domingo, 2 de maio de 2021

Ademar Macedo (1951 - 2013)


1
A distância nos redime 
se a saudade nos escolta; 
ir pra longe é tão sublime 
como sublime é a volta! 
2
Adotei o isolamento, 
feito um ermitão qualquer. 
Pra fugir do casamento 
e das manhas de mulher!... 
3
A justiça incompetente, 
por um deslize qualquer, 
toma o dinheiro da gente 
e dá todo pra mulher!… 
4
Almoço e janto poesia. 
E neste meu universo, 
mastigo um pão todo dia 
amanteigado de verso. 
5
A lua, de vez em quando 
fica um pouco sem brilhar, 
para ficar “espiando” 
dois pombinhos namorar! 
6
A lua, sem empecilho, 
desfilando, linda e nua, 
deixa também o seu brilho 
“nas poças d’água da rua”! 
7
A Lua, que a noite ronda 
com o seu lindo clarão, 
é a lamparina redonda 
que ilumina o meu sertão! 
8
Amar… verbo transitivo 
que em qualquer conjugação 
traz um novo lenitivo 
para o nosso coração! 
9
À noite, as brisas divinas 
dão som aos seus movimentos; 
e, "na Lua," as bailarinas 
dançam a valsa dos ventos... 
10
Após causar desencantos 
e nos fazer peregrinos, 
a seca fez chover prantos 
nos olhos dos nordestinos! 
11
Aquela mão estendida 
é Nau que ainda trafega 
no mar revolto da vida 
que a própria vida renega... 
12
A “solidão” me parece, 
ser um conforto sem fim… 
quando um grande amor me esquece; 
“Ela” se lembra de mim. 
13
As rosas tem seus floridos 
que a “natura” se apodera, 
dando beijos coloridos 
no rosto da primavera! 
14
Assim que começa o dia, 
envolto em profundo enlevo, 
sinto o cheiro da poesia 
em cada verso que escrevo. 
15
A vida escreve-me enredos 
com finais que eu abomino. 
Meus sonhos viram brinquedos 
nas mãos cruéis do destino… 
16
Causa-me espanto o coqueiro; 
algo de bom ele tem… 
Mas, sendo torto ou linheiro, 
nunca deu sombra a ninguém! 
17
Chega a causar agonia, 
uma visita sacana, 
que vem pra passar um dia, 
passa mais de uma semana! 
18
Coloquei a foto errada. 
Viram logo os menestréis… 
Como eu vou subir escada 
Se me falta um dos meus pés? 
19
Com certa preponderância 
eu impus esta verdade: 
Quem inventou a distância 
não conhecia a saudade!... 
20
Com minha alma amargurada, 
envolto em meu sofrimento, 
passo inteira a madrugada 
jogando versos ao vento… 
21
Com o dom que Deus lhe envia, 
no riso o palhaço aflora 
um semblante de alegria… 
Que ele só sente por fora! 
22
Como quem faz sua escolha, 
disfarçando o desatino, 
alterei folha por folha 
do livro do meu destino! 
23
Com os temas mais dispersos, 
eu mesmo me fiz enchente 
numa enxurrada de versos 
jorrando da minha mente… 
24
Com sua língua de trapo 
disse, ao ser mandado embora: 
– É moleza engolir sapo, 
o duro é botar pra fora! 
25
Construí dentro de mim, 
com minh’alma enternecida, 
um teatro onde, por fim, 
pude encenar minha vida!… 
26
Da Bebida fiquei farto, 
bebendo, perdi quem amo; 
hoje bebo no meu quarto 
as lágrimas que eu derramo. 
27
Da fonte que jorra o amor, 
Deus, na sua imensidão, 
faz jorrar com todo ardor 
as carícias do perdão. 
28
Da ingratidão praticada 
eu tirei uma lição: 
Perdoar, não pesa nada,
pesado…É pedir perdão! 
29
Das colheitas dadivosas 
que Deus deixa nos caminhos, 
uns curvam-se e colhem rosas, 
outros, só colhem espinhos… 
30
Debruçado sobre a mata, 
o luar, tal qual pintor, 
pinta as folhas cor de prata 
e pinta o chão de outra cor. 
31
De maneira indefinida, 
por amar e querer bem; 
vou dividir minha vida 
com a vida de outro alguém! 
32
De nada eu sinto ciúme, 
nem mesmo da mocidade; 
pois hoje eu sinto o perfume 
da flor da terceira idade!… 
33
Depois do beijo, um aceno, 
e, sofrendo em demasia, 
bebo doses de um veneno 
que a sua ausência me envia. 
34
Descobri no envelhecer 
que a musa que me enaltece 
não deixa o verso morrer, 
pois musa nunca envelhece! 
35
Desde o tempo de menino 
vi o quanto eu sou machão; 
pois meu lado feminino 
é um tremendo sapatão! 
36
De sonhar eu não me oponho 
nem sequer me desiludo. 
Quem faz de “Paz” o seu sonho, 
já fez metade de tudo!… 
37
De um olhar triste, alquebrado, 
desse meu filho que é “mudo”… 
eu vejo, mesmo calado, 
seus olhos dizerem tudo! 
38
Deus, demonstrando poder, 
quando a mulher engravida, 
transforma a dor em prazer 
na celebração da vida! 
39
Deus vendo que não tem fim 
essa fé que me conduz, 
deixou cair sobre mim 
uma cascata de luz! 
40
Do fogo no matagal, 
na fumaça que irradia, 
vejo um câncer terminal 
no pulmão da ecologia!... 
41
Do meu jeito apaixonado, 
envolvente, terno, mudo… 
Faço um apelo calado, 
onde os olhos dizem tudo! 
42
Em busca de ser feliz, 
e em prol do amor de nós dois, 
quantos atalhos que eu fiz… 
Mas só chegava depois! 
43
Em humor não me destaco, 
mas, por pura peraltice; 
mesmo não sendo macaco, 
vou fazendo macaquice. 
44
Em inspirações, imerso, 
fiz do sol o próprio guia 
para conduzir meu verso 
nos caminhos da poesia! 
45
Entre os atos de bonança 
e meus pecados mortais, 
quando eu botar na balança, 
Deus sabe quais pesam mais!… 
46
Essas gotas maculadas, 
itinerantes no rosto, 
são as lágrimas magoadas 
que dão vida ao meu desgosto. 
47
Esses meus versos doridos 
que estão bem perto do fim, 
são retratos coloridos 
que eu mesmo tirei de mim… 
48
Eu aprendi a perder 
mesmo sem haver perdido, 
também aprendi vencer 
“sem humilhar o vencido!” 
49
Eu ouvi de um cidadão 
brincalhão, sagaz, afoito: 
-Melhor ser um cinquentão 
do que morrer aos dezoito…! 
50
Eu que já nasci Poeta, 
digo-lhe nesta obra prima: 
meu coração só se aquieta 
depois que eu faço uma rima! 
51
Eu, que nunca pude tê-las… 
Que é um sonho do menestrel; 
sonhei enchendo de estrelas, 
meu barquinho de papel! 
52
Eu sinto a brisa do vento 
como se fosse magia, 
soprando em meu pensamento 
os versos que Deus me envia… 
53
É terapeuta da mente, 
mestre maior do saber… 
O Livro é o melhor presente 
que alguém pode receber. 
54
Eu, num desejo medonho, 
quis tê-la, mas nunca pude… 
Transformar desejo em sonho, 
foi minha grande virtude! 
55
Eu sou qual um jangadeiro 
que a fé no peito tatua… 
Num barco sem paradeiro, 
sua esperança flutua. 
56
Fiz a “pergunta ao espelho” 
que para não me ofender : 
disfarçou, ficou vermelho 
e não quis me responder! 
57
Fiz do quarto um santuário, 
pus sua foto no andor 
e rezei um novenário 
para louvar nosso amor! 
58
Fiz minha casa de barro 
ao lado de uma favela. 
Lá fora, eu sei, não tem carro, 
mas tem amor dentro dela!... 
59
Fui reviver meu passado 
na casa que pai morou… 
Um velho espelho quebrado, 
foi tudo o que me restou! 
60
Hoje na terceira idade, 
eu, de amores já vazio, 
voltei ao mar da saudade 
para ancorar meu navio. 
61
Igualmente aos nossos pais, 
nos cabelos brancos temos 
as impressões digitais 
dos anos que já vivemos. 
62
Inimigo do trabalho, 
é meu primo, o “Paraíba;” 
seu emprego é no baralho: 
buraco, truco e biriba. 
63
Já quase louco de amor, 
envolto num triste enlevo 
ponho toda a minha dor 
no papel…quando eu escrevo! 
64
Lágrimas, águas em fugas, 
que num trajeto indolente, 
deixam escritos nas rugas, 
os sofrimentos da gente… 
65
Lágrimas, fuga das águas 
por um riacho inclemente 
que numa enchente de mágoas 
inunda o rosto da gente! 
66
Lembranças deixam feridas 
que nascem na alma da gente. 
Que tenham elas nascidas 
67
no passado… ou no presente! 
Meu momento mais doído 
foi perder quem tanto adoro, 
por isso eu choro escondido 
para ninguém ver que eu choro! 
68
Ninguém calcula essa dor 
no coração dos mortais… 
Quando a saudade é de amor, 
a dor é cem vezes mais ! 
69
No instante da despedida, 
arquivei no pensamento 
a tristeza da partida 
e a dor do meu sofrimento. 
70
No momento em que eu nascia 
Deus colocou no meu ser, 
um mundo de fantasia, 
de poesia e de prazer… 
71
Nos momentos mais tristonhos 
chega a musa da poesia, 
torna reais os meus sonhos 
num mundo de fantasia. 
72
Nos poemas que componho, 
de beleza quase extrema, 
eu ponho em verdade um sonho 
dentro de cada poema! 
73
Numa caminhada inglória, 
com minha alma enternecida; 
pude ver a minha história 
no retrovisor da vida. 
74
Num desespero medonho, 
acordei quase enfartando, 
pois vi no melhor do sonho 
que a sogra estava voltando! 
75
Num sonho eu me fiz refém, 
ao viver uma emoção 
que o próprio sonho a retém 
na mente e no coração… 
76
O pantanal se engalana, 
mas eu mesmo desconfio; 
que até a própria chalana 
sente ciúmes do rio. 
77
O papel que eu desempenho 
na poesia, não tem preço; 
pelos amigos que eu tenho… 
Ganho mais do que mereço!

sábado, 1 de maio de 2021

J. G. de Araújo Jorge (1914 - 1987) (2)


Ah, quando escuto teus passos
meu coração se acelera,
que um só minuto em teus braços
compensa a angústia da espera!

Ah, trova com quem me enleio...
- Tens um gingado qualquer
Que lembra esse bamboleio
Do corpo de uma mulher...

Amor que tudo promete,
falso amor das Colombinas:
-juras e beijos: confete!
Abraços - de serpentinas!

Ao ler uma bela trova
depois que pronta ficou,
- quem calcula a dura prova
por que o poeta passou ?

A poesia que desejo
tiro de mim como aquela
cantiga do realejo
se alguém roda a manivela...

Às vezes penso que a vida
que há tanta gente a querer
só existe, - indefinida -
pra gente poder morrer...

A todos prende e cativa,
E não se rende a qualquer...
- É pequena, mas esquiva...
... Não fosse a trova, mulher...

A Vida - ansiosa escalada
sobre a paisagem do mundo
Tanto esforço para nada
se há sempre abismo no fundo!

A Vida, - mistério vão
sombra agora, depois luz,
- estranho traço de união
ligando um berço... a uma cuz!

A Vida - uma onda que avança
e volta, vai-vem do mar...
Quando vai, quanta esperança!
Quanta amargura, ao voltar!

A Vida - visão fugaz,
praia chã, mar que alteia,
onda que faz e desfaz
os seus cabelos de areia...

Cão de guarda, ameaçador,
a rosnar, furioso e cego
eis afinal, meu amor,
este ciúme que carrego...

Coração – pobre realejo –
com canções velhas e novas...
Tudo o que sinto, e o que vejo,
vais tocando.. . em minhas trovas...

- "Crê na Vida"- eis o conselho
da esperança ante a desgraça,
se a face do fria do espelho
de calor ainda se embaça...

Diz que é rico... Pode ser...
Mas pode ser que não seja...
Ser rico é apenas poder
fazer o que se deseja...

Do amor e da desconfiança
infeliz casal sem lar,
nasceu o ciúme, - essa criança
tão difícil de educar...

"Dosado", o ciúme é tempero
que à afeição da mais sabor...
Mas, levado ao exagero,
é o pior veneno do amor...

E eis a suprema ironia
ao meu coração ferido:
- tu foste trair-me um dia,
mas, com quem? - com teu marido...

Eis a arte de viver
num conselho dos mais sábios:
às vezes, para vencer
basta um sorriso nos lábios...

Eis como o ciúme defino:
mal que faz mal sem alarde
corte de alma, muito fino,
que não se vê... mas como arde!

Esperava tanta luta
e tão pouco foi preciso:
ao invés da força bruta
ele empregou... um sorriso...

Fantasia eu próprio sou
e há um contraste dentro em mim:
- carrego um velho Pierrot
num atrevido Arlequim!

Gota d'água transparente
que brilha, cresce...e que cai!
Assim a vida da gente
que num instante se vai!

Há uma ironia, contida
nas contigências da sorte:
- quanto mais se vive a vida
mais se avança para a morte.

Livre da dor, do desgosto,
mais feliz o homem seria
se assim como lava o rosto
lavasse a alma todo o dia.

“Matar saudades”, querida
é uma expressão, simplesmente,
pois, em verdade, na vida,
saudade é que mata a gente.

Meu terço feito de trovas
Que em versos fico a compor,
Com ele rezo, e dou provas
Do meu culto ao teu amor!

Moeda de estranho valor
que o coração faz cunhar:
quanto mais se gasta o amor,
mais se tem para gastar!

Não tinha paz nem descanso...
O amor... a vida.... – Voragem !
Hoje, a saudade é um remanso
a refletir a folhagem...

Nem tanta coisa é preciso
para evitar-se um revés...
- Tão pouco... basta um sorriso
e eis todo mundo a teus pés...

Nessa eterna e dura lida
renasço a cada momento
lavando as dores da vida
no rio do esquecimento...

Nesse jardim de surpresas,
que foi o amor que me deste,
as violetas são tristezas,
minha saudade, um cipreste.

No meu carro vou tranquilo,
tenha a estrada sombra ou luz,
pois bem sei que, ao dirigi-lo,
eu dirijo... Deus conduz!...

Numa amizade perdida,
num amor que se desgraça,
a morte desconta a vida
a cada dia que passa!

O ciúme, desajustado,
por louco amor concebido,
era uma amante, (coitado)
a padecer... de marido!"

Onde o sonhar de outra idade?
A fé que tive, e perdi?
Hoje chego a ter saudade
daquele... que já morri...

Ó pobre vida suicida!
Teu destino é uma ironia
se o que chamamos de vida
é um morrer de cada dia!

Paro, as vezes, num momento
feliz, que se vai embora,
e enquanto o vivo, a perde-lo,
sinto saudades... de agora.

Perigoso, onipotente,
verdadeiro ditador...
o ciúme é um cego, doente,
ou um doente, cego de amor?

Pobre alma triste a cativa !
E há quanta gente como eu
a pensar que ainda está viva
sem saber que já morreu.

Poesia, flor de mistério
que brota do coração
e abre as pétalas de etéreo
no céu da imaginação.

Por certo a pior solidão
É aquela que a gente sente
Sem ninguém no coração...
No meio de muita gente...

Por duas Marias erra
meu viver de déu em déu:
- a que me perde, na terra,
- a que me me salva, no céu.

Praias longe, em solidão
Fora de todas as rotas,
Tal como o meu coração
Só como o sonho... das gaivotas...

Que eu não tenho coração
não és tu, sou eu que digo...
-Como hei de ter coração
se tu o levas contigo?

Rico eu sou, mesmo sem ouro
E da riqueza, dou provas,
- eis aqui o meu tesouro:
Minha sacola de trovas.

Rosas tolas, tão vaidosas,
que em belas hastes vicejam...
Vem, amor, olha estas rosas,
quero que as rosas te vejam!

Saudade, - estranha ilusão,
que a solidão recompensa,
presença no coração
maior que a própria presença...

Sejam felizes ou não
Cantando instantes diversos,
As trovas do coração,
são trevos de quatro versos.

Tão simples, as trovas são
Cantigas com que a alma expande
Tudo o que há no coração
Do poeta - um menino Grande.

Tudo é trova: a flor, a onda,
A nuvem que passa ao léu
E a lua, trova redonda
Que a noite canta no céu!

Tu queres mais, sempre mais...
Sê comedido, prudente...
Até o bem quando é demais
acaba enjoando a gente...

Vi teu retrato, - revivo
um velho amor que foi meu...
A saudade é um negativo
de foto que se perdeu...

Vive a vida bem vivida
e ao mais, esquece e revela,
que a gente leva da vida
a vida que a gente leva...

Vivo a vida cada dia,
vida comum, sem engodos,
por isto a minha poesia
reflete a vida de todos

Você quer mesmo saber
como a vida se levar ?
Pois é... primeiro viver...
e depois... filosofar...

Vou pisando folhas mortas
sem amanhã... Sigo a esmo...
Fecham-se todas as portas...
Sou o fantasma de mim mesmo...

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Conselhos para Fazer a Boa Trova


1 – Estude português.

Conheça ou procure conhecer bem a língua, o vocabulário e seu funcionamento (ou seja, a gramática). O poema é feito de palavras em ação, transmitindo pensamentos e sons. Como o pintor precisa conhecer as tintas e suas maneiras de se ligarem, como o músico necessita saber tudo sobre as notas musicais e os instrumentos que utiliza, o poeta precisa conhecer bem sua matéria prima, ou seja, os vocábulos da língua, como eles interagem uns com os outros. Portanto, se você não sabe português, procure saber.

2 – Leia os bons autores.
Estude a maneira como trabalharam a palavra, a frase, o verso. Procure descobrir como é que eles chegaram a certas soluções, a certos efeitos de que você gostou.

3 – Aprenda bem a metrificação.
Procure inteirar-se dos segredos da contagem silábica. O ideal é você procurar quem conheça a técnica e estudar com ele.
     
4 – Faça exercícios poéticos de metrificação.
Não tenha preguiça de fazer, mesmo sozinho, exercícios poéticos de metrificação. Nestes exercícios, procure imitar as trovas ou os trechos dos quais você gosta, variando ou modificando os temas originais. Lembre-se: qualidade e não quantidade é o que se quer da obra de arte.

5 – Valorize-se.  
Não publique qualquer besteira. Só se permita publicar aquilo de que realmente goste. Exerça rigorosa autocensura de qualidade. Lembre-se que seu nome está em julgamento cada vez que alguém lê algo assinado por você.

6 – Não tenha medo de emendar obras já terminadas ou até publicadas.
A comunicação é difícil e há sempre uma melhor maneira de dizer alguma coisa. Vale a pena modificar trechos para alcançar ou aproximar-se, pelo menos, da perfeição.

7 – Por outro lado, há um momento em que se deve parar.
Muitas vezes – e isto se dá frequentemente com a trova, que é composição quase que instantânea – o melhor a fazer é abandonar aquele caminho, jogar tudo fora e começar tudo de novo.

8 –  Exercitando sua criatividade.
Uma boa maneira de exercitar sua criatividade é, mesmo tendo alcançado a comunicação, e feito uma trova que considera boa, recomeçar e tentar comunicar a mesma coisa com outra trova de maneira diferente. Às vezes o resultado disto é tão bom que as duas trovas resultantes podem ser aproveitadas.

9 – A trova exige ser pensada antes de ser escrita.
É importante que ela diga alguma coisa, tenha um achado, algo que lhe dê um quê especial, que a torne única entre as outras trovas, ou seja, personalidade. Aproveite bem aquele exíguo espaço de 28 sílabas poéticas. Todas as palavras devem ter função, e não deve faltar nenhuma palavra. Este é um dos grandes segredos da boa trova.

10 – O trabalho final deve estar limpo e completo.
Os versos devem ser fáceis de ser lidos e entendidos, as palavras em sua ordem certa, sem mutilações ou inversões. As dificuldades de composição não devem transparecer no resultado final. Tire os andaimes do edifício antes de apresenta-lo ao público.

11 - Melhore a qualidade de suas trovas antes de se aventurar em livros medíocres.
Um conselho importante para os novos trovadores ávidos de publicar livros de trovas, antes de ter seus livros jogados no fundo de um sebo criando teias de aranha com trovas sem atrativos, procure melhorar a qualidade de suas trovas estudando mais elas. Leia as trovas dos mestres trovadores, mas não fique só na leitura, perceba como foram estruturadas, as rimas utilizadas, o conjunto de palavras, sinta a emoção que elas passam. Não se deixe levar pela ânsia de publicar livros indiscriminadamente, o trovador de quilate não é avaliado pelos livros que publica ou concursos que participa, mas pela qualidade de suas trovas. Existem grandes mestres trovadores reconhecidos no mundo das trovas que nunca publicaram livros e/ou nunca participaram de concursos. Repito, melhore a qualidade de suas trovas... A TROVA AGRADECE. 

12 –  Cuidados com a sonoridade e distribuição das vogais.

Na composição do verso da trova, você deve tomar cuidado com a sonoridade, particularmente com a distribuição das vogais pelas sete sílabas, especialmente as tônicas. Será interessante, para evitar a monotonia e aumentar o efeito estético, que as vogais de apoio das tônicas das palavras do verso sejam todas diferentes no mesmo verso.

Esclareço com exemplo: 
“Amada e adorada fada” é um verso onde todas as sílabas tônicas (a 2ª, a 5ª e a 7ª) possuem a vogal de apoio “a”. 
 
Resultado: monotonia. No verso “Passarinho, tuas penas”, já as sílabas fortes são todas diferentes: a terceira sílaba tem vogal de apoio “i”, a quinta “u” e a sétima “e”. Note-se que o colorido já é outra coisa!

13 – Uso inteligente das vogais e transmissão de sentimentos

Você deve aprender o uso inteligente das vogais, especialmente na transmissão de sentimentos, tanto nas rimas como nas vogais de apoio das sílabas tônicas do verso. 
 
Não chego ao exagero de dizer (como diziam os parnasianos) que a cada vogal corresponde uma cor – mas, indubitavelmente, as cores claras, a alegria, a leveza, estão nas vogais mais abertas – a – é e ó. 
 
A tristeza, a gravidade, o luto, a morte, o pesadume são domínio das vogais ê, ô e u. O “i” tem algo tem algo de elétrico, subitâneo, cortante, gritante, frio... O ê, êm, on (ou õ) e o na (ou ã) transmitem volúpia, langor, preguiça, paragem...

14 – Não complete frases com recursos sem necessidade.
Não use clavilhas, ou palavras colocadas ali sem necessidade, apenas para completar as sete sílabas do verso. Procure utilizar todas as sílabas para reforçar a mensagem.

15 – Por outro lado, não use palavras mutiladas pelo apóstrofo.
A língua portuguesa é riquíssima de sinônimos e de recursos, e as chamadas “licenças poéticas” não cabem mais na trova moderna. Não se escreve mais “minh’alma” e copo d’água”; a elisão se dá na pronúncia, normalmente.

16 – Não inverta a ordem natural das palavras.
A não ser quando permissível na linguagem comum. Tais inversões, muito usadas na poesia do passado, perturbam a fluência natural do entendimento do verso.

17 – Não utilize frases vazias, apenas para “encher linguiça”.
Trovas a gente às vezes vê onde a mensagem está concentrada em apenas um ou dois versos – sendo os outros constituídos de umas bobagenzinhas com rima, só para completar a trova. Não faça isso. Deve usar os quatro versos para dizer algo em todos eles – e com todos eles.

18 – Tome cuidado com os cacófatos.
Leia sua trova em voz alta para ver se não entrou nela alguma “palavra pirata”, roubando o sentido da frase e destruindo qualquer efeito poético que você quis dar, formada, por exemplo, com sílabas de palavras contíguas: 
“o álbum da moça”, 
“pouca galinha”, 
“não há sapatos” (que pode ser entendido por “não assa patos”), 
“que belos versos compus” (versos doentes, pois estão com pus...).

19 – Não use palavras dissonantes, malsoantes, com “encontros” ou “esbarrões” de sílabas tônicas.

Ex: “nesta data tão querida”. 
 
Evite coisas como a preposição “como”, que pode transformar-se em tempo verbal de “comer”: “como a poeira dos anos”, ou “desabrocha” – que pode significar “diz a brocha”...

20 – Não use expressões batidas, lugares comuns.
Procure sempre ser original, combinar as palavras de maneira nova. Afinal a arte poética é isso: a procura incessante de novas maneiras de expressão.

21 – Os adjetivos devem ser usados com parcimônia.
Os substantivos e os verbos são a essência da comunicação verbal. Os adjetivos devem aparecer pouco, apenas para colorir, perfumar, temperar.

22 – E a rima?

Importantíssimo elemento da trova, que só possui no máximo duas, ou seja, dois pares de versos com rimas iguais. E essas duas rimas devem ser escolhidas com cuidado e critério. As rimas devem parecer surpresas de se encontrar, mas ao mesmo tempo contentes com o encontro.

23 – Evitar que os dois pares de rimas fiquem parecidos entre si.
Ou seja, tenham sons idênticos. Para isso, não devem ter as vogais de apoio iguais: para isso, não devem ter as vogais de apoio iguais: 
óde/ófa; une/ula; ado/ave – 
ou serem homófonos: ente/ezes; uva/lua; ora/oda.

24 – Não rimar timbres diferentes de “e” e de “o”.
Chapéus não rima com Deus, nem festa com cesta, nem foi com herói, etc.

25 – Evitar rimas muito fáceis.

Mesmos tempos de verbo: amaram/voltaram; serão/amarão.

Ou diminutivos: amorzinho/cachorrinho.

Ou advérbios em mente: somente/constantemente.

Quando aparecer uma rima em diminutivo, rimar com outra palavra de mesma terminação: cachorrinho com vinho, vizinho, ninho... Constantemente com gente, ausente, etc.

26 – Evitar rimas evidentes, já muito batidas.

noivo/goivo; 
noite/açoite; 
olhos/abrolhos; 
água/mágoa; 
Brasil/gentil/varonil.

27 – Evitar as cavilhas de rima.
Por exemplo: inventar nomes próprios, às vezes pouco usuais ou inexistentes, e introduzi-los na trova só para resolver um problema de rima. Tal recurso é muito usado em concursos de trovas humorísticas, mas não convence.

28 – Rime categorias gramaticais diferentes.

Recurso antigo, mas eficaz, é procurar rimar categorias gramaticais diferentes. Substantivos com verbos, adjetivos com pronomes, etc.
Exemplos: verdes/terdes; foi/boi; assim/vim; nada/adorada...

29 – Importante auxiliar da composição é o dicionário de rimas.
Um livro onde aparecem, listadas de acordo com as suas rimas, as palavras da língua. Existem diversos no mercado.

30 – Também o dicionário da língua é importante auxiliar de composição.
Você deve conhecer o significado profundo e inequívoco de cada palavra que emprega.

31 – Para escrever uma trova não há fórmula ou receita de bolo.
Começa-se escrevendo um dos quatro versos da trova. Este será o núcleo inicial, do qual nascerão os outros, já determinando um dos dois pares de rima, e não é, necessariamente, o que ficará no início da trova. O verso seguinte complementará o pensamento ou rimará com ele. Será interessante ir numerando de 1 a 4, a provável posição final dos versos que vão nascendo. A necessidade da rima ou da fluência verbal podem, depois, modificar tal posição.

Prossegue-se a composição, tentando, mudando a disposição das palavras, brincando com elas, descobrindo sua música e seus significados, tendo em vista, naturalmente, a ideia, a mensagem a transmitir, o sentimento a comunicar – e um efeito final especial, o “achado” que, para ser achado, precisa ser procurado...

Na dúvida de qual verso ou maneira de expressão adotar, vá escrevendo as diversas soluções (com sinônimos, palavras de mesma rima, etc), na folha em branco, embaixo da outra. Assim você não esquecerá delas e as terá à disposição para o caso, por exemplo, de ter de interromper o trabalho ali para fazer outra coisa. Tal listagem de alternativas do mesmo verso facilitará a escolha final – que, por sua vez, pode ser até uma solução híbrida entre duas alternativas da lista.

Você só será um bom trovador se dedicar tempo para estudar as trovas, veja os mestres, repasse as suas trovas se poderia melhorar, compare-as, Nunca esqueça, existem trovadores que são premiados uma vez ou outra em concursos, cujas trovas em seu geral são medíocres. Como mencionei no conselho 11, melhore a qualidade de suas trovas, faça-as se possível, todos os dias, veja os temas dos concursos anteriores e faça trovas sobre eles. Compare com as premiadas. E acima de tudo, não leia com os olhos, leia em voz alta, deixe as palavras fluírem dentro de você para poder sentir a emoção que elas lhe passam. 
  
Fonte:
José Antônio Soares (org.). Antologia de trovas, volume 1. Editora Caravela, 1988.

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...