somente,
até saber que ela era
a Amélia de muita gente.

É triste lembrar (se é!)
e à nossa vaidade ataca:
que o homem foi chimpanzé
e a mulher já foi macaca…

Falam tanto mal de sogra,
muitas vezes sem razão;
pois no paraíso a cobra
não era sogra de Adão.

Hoje a moda, com jeitinho,
tapa apenas de relance.
Se despenca o tal trapinho?
“honi soit qui mal y pense”! *

Homem velho, ainda matreiro,
por qualquer mulher se engraça.
Mas é só cão perdigueiro:
corre atrás, não come a caça.

Mesmo que ele seja “um pão”
quando se torna marido,
ela tem indigestão:
como enjoa o pão dormido!

Moça moderna, a Clarisse,
com seu ar desinibido,
quanto mais cresce em burrice
mais encurta seu vestido.

“Não tem profundeza a trova”
disse alguém – profunda asneira!
Se há muita poesia nova
mais rasa do que peneira!

No enterro de seu Pessoa
há um aviso aos ignotos:
“ Favor não trazer coroa,
só ramos cheios de brotos”.

Nua, a Godiva, coitada!
Causou surpresa incomum;
ver hoje mulher pelada
não causa “suspense” algum.

O casamento é um remanso
início de um doce lar,
onde ele vai pra descanso
e ela pra trabalhar!

O homem pensa, sofisma,
cria problemas, dá murro.
O burro, calmo, nem cisma,
qual é, dos dois, o mais burro?

Paquerador o Andrada
na moto ele tanto ronda,
que até a Maria Quadrada
já está ficando redonda.

Qualquer dia Dona Lua
diz ao ianque que a aporrinha:
“ Fica, bicho, lá na tua
que eu também estou na minha”.

Quem tem mulher monumento
e vizinho por ali…
lembre o antigo testamento:
mate primeiro o Davi.

Se o julgamento ao alheio
se estampasse na fachada,
o mundo estaria cheio
de muita cara quebrada.

– Seu Delegado examine
o que da luta sobrou;
– Qual foi o móvel do crime?
– Isso o morto não falou.

Tanta pílula espalhada…
tanta gente sem-vergonha…
que uma lei foi promulgada
dando férias à cegonha.

Treze pontos, bem contados,
na esportiva, que alegria!
Mas, depois, mil afilhados,
quem deles me livraria?

Vai a Paris, por capricho,
e volta esnobando a dona:
“ Fui ao Louvre. Quanto bicho!
Mas não era “lisa a mona”.

_________________________
Nota:
* Honi soit qui mal y pense é uma expressão em francês que significa Envergonhe-se quem nisto vê malícia, muito usada em meios cultos. Também é o lema da Ordem da Jarreteira, comenda britânica criada pelo rei Eduardo III de Inglaterra, no tempo das Cruzadas. E um dos lemas do Reino Unido, estando estampado em sua bandeira.

Diz a lenda que, em 1347, durante um baile, a Condessa de Salisbury, amante do mesmo Eduardo III, perdeu a sua liga, azul. O Rei mais que depressa recolocou-a, sob o olhar e sorrisos (cúmplice) dos nobres. O Rei grita então (em francês, que era a língua oficial da corte inglesa) "Messieurs, honni soit qui mal y pense! Ceux qui rient en ce moment seront un jour très honorés d'en porter une semblable, car ce ruban sera mis en tel honneur que les railleurs eux-mêmes le rechercheront avec empressement." (Maldito seja quem pense mal disto! Os que riem nesta hora ficarão um dia honradíssimos por usar uma igual, porque esta liga será posta em tal destaque que mesmo os trocistas a procurarão com avidez).

No dia seguinte cria a ordem da Jarreteira, tendo como símbolo uma liga azul sobre fundo dourado, que ainda hoje é a mais prestigiosa ordem do Reino Unido, tendo somente 25 membros e cujo Grão Mestre é o monarca da Inglaterra. (wikipedia)

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Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...