terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Argentina de Mello e Silva (1904 – 1996)



A criança encanta, enleva,
mas, com seu ar inocente
quando a gente crê que a leva
ela está levando a gente!

A mulher fala a verdade
(sem hesitação nem briga)
se lhe perguntam a idade,
não a sua… mas, da amiga!

A mulher tinha a mania
de achar coisas no abandono,
até que encontrou um dia
um apartamento sem dono.

À pintura antiga e eterna
hoje chamam de caduca.
Mas quem gosta da moderna
deve ser “lelé da cuca”.

“Aqui jaz na lousa fria
o José João da Espinhela”
(Foi ao encontro de Maria
e encontrou o marido dela).

Briga tanto o Zé Noronha
com a esposa – que o filhinho,
por vingança da cegonha
sai a cara do vizinho.

Casa a Maria do Céu…
e que grande trapalhada…
porque segurando o véu
segue toda a filharada!

Coleantes, envolventes,
há mulheres perigosas.
Mas, também, como as serpentes
nem todas são venenosas.

Com seu destino sofrido
nunca a mulher colabora:
chora por não ter marido
e quando tem… também chora!

Curitiba é uma risonha
cidade de muito brio,
porque o amigo da vergonha
é aqui chamado: Frio!

Diz a mulher ao marido
(velho, bem intencionado)
“daqui a meses, querido
vai nasceu teu enteado”.

Era Amélia. Ele quisera
ter mulher assim somente,
até saber que ela era
a Amélia de muita gente.

É triste lembrar (se é!)
e à nossa vaidade ataca:
que o homem foi chimpanzé
e a mulher já foi macaca…

Falam tanto mal de sogra,
muitas vezes sem razão;
pois no paraíso a cobra
não era sogra de Adão.

Hoje a moda, com jeitinho,
tapa apenas de relance.
Se despenca o tal trapinho?
“honi soit qui mal y pense”! *

Homem velho, ainda matreiro,
por qualquer mulher se engraça.
Mas é só cão perdigueiro:
corre atrás, não come a caça.

Mesmo que ele seja “um pão”
quando se torna marido,
ela tem indigestão:
como enjoa o pão dormido!

Moça moderna, a Clarisse,
com seu ar desinibido,
quanto mais cresce em burrice
mais encurta seu vestido.

“Não tem profundeza a trova”
disse alguém – profunda asneira!
Se há muita poesia nova
mais rasa do que peneira!

No enterro de seu Pessoa
há um aviso aos ignotos:
“ Favor não trazer coroa,
só ramos cheios de brotos”.

Nua, a Godiva, coitada!
Causou surpresa incomum;
ver hoje mulher pelada
não causa “suspense” algum.

O casamento é um remanso
início de um doce lar,
onde ele vai pra descanso
e ela pra trabalhar!

O homem pensa, sofisma,
cria problemas, dá murro.
O burro, calmo, nem cisma,
qual é, dos dois, o mais burro?

Paquerador o Andrada
na moto ele tanto ronda,
que até a Maria Quadrada
já está ficando redonda.

Qualquer dia Dona Lua
diz ao ianque que a aporrinha:
“ Fica, bicho, lá na tua
que eu também estou na minha”.

Quem tem mulher monumento
e vizinho por ali…
lembre o antigo testamento:
mate primeiro o Davi.

Se o julgamento ao alheio
se estampasse na fachada,
o mundo estaria cheio
de muita cara quebrada.

– Seu Delegado examine
o que da luta sobrou;
– Qual foi o móvel do crime?
– Isso o morto não falou.

Tanta pílula espalhada…
tanta gente sem-vergonha…
que uma lei foi promulgada
dando férias à cegonha.

Treze pontos, bem contados,
na esportiva, que alegria!
Mas, depois, mil afilhados,
quem deles me livraria?

Vai a Paris, por capricho,
e volta esnobando a dona:
“ Fui ao Louvre. Quanto bicho!
Mas não era “lisa a mona”.

_________________________
Nota:
* Honi soit qui mal y pense é uma expressão em francês que significa Envergonhe-se quem nisto vê malícia, muito usada em meios cultos. Também é o lema da Ordem da Jarreteira, comenda britânica criada pelo rei Eduardo III de Inglaterra, no tempo das Cruzadas. E um dos lemas do Reino Unido, estando estampado em sua bandeira.

Diz a lenda que, em 1347, durante um baile, a Condessa de Salisbury, amante do mesmo Eduardo III, perdeu a sua liga, azul. O Rei mais que depressa recolocou-a, sob o olhar e sorrisos (cúmplice) dos nobres. O Rei grita então (em francês, que era a língua oficial da corte inglesa) "Messieurs, honni soit qui mal y pense! Ceux qui rient en ce moment seront un jour très honorés d'en porter une semblable, car ce ruban sera mis en tel honneur que les railleurs eux-mêmes le rechercheront avec empressement." (Maldito seja quem pense mal disto! Os que riem nesta hora ficarão um dia honradíssimos por usar uma igual, porque esta liga será posta em tal destaque que mesmo os trocistas a procurarão com avidez).

No dia seguinte cria a ordem da Jarreteira, tendo como símbolo uma liga azul sobre fundo dourado, que ainda hoje é a mais prestigiosa ordem do Reino Unido, tendo somente 25 membros e cujo Grão Mestre é o monarca da Inglaterra. (wikipedia)

__________________________
Fonte:
Argentina de Mello e Silva. Trovas dispersas. Curitiba: Centro Paranaense Feminino de Cultura, 1984.

domingo, 30 de junho de 2019

Ferdinando Fernandes (Portugal)

-
A boa fada da sorte
Te pôs um dia a meu lado;
Dizendo que só a morte,
Faz este amor acabado.

A chorar vivi cantando
Cantando vivo a chorar,
Se eu a cantar vou chorando
A chorar quero cantar…

Alma de corpo franzino
Anjo ridente dos céus,
Sofres já de pequenino
Como sofrera teu Deus.

Andorinha que partiste
Pra terras de mais calor;
Leva minha alma triste,
Que anda à procura de amor.

Ao ver-te bailar contente
Com um filho no braçado,
Eu recordo docemente
Loucuras de ano passado…

Arranjei-te sem saber
Pensando a sorte encontrar;
Hoje mesmo sem te ver,
Fico cheio de te olhar.

A saudade é lenço branco
Que nos chama sem parar,
O sentimento mais franco
Que muito diz sem falar.

A sonhar juntos, Maria
Fizemos o arraial,
E nos folguedos do dia
Fizemos fogueira igual.

Caminhemos mão em mão
Fulcro de amor e alegria;
Só assim no coração,
Há Natal em cada dia!!

Cobrir crianças despidas
Tornar o mundo igual,
Cativar almas perdidas
Seria o meu ideal…

Conta lá os teus segredos
Loucuras… horas a fio;
A água sai dos rochedos,
E vai cantando até ao rio.

Cravos vermelhos à porta
Mangericos na sacada,
Mas se a fogueira está morta
Que vale a cinza apagada.

Criança, anjo sagrado
Sem rua sem lar nem pais,
Serve pro homem malvado
Em seus fins materiais.

De pequeno desconheço
Maldades que a vida tem;
Agora que a conheço,
Vivo nela com desdém.

Deves ouvir meu conselho
Quando te julgas um santo;
Olha-te bem ao espelho,
E depois despe o teu manto.

Dizes ser rico e nobre…
Esquece lá a fantasia,
Pois a fogueira do pobre
Dá mais calor e alegria.

Dizes te julgas perdida
Pra mim tens tanto valor,
Pois quem aquece outra vida
Tem que ter muito calor!

Em cada dia que passa
Mais vergonha tenho eu,
De ser fruto desta massa
Que em mim encarneceu.

É melhor comer o pão
Embora duro que seja,
Que ser na vida ladrão
E deitar fora o que sobeja.

Em quatro linhas ficou
Tantos sonhos e magias;
Que no teu peito moldou,
Aquilo que não sabias…

Esse beijo ainda gritante
Em quatro lábios ficado;
Ainda lembra constante,
As loucuras do passado…

Esta dor que atormenta
Este meu peito em saudade.
É choro que se lamenta
Dos tempos da mocidade…

Eu nascera só pra ti
Na vida que me foi dada!
Fogueira que eu revivi,
Com cinza quase apagada.

Eu vivi triste na vida
Destino que Deus me deu,
Foi de uma alma sentida
Que a alegria nasceu!

Foi nas urzes do caminho
Que eu vira o trevo feliz,
Não o quis, fiquei sozinho
A sorte só eu a fiz…

Fui à fonte para te ver
E quando lá te encontrei,
Depois de tanto beber
Com outra sede fiquei…

Fui primavera ridente
E hoje que não sou nada;
Sou pobre que ri contente,
Na vida que me foi dada.

Hoje estás abandonada
Só por loucuras de amor.
Mas a rosa por cheirada,
Nunca perde o seu valor!

Já basta o que tem por sina
A vida do pobrezinho…
O homem ainda lhe ensina
A ser trapo do caminho!

Lágrima caída no rosto
Dos teus olhos cor do mar;
Lembra a vida em sol posto,
Saudade sempre a chamar…

Mentiras que o outro diz
Não acredites amor;
Pois planta sem raíz,
Não alimenta a flor.

Meu amor de mim tem dó
Sou coração enjeitado…
Por fraca que seja a mó
Dá sempre o milho ralado.

Meu amor olha pra mim
Preciso do teu sorrir,
Como a rosa no jardim
Do sol para florir.

Morena que vais pra fonte
De cantarinha na mão;
Choras tristezas pelo monte,
Das saudades que lá vão.

Nada há que determine
Os traços que a vida tem;
Nem há sol que ilumine,
O negrume do desdém.

Na farsa da ilusão
Tudo anseias com fervor;
Podes comprar a razão
Mas não compras o amor.

Não dês esmola por vaidade
Inda que seja um vintém,
Podes ferir sem maldade
Aquele que nada tem…

Não escrevo para entreter
Mas escrevendo a dor acalma.
Nunca se pode esconder,
Tristezas que vem da alma.

Não me olhes descontente
Pelos meus loucos folguedos;
O rio corre contente,
Sem dar contas aos rochedos.

Não penses que não te amo
Porque te não presenteio,
Pois o amor é um ramo
Que vive no nosso meio.

Não posso gostar de alguém
Só porque gosta de mim.
A primavera não vem
Só porque existe um jardim.

Não procures viver só
Faz do pobre companheiro,
Pois que seria da mó
Se não tivesse o moleiro…

Não te julgues desgraçada
Se a má sorte te persegue;
Existe pior calçada,
Que aquela que agente segue.

Não venhas flores um dia
À minha campa depôr,
Pois tudo foi fantasia
Que me falava de Amor.

Nessa noite de ilusão
A dançar te conheci,
E ao sentir teu coração
Logo fogueira acendi.

Nesta dor feita alegria
Algo de estranho acontece,
Ante meus olhos é dia
Dentro em meu peito anoitece.

No altar desse teu peito
É minha prisão de amor,
É capelinha que enfeito
Com somente uma flor.

No choro do meu olhar
Há risos em gargalhadas;
É a saudade a mostrar,
As saudosas madrugadas.

No mundo vivi sonhando
E a sonhar envelheci,
E a sonhar vou ficando
Pequeno como nasci.

No parlamento da vida
É só mísera ilusão…
Depois da lista escolhida,
Ainda é maior o ladrão!

No parlamento da vida
Todos querem mandar mais…
Pois a seara perdida,
Faz tentar mais os pardais.

No teu regaço dormi…
Como em cama de jasmim
Foi no teu sonho que eu vi,
O quanto gostas de mim!

Nunca odeies meu amigo
Mesmo que tenhas razão;
Pois não é só o mendigo,
Que necessita de pão.

Nunca sonhei ilusões
Riquezas…luxos sem fim;
Pois os mais belos brasões,
São os teus olhos pra mim.

Nunca te esqueço meu bem
Como mais terna donzela.
Primavera vai e vem,
E a rosa espera por ela!

Nunca te julgues vencida
És um anjo aos olhos meus.
Mesmo uma filha perdida,
É sempre filha de Deus.

Ó belo trevo da sorte
Quem foi que te semeou?…
Talvez alma de má porte
E nunca mais te encontrou.

O choro que existe em mim
Nem sempre é feito de dor,
Nem sempre a vida tem fim
Quando acaba um grande amor.

O homem tanto promete
E nunca cumpre o que diz,
E dos erros que comete
Não quer ser ele o juiz.

Olhei pra ti com desejo
E com desejo fiquei;
Pois nesse rosto que vejo,
Está o sonho que sonhei.

Olhei-te de olhos fechados
De olhos abertos fiquei;
Nesses teus lábios rosados,
Ficou o que desejei.

Olho na vida o passante
Meu irmão de cada hora,
Meu companheiro errante
Ferido com a mesma espora.

O manjerico velhinho
Outra vez reverdeceu,
Mas está morto o teu carinho
Esse pra sempre morreu.

Ó meu amor, teu dançar
Tem graça tem alegria,
Pode a roda cheia estar
Mas sem ti está vazia.

O pobre que nada tem
Que na vida não tem norte,
Não dá contas a ninguém
Quando lhe chegar a morte.

O poeta é mensageiro
Na luta pela igualdade…
Luta sempre companheiro
Em abraço de amizade.

Ó rio de água serena
Que vais chorando pro mar;
Ao chorares a tua pena,
Chora também meu penar.

O trevo nasce no prado
Sem ninguém o semear,
A sorte não é mercado
Que se consiga comprar.

Porque nasci afinal…
Neste monturo sem vida,
Só vi choros, só vi mal
Só vi peitos sem guarida.

Por ti chorei, e afinal
Meu pranto nada valeu,
Que importa um amor leal
Se outro amor nunca nasceu.

Possuir a felicidade
É um sonho tão profundo…
Que até penso com saudade
Que não existe no mundo.

Primavera é sempre igual
Todos anos traz flores,
Mas a vida tem final
Leva consigo os amores.

Proibir a mendicidade…
Faz o homem sem pensar,
Mas não proíbe a caridade
Nem a vontade de dar.

Prometes-te e não cumpris-te
Sofre alguém esse teu porte;
O coração que feris-te,
Te pede contas na morte.

Quando eu um dia me for…
Não me chores, minha querida;
Pois quem morre por amor
Fica sempre nesta vida!

Quem me dera ser a lua
Num vaivém sempre a rodar,
Iluminar tua rua…
E no teu quarto espreitar.

Quero levar a saudade
Quando desta vida for…
É sonho da mocidade
Que sempre falou de amor.

Repara bem ao dançares
Que não te calquem os pés,
E se de par tu trocares
Podem te dar pontapés.

Risonhos dias vivi
Na vida que me foi dada,
Mas hoje já tudo esqueci
Desse sonho que foi nada.

Rosa branca que venero
Neste jardim de saudade;
És o amor mais sincero,
Que ficou da mocidade.

Se a desgraça fosse pão
Que a todos fome mata-se,
Eu não teria um irmão
Que na vida mendigasse.

Se a fogueira se apagou
Não te importes meu amor,
Outro fogo começou
Que dá muito mais calor.

Se a lei tudo castiga
Eu não sei porque razão…
Ou tudo é canto ou cantiga
Pra todos comer o pão.

Se algo sofri não sei quanto
E não sei quando nasci…
Pois tudo hoje é só pranto
Da mentira em que vivi.

Se a saudade é letra morta
Não o posso afirmar…
Só sei que me bate à porta
Mesmo sem eu a chamar!

Se a sorte nasce no prado
Sem ninguém a semear;
Triste sina este meu fado
Não consigo encontrar.

Se na vida não fui nada
Nada me deram pra ser,
Nasci de uma vida errada
Culpa teve o meu nascer.

Se o Sol tudo aquece
Só o comparo então;
Ao amor que se merece,
E aquece o coração.

Ser bem pobre e não ter nada
É dom que Deus nos legou;
Quando a vida terminada,
Vai cantar o que chorou.

Sonhando pela vida afora
Saudades feitas por mim…
Mas só me apercebo agora
Que este sonho está no fim.

Sonhei contigo, e a sonhar
Corri distâncias sem fim…
Pois só sei que ao acordar,
Estavas pertinho de mim.

Sou filho que por desgraça
Nada tenho pra comer,
Se ás vezes riu por graça
Sou hipócrita sem querer.

Tempo que passa é saudade
De algo que fica chorando.
São sonhos da mocidade
Que ficam por nós chamando.

Tudo lembro com saudade
Dos tempos que já lá vão,
Mas só vejo a bondade
Distante do coração.

Tu me deste a luz da alma
De um sonho quase acabado;
Hoje te oferto a vida calma,
Que abraçamos lado a lado.

Um português a cantar
Faz de uma trova canção,
Depois do verde provar
Canta por uma Nação.

sábado, 29 de junho de 2019

Colombina (1882 - 1963)


A palavra que revela
anseio, prazer e dor,
que toda a vida constela,
é sempre a palavra - Amor. 

Adeus - sinal de partida
do trem, do barco, do avião;
sempre carrascos da vida
dos que ficam, dos que vão...

Amar... quem dera eu pudesse
esse verbo definir: 
- É gozo de quem padece,
é uma lágrima a sorrir...

Amar, sendo espinho, é rosa,
é luz, sendo escuridão:
é uma amargura gostosa,
- voluntária escravidão.

Amor de mulher no todo
é um anjo posto de rastros;
desce mais baixo que o lodo
ou sobe acima dos astros.

Amor no amor se resume,
sem pensamento mesquinho,
ódio nasce do ciúme,
como o vinagre do vinho.

A vida pode ser linda
um dia... uma hora, talvez,
mas toda a lindeza finda,
fica sendo: era uma vez…

Da frase que não disseste,
- que tanto tempo esperei -
do beijo que não me deste
eu jamais me esquecerei.

Das rimas revolvo a messe,
do ritmo busco o veludo...
No entanto, se eu te dissesse:
- eu te amo - diria tudo.

É na cartilha da vida 
que a gente aprende de cor
(e depois de tanta lida)
que...não saber é melhor...

"Eu te amo" - frase pequena
que num segundo se diz;
um paraíso ela acena,
faz, quem a escuta, feliz!

Felicidade seria,
para mim (juro por Deus!),
dizer-te sempre "Bom-dia",
e nunca dizer-te "Adeus".

Meu bem comigo zangou-se.
Que motivo eu lhe daria?
Não sei, não. Mas, talvez fosse
por amá-lo em demasia…

Meu bem escuta, em surdina,
a floresta a sussurrar:
- geme ao vento a casuarina,
escutando a voz do luar.

Meu bem, escuta a cigarra
cantando em pleno verão:
às vezes, é uma fanfarra,
muita vez - um cantochão.

Meu bem, escuta a tristeza
do trem, na curva a apitar...
Vai levando, com certeza,
um coração a chorar.

Meu bem, escuta as cantigas
das ondas crespas do mar:
as suas mágoas antigas,
querem, cantando, olvidar...

Mulher perdida na estrada,
que o mundo tange ao relento,
é pérola encarcerada
na concha do sofrimento.

Não adianta nada agora,
eu já não perco a cabeça.
Mas, é bom ires embora,
antes que tal aconteça…

Não te assuste a falsidade,
nem a palavra mentida:
Não estranhes a maldade,
porque são coisas da vida...

Não te odeio nem maldigo.
Por que motivo? Eu bem sei:
se sofrer foi meu castigo,
amar-te foi minha lei!

Quantos anos tem Maria?
- Não perguntes, pois é em vão.
Ela só responderia:
- Que falta de educação!

Quem me dera ter vinte anos,
não ter na alma cicatrizes!
Poder sonhar, fazer planos,
e acreditar no que dizes...

São sete letras, somente,
numa palavra a dizer
a mágoa que toda gente
terá que, um dia, sofrer...

Saudade - é sombra que fica
e tudo a cinzas reduz:
palavra que crucifica
dois entes na mesma cruz.

Saudade, febre que a gente
sem querer pode apanhar.
nunca mata de repente,
vai matando devagar...

Saudade, lâmpada acesa
no altar da recordação,
onde a ternura e a tristeza
rezam a mesma oração!

Se acaso eu fosse rainha,
dava a você meu reinado;
e, se fosse uma andorinha,
- o meu ninho no telhado.

Se é muito o que nós sofremos,
por mais que a vida nos fira,
o que do berço trouxemos,
somente a campa nos tira.

Se é triste sentir saudade,
muita saudade de alguém,
maior infelicidade
é não tê-la de ninguém.

Sentença justa que brilha
entre os avisos da estrada:
qualquer perdão, quando humilha,
é vingança disfarçada.

Trovas... A muitos parece
que são fáceis de compor:
talvez sejam, mas carece
ter alma de trovador.

Trovas... Traços apagados
de uma vida já no fim...
Quando eu me for, namorados,
lembrem-se um pouco de mim!

Um barco à margem de um rio,
abandonado, sem remos...
lembrando todo o vazio
de um sonho que não vivemos…

Ventura - assim eu a traço
com a pena do coração:
o meu braço no teu braço
e na tua a minha mão.

Fonte:
Amaryllis Schloenbach

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Massilon Silva (Aracaju/SE)


Acabei com meu dinheiro
porque gastei como louco.
- Enganas-te cavalheiro,
o teu dinheiro era pouco.

A distância pequenina
de minha casa pra sua,
o seu olhar ilumina
de um lado a outro da rua.

A ordem de expositores
não desmerece o produto,
pois a ordem dos tratores
não altera o viaduto.

Ao ver-me cambaleando
não me olhe de soslaio,
nem fique me criticando.
Se a Bolsa cai, eu não caio!

Beberam na mesma taça,
sentindo da mesma sede,
hoje um pra outro não passa
de um retrato na parede.

Com bastante animação
eu vejo São João chegar,
vou entornar um quentão
na  calçada do meu lar.

Concordar eu não concordo,
aceitar eu não aceito,
mas que importa se discordo
se se faz do mesmo jeito?

Correndo de seu marido
pulei dez cercas de vara,
me senti mais perseguido
que Ernesto Che Guevara.

De tanto haver retornado
aos braços dessa menina,
eu já estou conformado,
regressar é minha sina.

Discordo dessa parada,
a sogra não é serpente,
mas sua língua afiada
mata qualquer um da gente.

Em maio por várias vezes
clamo e chamo por seu nome
mas nos outros onze meses
se eu não lhe chamar, reclame.

Em noites de lua cheia
um lobisomem percorre
as ruas de minha aldeia,
se avista a gente, ele corre.

Enjoei deste lugar,
não fico mais nesta rua.
Vou construir nosso lar
na face oculta da lua.

Enquanto cresce a lambança
que nosso idílio morreu,
meu coração não se cansa
de correr atrás do seu.

Esse mau humor danado
está dando o que falar,
mas só será expurgado
se aquela ingrata voltar.

Eu bebi de sua mão
o vinho que me encantou,
mas depois comi do pão
que o diabo amassou.

Eu daqui me perguntando:
Mulher? É homem?  Não sei...
Só sei que vai desfilando
numa passeata gay.

Eu não tenho combustível
nem dinheiro pra comprar,
assim não vai ser possível
hoje à noite lhe encontrar.

Eu nem sei como é Dolores,
mas falam dela tão bem,
que até já lhe mandei flores
apaixonado também.

Examinando a quimera
do parentesco aparente,
descobri que a Primavera
é minha contraparente.

Hoje acordei bem cedinho,
discuti com o lençol,
abri da porta um tantinho,
colhi um raio de sol.

Invadiu meu coração,
sem nenhuma cerimônia;
fez uma devastação,
maior que da Amazônia.

Já estamos conversados,
não tem como nem porquê,
no dia dos namorados
o meu presente é você.

Já estou entregue às traças,
gagá e quase demente,
mas quando bebo cachaça
fico mais inteligente.

Maio,  Maria,  mulher,
mãe, matrona, matriarca,
musa, madame,  o que quer
que seja tem sua marca.

Mesmo de corpo alquebrado
ela vai e não reclama.
Alguém inspira cuidado,
é a voz do filho que chama.

Não choro tua partida,
nem pra ficares te peço,
pois sei que pra cada ida
haverá sempre um regresso.

Não pense que estou aflito
por não me chamar meu bem,
pois o amor mais bonito
é aquele que não se tem.

Não quero ser o seu dono
nem quero ser seu marido,
só quero perder o sono
nas barras do teu vestido.

Na tela do celular
eu escrevi nossa história,
o bicho achou de travar
e apagou da memória.

No mundo existe problema
até pra enterrar um morto,
porque se a cova é pequena,
o defunto fica torto.

Nosso amor resiste a vento,
a chuva e a trovoada.
Uma briga de momento
é sereno, é quase nada.

O mar da tranquilidade
hoje estava diferente.
Fui ver sua claridade,
a terra ficou na frente.

O nordeste está mudado,
São João não tem quadrilha,
tudo agora é concentrado
lá no planalto, em Brasília.

Por favor! Não vá embora!
Sorva o copo por inteiro.
Pra quem sai antes da hora
a festa acaba primeiro.

Porque deixei sem querer
nossas malas em Manágua,
não precisava fazer
tempestade em copo d'água.

Pra montar o Minotauro
e cavalgar livremente,
quero a Próxima Centauro,
não uma estrela cadente.

Procurei no céu a lua,
um eclipse a escondeu,
mas pra clarear a rua
basta-me um sorriso teu.

Quando esta chuva passar
e um pote de ouro vires,
não tens como se enganar,
é a base do arco-íris.

Quando o assunto é extenso
e dissertá-lo me estorva,
resumo aquilo que penso
ponho tudo numa trova.

Quando ouvir alguém batendo
na porta de sua vida,
venha abrir,  venha correndo,
sou eu voltando,  querida.

Querem mudar meu destino
ao dizer-me que não pode
num restaurante grã-fino
comer buchada de bode.

Quisera que a lua cheia
coubesse na minha mão
pra te ofertar, oh sereia,
junto com meu coração.

Se a tristeza que lhe invade
deixa seu peito infeliz,
quando estiver com saudade
leia os versos que lhe fiz.

Se decepção infame
lhe fez perder um amor,
seja forte, não reclame,
reclamar aumenta a dor.

Se eu chegar de madrugada,
a patroa desaprova.
Estando a porta travada
destravo a trava com trova.

Se eu não disser o que quero
nem você o que pretende,
fica nesse lero lero
e a gente nunca se entende.

Segredo é pra ser guardado
e é certeza que me cale,
quando estiver acordado.
Dormindo talvez eu fale.

Se os dias passam depressa
e todo tempo é agora,
ame muito, tenha pressa,
antes que o amor vá embora.

Só depois de ter achado
o que há muito foi perdido,
descobri que aquele achado
já não fazia sentido.

Sobre o mistério que ronda,
Da Vinci um dia escreveu
que o rosto é da Gioconda,
mas o sorriso é o teu.

Sua ausência me faz triste,
uma tristeza sem fim,
confesso que não existe
outro triste igual a mim.

Trovaram pra seus amores
toda a noite sem parar,
de manhã nasceram flores
na janela do solar.

Zé Sabino no passado
foi marinheiro de fama,
depois virou Deputado,
navegou num mar de lama.

terça-feira, 25 de junho de 2019

Marlê Beatriz Jardim Araújo (Viamão/RS)


Acredito que a existência
seja um circo onde ninguém
escapa da experiência
de ser vaiado também...

“Águas de março” fizeram
um temporal de verão,
com mágoas que não couberam
na paz do meu coração.

A imaginação flutua,
dando à vida mais sabor:
– Que a Lua é muito mais lua,
nos versos de um trovador!...

Alegria, se eu te sinto,
não obstante os sermões,
é que em todo o labirinto
Deus me aponta as direções.

Alvorada, se eu pudesse,
faria, em trovas, um hino
pedindo, a Deus, que fizesse
de alvoradas, meu destino!

Ao desviar da espinheira
que, de espinhos transbordava,
caiu na isca certeira
do ouriço que o espreitava!

Ao pensar num bom presente
que leve alegrias novas,
sempre, o que me vem à mente,
é um belo livro de trovas!

Aquela rima que enfeita
e harmoniza os versos meus,
somente, se faz perfeita
quando é soprada por Deus.

Arroubos de juventude,
sonhos, projetos sem fim,
vem da Usina da inquietude
que trago dentro de mim!...

As estrelas se parecem
com vaga-lumes no céu,
ou serão eles que esquecem
que são estrelas ao léu?

As mágoas, os dissabores,
vê se esquece, segue em frente,
e planta, por onde fores,
do amor e paz, a semente.

As poças d’água da rua
brincam de espelho quebrado,
há em cada poça uma lua
e um belo céu estrelado.

Às vezes, por um momento,
sem que eu saiba definir,
me entristece, esse lamento,
que o vento me faz ouvir.

Bateu-me à porta, eu abri,
não sem antes ver quem era...
E, em pleno inverno, caí
nos braços da primavera.

Bendigo essa luz que, um dia,
em minha estrada brilhou,
e resgatou a alegria,
que o tempo quase apagou.

Cai a neve, mansamente,
e, enquanto não se desfaz,
faz-se altar na alma da gente
com flocos brancos de paz.

Com a água não se deu bem,
o clone de peixe-boi:
- Sem saber quem é de quem,
atrás da vaca ele foi!

Das angústias me desfaço,
ante a fé que se renova,
nestas viagens que faço
no belo mundo da trova!

Destino menino arteiro,
enquanto o mundo rodava,
te tornavas timoneiro
de tudo o quanto eu sonhava.

Desviava a todo instante,
da sogra o genro arredio...
E a coroa “itinerante”
o apelidou de "Desvio"!!!

Diferente e brincalhona,
é a chaminé que inventei:
não polui, pois não funciona,
para o que serve... não sei!...

É na ciranda das horas,
que passam todas as juras.
Passam, também, as demoras
e, até mesmo, as amarguras!

Era tão magro o Domingos
que, enquanto a chuva rolava,
ele passava entre os pingos
e nem sequer se molhava!...

És muito mais que um marido,
és um pai, amigo, irmão.
És, para sempre, querido,
dono do meu coração!

Essa agridoce saudade
que faz da gente refém,
maltratada, é a verdade,
mas nos conforta também.

Faço de conta que a vida
vive a sorrir para mim
e ela, então, descontraída,
me abraça a sorrir enfim.

Fez pose no trampolim
mas, distraído, o Janjão,
só dentro d'água é, que, enfim,
viu que estava sem calção!

Há na beleza selvagem,
que a cascata canta em festa,
emocionante mensagem
de quem criou a floresta!

Lembro a cidade natal
e, eis que meu lado criança
se aninha, inteiro, afinal,
na ternura da lembrança!...

Lembro a família reunida
na infância, já bem distante!
E uma saudade atrevida,
abraça-me nesse instante.

Magia é ver, finalmente,
o tempo a concretizar
aquele sonho, que a gente
passou a vida a sonhar.

Meio tristonho e sozinho,
às vezes me sinto assim...
Quando as pedras do caminho
parecem zombar de mim!...

Mundo mágico onde eu vivo!
Teus versos tão desiguais,
são flores, as quais cultivo,
nas trovas, cada vez mais!

Na estrada que coube a mim,
os entraves não são raros:
mas estradas... são assim...
Cabem a nós, os reparos.

Na primavera, até a chuva
é um festival de harmonia,
caindo feito uma luva
na mão radiosa do dia!

Neste dilúvio de sonhos,
neste mar, de quando em vez,
percebo acenos tristonhos
de um sonho, que se desfez.

Ora é médico, ora é louco...
Filósofo, quando a sós...
No ator, há bem mais que o pouco
que existe em cada um de nós!

O tempo passa veloz,
contudo deixa lembrança;
posso até ouvir a voz
do meu tempo de criança.

O tempo, viajor mutante,
nada o prende, nada o solta;
traz saudade e, num instante,
tem-se a ilusão que ele volta.

Paira ternura infinita
na forma de um Beija-flor.
E a flor se faz mais bonita
num intercâmbio de amor.

Para encontrar um desvio,
oscilou, tanto, o bebum
que, depois de um rodopio,
não quis mais desvio algum!

Peço ao vento cirandeiro,
das madrugadas de outono,
que seja o meu seresteiro,
mas que não me roube o sono!

Quando a distância incomoda
parece, que por maldade,
insiste, em brincar de roda,
com a lembrança, com a saudade!

Quando a dúvida persiste,
eu busco a Fé, simplesmente,
e espanto esse canto triste
dos labirintos da mente!

Quando a neblina persiste
e embaça toda a janela,
ao invés de ficar triste,
eu faço trovas a ela.

Quando a sonhar eu me ponho,
sem pressa de despertar,
a paz, que envolve meu sonho,
faz com que eu volte a sonhar!

Quando o grilo atrapalhado
num desvio se embrenhou,
mostrou-se tão desviado
que o cri-cri desafinou!...

Quando pular a fogueira,
não use de indecisão,
que fogo passa a rasteira
e queima até a distração!...

Resgatei, daqui e dali,
lembranças tantas e tais,
que em meu coração, senti
bater saudades demais.

São palhacinhos bisonhos,
num carrossel de ironia,
os retalhos dos meus sonhos,
que guardei dia após dia.

Seduz-me a luz do luar
que, a versejar, me conduz
e até me leva a pensar
que é feiticeira essa luz!...

Sugiro ao tempo, que passa,
que não corra tanto assim!
E o tempo, só por pirraça,
passa voando por mim!

Tanto arrepio sentia
um fantasma diferente,
que, assombrar, não mais queria,
por medo de virar gente!

Toda a florzinha do campo,
despretensiosa, singela,
tem, por perto, um pirilampo,
tem alguém que goste dela.

Todos os anjos que cantam,
no coral do entardecer,
são trovadores que plantam
sementes no alvorecer!

Um arrepio gelado,
diferente dos demais,
deixa, até mal-assombrado
quem não arrepia mais!...

Um trovador é capaz
de harmonizar universos,
pelas propostas de paz
encontradas em seus versos.

Vejo através da vidraça,
na noite morna de outono,
o vento varrendo a praça,
levando junto o meu sono.

Venho de um tempo em que a vida
era tão descomplicada,
que a Lua, mesmo escondida,
brincava com a criançada!

Vestiu de branco a cascata,
fez a mala, a fauna, as flores,
e uma janela de prata,
nos céus, para os trovadores.

Vez em quando, a fantasia,
nessa praia, veraneia
e acende a luz da poesia
em meus castelos de areia!

Vi passar a mocidade
de braços dados ao vento:
Deixou rastros, que a saudade
me traz a cada momento.

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...