quinta-feira, 14 de maio de 2020

Antônio Sales (Paracuru/CE, 1868 - 1940, Fortaleza/CE)

- A certa moça, na rua
bradei com sinceridade:
- Vossa Excelência é a Verdade!
- Por quê? - Porque está tão nua!
- - - - - –

- A fealdade é um direito;
por isso ninguém a acusa.
Mas ser feia desse jeito...
Perdão: a senhora abusa!
- - - - - –

A opinião severíssima
te condena sem razão:
tu serias fidelíssima
se fosses... mulher de Adão.
- - - - - –

— As cobras que tem no anel,
certo médico alopata,
são, de certo, cascavel:
onde ele põe a mão, mata!
- - - - - –

(A um juiz) 
- A tua venalidade
não tem, neste mundo, a gêmea,
foi uma felicidade
não teres nascido fêmea...
- - - - - –

- E difícil que aconteça
dor de cabeça ela ter:
pode a dor aparecer,   
mas não encontra cabeça...
- - - - - –

— Em certo escritor satírico,
de uma irreverência atroz,
nós achamos muito espírito...
quando não fala de nós.
- - - - - –

- Em tua genealogia
Fidalgo, vais longe... Até
que hás de chegar, algum dia,
ao Congo, Angola ou Guiné...
- - - - - –

Eu conheço um plumitivo*,
cheio de vaidade imensa,
que anda sempre pensativo
e apenas pensa que pensa.
- - - - - –

- "Não gosto de ouvir tolices!" -
exclamas, estomagado;
Para que não as ouvisses,
devias ficar calado.
- - - - - –

- Para que não te despraza**
ver gente má pela frente,
precisas primeiramente
não ter espelhos em casa...
- - - - - –

— Passa na estrada um camelo
e um corcunda palpitante
de alegria, disse ao vê-lo:
- "Mas que animal elegante!"
- - - - - –

- Vi um médico fardado...
Que perfeito matador:
quem escape do soldado,
não escapa do doutor...

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Notas:
Despraza – do verbo desprazer.
** Plumitivo – escritor ou jornalista sem méritos.


Fonte:
R. Magalhães Junior. Antologia de humorismo e sátira. RJ: Bloch, 1998.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Alberto Isaías Ramires (Vila Velha/ES, 1924 - 2004, Rio de Janeiro/RJ)


A trova boa e perfeita
tem, na sua formação,
um pouco de pensamento,
um pouco de coração.
- - - - - –

Da vida, pelos caminhos,
uma coisa aprendi bem:
a roseira dá espinhos,
mas nos dá rosas, também…
- - - - - –

Falar mal da vida alheia
é coisa que não convém;
quem tem telhado de vidro
não fustiga o de ninguém…
- - - - - –

Juraste que eternamente
minha, só minha, serias.
Mas o teu "eternamente"
não foi além de dois dias...
- - - - - –

Lá se foi a meninice,
meu barquinho do papel,
minha ingênua peraltice,
meu doce Papai Noel...
- - - - - –

Não entendes meu desgosto,
mas aprende esta lição:
nem sempre pomos no rosto
as mágoas do coração.
- - - - - –

Num mundo triste e sisudo,
cheio de ódio e ambição,
do trabalho fiz escudo
e, da honradez, religião!
- - - - - –

O amor começa, meu bem,
num sorriso ou num olhar;
mas, por capricho, também,
assim pode terminar…
- - - - - –

Passam dias, meses, anos...
Quem na vida, nada alcança
deve sempre aos desenganos
antepor uma esperança.
- - - - - –

Por nascer pobre, o Divino
num gesto compensador,
despertou, em meu destino,
a lira de trovador…
- - - - - –

Quando eu morrer, por favor
coloquem na minha cova
um epitáfio de amor
escrito em forma de trova!
- - - - - –

Saudade - um berço vazio,
uma lágrima, uma dor;
coração sentindo frio
longe da chama do amor…
- - - - - –

Semeia por onde fores,
bondade, amor e carinho;
e transformarás em flores
as pedras do teu caminho.
- - - - - –

Sobre o Amor já se tem dito
muita coisa de valor;
mas bem poucos, acredito,
sabem mesmo o que é o Amor!
- - - - - –

Via-a rezando, contrita,
com os olhos fitos no céu.
Quanto pecado escondido
debaixo de um fino véu!...
- - - - - –

Vitória - Ilha do mel
que nos deslumbra e extasia.
Um pedacinho de céu
que é sonho, amor e poesia...

terça-feira, 12 de maio de 2020

Amaryllis Schloenbach


A lua fulge tristonha,
sozinha no céu imenso;
Minha alma na noite sonha
enquanto em teus olhos penso.
- - - - - –

— Coração, bates ligeiro,
até mudas de compasso,
se recordo o amor primeiro
ou se perto dele passo!
- - - - - –

— Coração, fonte de amor,
mostras a cada segundo
que em toda ilusão há dor,
nos destinos deste mundo!
- - - - - –

Espumas, ondas bravias,
soluça o oceano em revolta;
como ele sou (não sabias?)
quando aguardo tua volta.
- - - - - –

Este amor que é meu tormento
bate em casa abandonada...
Responde, na voz do vento,
somente o eco, mais nada!
- - - - - –

Este amor que eu acalento,
pelo qual estou perdida,
é meu canto e meu lamento,
minha morte e minha vida!
- - - - - –

Foste embora, certo dia;
fiquei magoada, a chorar...
Hoje sinto — quem diria? —
que foi sorte e não azar!
- - - - - -

Invejo a rosa tão linda,
que, sem ligar para a sorte,
a vida perfuma ainda,
altiva, à espera da morte!
- - - - - –

Já não posso refrear
esta paixão violenta,
que ruge mais do que o mar,
presa de rude tormenta!
- - - - - –

Morre a noite de repente.
Seu sangue cobre a amplidão,
e a aurora, triste e silente,
se ajoelha em oração.
- - - - - –

O fio do pensamento
vai tão longe e até parece
que, impelido pelo vento,
quer prender quem já me esquece!
- - - - - –

O orvalho, do céu liberto,
de uma flor se fez amante,
e em seu regaço entreaberto
pôs um límpido brilhante!
- - - - - –

Procura esquecer teu pranto
secando o pranto de alguém;
assim verás mais encanto
no encanto que a vida tem!
- - - - - –

Quando, no ocaso da vida,
um amor nos surpreende,
a existência agradecida
em nova chama se acende!
- - - - - –

Quero da rosa a existência,
sua beleza e frescor:
veludo toda, e essência,
para a colheita do amor.
- - - - - –

Relembro as tardes da infância,
olho a praia, escuto o vento...
Fica mais perto a distância
nas asas do pensamento...
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Se queres colher a paz,
não procures tão a esmo;
só pode tê-la quem traz
a paz dentro de si mesmo!
- - - - - –

Solitário, junto à margem
chora, saudoso, o salgueiro:
parecem vir da ramagem
as águas do rio inteiro!
- - - - - –

Sonho, palavra pequena,
porém, de grande valor:
faz a vida mais amena
e muito mais belo o amor!
- - - - - –

Um breve sonho de amor
— depois, ventura perdida —
é aquele doce amargor
em que se resume a vida.
- - - - - –

Viver num corpo sem alma
— eis o meu drama, porque
perdi minha paz e a calma
depois que perdi você.

Fontes:
– Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,
– Revistas Virtual de Trovas “Trovia”
- Boletim da UBT Seção São Paulo
– A Trovadora

domingo, 10 de maio de 2020

Casimiro de Abreu (1839 - 1860)

Barra de São João, hoje Casimiro de Abreu

A borboleta travessa
vive de sol e de flores...
— Eu quero o sol de teus olhos,
o néctar dos teus amores!
- - - - - –

A vida é triste — quem nega?
— Nem vale a pena dizê-lo.
Deus a parte entre seus dedos
qual um fio de cabelo!
- - - - - –

Como a ave dos palmares,
fugindo do caçador,
eu vivo longe do ninho,
sem carinho e sem amor!
- - - - - –

Conchinha das lisas praias,
nasceste em alvas areias;
não corras tu para os charcos,
arrebatada nas cheias...
- - - - - –

Nas horas mortas da noite,
como é doce o meditar,
quando as estrelas cintilam
nas ondas quietas do mar!
- - - - - –

Ri, criança, a vida é curta,
o sonho dura um instante.
Depois... o cipreste esguio
mostra a cova ao viandante.
- - - - - –

Tem tantas belezas, tantas,
a minha terra natal,
que nem as sonha um poeta
e nem as canta um mortal!
- - - - - –

Todos cantam sua terra,
também vou cantar a minha;
nas débeis cordas da lira
hei de faze-la rainha.
- - - - - –

Tudo se gasta e se afeia,
tudo desmaia e se apaga,
como um nome sobre a areia,
quando cresce e corre a vaga.
- - - - - –

Um anjo veio e deu vida
ao peito de amores nu:
Minha alma agora remida,
adora o anjo — que és tu!


Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Augusto Vasconcelos Rubião (1905 - ????)


— Bom dia, Dona Alegria,
com tanta pressa, onde vais?!
— Vou plantar uma saudade
onde o Amor não volta mais!
- - - - - –

Casar é um verbo difícil
de conjugar de mãos dadas.
Às vezes, noivos ditosos,
no lar, são almas penadas.
- - - - - –

Dizem que existe feitiço
que nos deixa atormentado.
Hoje estou acreditando:
por ti ando enfeitiçado...
- - - - - –

Meu coração é relógio,
que vive sempre a bater.
Na dor está atrasado,
mas adianta no prazer.
- - - - - –

Minha terra tem mulatas
e broinhas de fubá.
Recordando os meus amores,
mais prazer encontro eu lá…
- - - - - –

Nossa casa é pequenina,
mas tem a graça de Deus.
De dia o sol a ilumina,
e de noite — os olhos teus.
- - - - - –

O meu peito é um país;
capital — o coração!
É Maria a imperatriz,
para dar-lhe a direção,
- - - - - -

Os teus seios são dois ninhos,
tão brancos como algodão;
neles vivem dois pombinhos,
em busca de um coração.
- - - - - –

Quando chegaste na igreja,
rezei a Salve-Rainha;
com as contas dos teus olhos,
cantei uma ladainha...
- - - - - –

Se a vista tivesse dente,
este mundo estava preto:
teu belo corpo seria
um descarnado esqueleto...


Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...