quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Aparício Fernandes (Trovadores Indígenas)


É sabido que a Trova já existia em Portugal, na época do descobrimento do Brasil. Vai daí, os portugueses trouxeram-na para nossa terra, onde encontrou um meio fertilíssimo para aprimoramento e expansão. Impõe-se, porém, uma pergunta fascinante: existiria a Trova no Brasil, antes de os portugueses aqui chegarem? Não estaria ela integrada à cultura artística dos nossos indígenas? A ser isto verdade, teríamos uma dupla origem da Trova no Brasil, justificando a inegável tendência do nosso povo pela quadrinha setissilábica. A este respeito, o Professor Faris Antônio S. Michaele, residente em Ponta Grossa, no Paraná, escreveu um interessantíssimo estudo intitulado “O Nosso Primeiro Trovador”‖, que foi publicado no n. 128 da revista santista Centro Português, em setembro de 1968. Eis um trecho do referido artigo, que submetemos à apreciação do leitor, sem maiores comentários:

Os nosso primeiros trovadores foram, de fato, os índios, principalmente os tupis-guaranis. É o que nos informam os cronistas, viajantes e missionários do Século XVI (Gabriel Soares de Souza, Fernão Cardim, Ambrósio F. Brandão, Magalhães Gandavo) e confirmam os estudiosos de séculos posteriores, até os dias atuais (Alexandre Rodrigues Ferreira, Couto de Magalhães, Barbosa Rodrigues, Batista Caetano, Batista Siqueira, Villa-Lobos, José Siqueira, Mário de Andrade, etc.), não excluindo o alemão Von Martius, que tanto viajou e sofreu por este ilimitado continente.

Trovas amorosas, folclóricas e até de fundo animista são facilmente encontradas nas obras desses autores dos séculos XIX e XX. Mas o que nos faz pensar um bocado sobre a vivacidade mental do nosso irmão tupi-guarani é a mordacidade, que nada tem de primitiva, das suas composições referentes às agruras da vida, aos contatos com o português (termo geralmente usado para caracterizar os brancos de todos os tipos), ou às contínuas perseguições, massacres e espoliações injustificáveis, num país tão vasto.

De Von Martius todos já conhecem as duas quadrinhas, adaptadas por Joaquim Norberto do seguinte modo:

Não quero mulher que tenha
as pernas bastante finas,
com medo que em mim se enrosquem
como feras viperinas.

Também não quero que tenha
o cabelo assaz comprido,
que em matos de tiririca
achar-me-ia perdido.


Da boca de dois tupi-guaçus, vindos de Aquidauana, Estado de Mato Grosso, ouvimos, há alguns anos, algumas trovas, que vamos reproduzir no original, com a respectiva adaptação ao português, por nós realizada.

São cantadas em nheengatu, ou tupi moderno:

1
Cariua, puxyuéra oikó,
Anhangá opinima ahé;
Tatá opumun i pó,
Tiputy, i iurú popé.

Tradução:
Português é bicho mau,
foi pelo diabo pintado.
Sua mão vomita fogo,
tem boca em lugar errado.

2
Irara ou iané ira,
Iauraeté, capiuàra;
Ma, Caríua piá-puxy,
I mukáua-iucaçára.

Tradução:
Irara comeu o mel,
onça grande, a capivara;
porém é o branco cruel
que a espingarda nos dispara.

3
Caríua, ndê tinguaçú;
Caríua, macaca sáua.
Andirá ce py opitera:
– Ce manioca ndê reú.

Tradução:
Homem branco, nariz grande,
como o macaco, és peludo;
morcego, chupou meu pé,
comeste mandioca e tudo.

4
Macaca tuiué, paá,
Cuiambuca ahé Okuáu;
Amurupi, iané piá,
Mundé çui, nti oiauáu.

Tradução:
Dizem que macaco velho
nunca se deixa enganar;
ao contrário, o coração
nunca cessa de apanhar.


Como estão vendo os leitores, o indígena brasileiro, que produziu a maravilhosa cerâmica de Marajó; que como ninguém conhecia os astros e coisas do firmamento; e que ao branco ensinou mil e uma experiências úteis, até de fundo medicinal, era, igualmente, e é, ainda hoje, estupendo cultor da poesia e, com especialidade, da Trova.

Por isso, sem nenhuma reserva, merece, com os nossos agradecimentos, o título espetacular de o primeiro ou mais antigo trovador da terra de Santa Cruz.

Fonte:
Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Calazans Alves D’Araújo (1902 - 1976)

Ao ver-te colhendo flores,
tive esse desejo vão:
transformar-me numa flor,
para estar em tua mão.
- - - - - –

É meu peito uma gaiola
vazia, sem passarinho.
Ah! Se eu pudesse, menina,
guardar nele o teu carinho!
- - - - - –

Este nosso velho mundo
já não está prestando mais:
rapaz querendo ser moça…
moça a querer ser rapaz...
- - - - - –

Eu sou como aquele ramo
da roseira, que ficou
muito triste, sem a rosa
que mão perversa arrancou.
- - - - - –

Eu sou seu, você é minha,
somos os dois – galho e flor
juntinhos, amando e rindo,
felizes no nosso amor.
- - - - - –

Invejei aquele feio
e miserável mendigo
que te pediu uma esmola…
(e eu nunca falei contigo!)
- - - - - –

Nasci no Brasil: me orgulho
de ser daqui do Nordeste,
onde as mulheres são lindas
e os homens cabras-da-peste.
- - - - - –

O beijo da nossa linda
morena pernambucana,
é gostoso como o mel
feito da cana-caiana.
- - - - - –

O vento desfolha as flores,
jogando-as no pó do chão.
Fez assim com os meus amores
a cruel ingratidão.
- - - - - –

Quando Ziza por mim passa,
eu me ponho a suplicar:
- Nossa Senhora da Graça
não deixe Ziza casar…
- - - - - –

Quanto mais galopa o tempo,
corre veloz, vai-se embora,
mais meu coração te ama,
busca e quer, muito te adora.
- - - - - –

Que desejo extravagante
este do meu coração:
querer ser o travesseiro
onde dorme Conceição!
- - - - - –

Quem fez o céu tão bonito,
a floresta, o campo, o mar,
não devia ter-me feito
para sofrer e chorar.
- - - - - –

Que tenho sido na vida?
No mundo, que tenho sido?
— Um velho barco perdido
numa enseada esquecida...
- - - - - –

São meus olhos dois mendigos,
dois miseráveis plebeus,
pedindo, ao bater-te à porta,
uma esmola aos olhos teus.
- - - - - –

— Tão longe! — disseste olhando
o céu. Eu disse: Tão perto!...
Falei do céu de teus olhos,
alegrando meu deserto...
- - - - - -

Tu gostas de minhas trovas,
eu gosto do teu olhar.
Foi por causa dos teu olhos
que eu aprendi a trovar.
 - - - - - –

Vendo da mulher o riso
Diz a feroz onça preta:
- Não torço esse meu sorriso
por essa horrível careta.

****************************************
Calazans Alves D'Araújo nasceu em 1902 e faleceu em 1976. Residia em Catende/PE. Poeta e trovador. Professor em diversas cidades do Pernambuco. Publicou em 1961 um livro intitulado "Ao Doce Embalo da Rede", trovas e em 1973, “Flauteio do Sabiá”.

Fontes:
– Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva.
– Calazans Alves D’Araújo. Ao doce embalo da rede.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Hermoclydes S. Franco (Oração de São Francisco em Trovas)

Hermoclydes Siqueira Franco
Niterói/RJ, 1929 – 2012, Rio de Janeiro/RJ
_________________
Fazei-me agente Senhor
de Vossa radiosa paz.
Permita que eu leve o AMOR
onde o ÓDIO esteja mais...

Onde estiver a OFENSA
que eu sempre espalhe o PERDÃO...
Onde houver DISCÓRDIA, intensa,
que eu sempre faça a UNIÃO!

Onde DÚVIDA existir,
que eu possa levar a FÉ
e onde o ERRO persistir,
toda a verdade da SÉ...

DESESPERO em ESPERANÇA,
TRISTEZA em pura ALEGRIA,
que eu transforme, com bonança,
as TREVAS em LUZ do dia...

OH! Mestre – Amor Singular –
concedei, seja meu fado
CONSOLO a todos levar,
mais do que ser CONSOLADO!

Que eu consiga COMPREENDER,
mais do que ser COMPREENDIDO.
Possa AMAR, com todo o ser,
muito mais que SER QUERIDO!

Pois DANDO é que se RECEBE
- ao irmão necessitado -
PERDOANDO se percebe
que, também, se é PERDOADO!

Dai-me, Senhor, a esperança,
pela maneira mais terna,
pois MORRENDO é que se alcança
a glória da VIDA eterna!…

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A. A. de Assis (Bela alma a do poeta)

  
Bela alma a do poeta
 
Quantos sons você conta aí?…

Suponhamos que sete: Be-la-al-maa-do-po-e-ta.

Mas por certo haverá quem conte seis, ou mesmo cinco, dependendo do ouvido de cada um. Dá-se isso por obra do bendito hiato, o inimigo número um da métrica. Parece que para a maioria dos poetas brasileiros o verso fica mais agradável quando se respeitam os hiatos, porém outros acham mais natural fundir as vogais. E como é que se resolve isso? Sabe-se lá…

O maior drama é nos concursos. Você não sabe se conta poe-ta ou po-e-ta. O jeito é torcer para que os julgadores acatem o sotaque de cada autor. Em regra, não se derruba nenhuma trova em razão desse problema; entretanto, mesmo assim, o concorrente fica de pé atrás, pelo medo de quebrar o cujo…

A tendência, como foi dito, é pronunciar po-e-ta, vi-a-gem, a-in-da, a-al-ma, a-ho-ra, o-homem, o-ou-ro, po-ei-ra, su-a, to-a-da etc.

Mas… e se você não concordar? Tudo bem. Você continuar escrevendo seus versos do modo que mais lhe agrade, e pronto. Afinal de contas, quem manda no texto é o autor. Se bem que alguns, por via das dúvidas, têm feito o seguinte:

Se, por exemplo, mandam a trova para um concurso no Rio de Janeiro, contam "fri-io", em dois sons;

Se o concurso é em São Paulo, contam "friu", num som apenas.

Outros, mais cuidadosos ainda, procuram de toda forma evitar hiatos.

Resolve? Bem… Pelo menos pode livrar a trova do risco de perder pontos por não soar bem no ouvido do julgador. São ossos que o poeta encontra em seu delicioso ofício…

Fonte:
Revista Virtual Trovia – ano 8 – n. 88 – Outubro 2006

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Izo Goldman (Orientação para Participação em Concurso de Trovas) Sistema de Envelopes


1 – Não envie a mesma trova para mais de um concurso.

2 – Nos envelopes (de mais ou menos 7 x 11 cm), não datilografe/digite nada além da trova, a não ser o tema (quando o concurso exigir – e a maioria o faz).

3 – Não datilografe/digite a trova toda em maiúsculas.
 
Nota do blog: Não escreva no envelope com letras manuscritas, mesmo que em letra de forma, serão automaticamente eliminadas.

4 – Não utilize envelopinhos transparentes, nem de outra cor que não seja a branca.

5 – Os concursos apoiados por Seções ou Delegacias da UBT devem seguir a tradição do sistema de envelopes, que consiste em datilografar-se a trova na face externa de envelopinhos, com a identificação, endereço e assinatura do concorrente colocados em seu interior. No envelope que conterá o/s envelopinho/s colocar como remetente: LUIZ OTÁVIO e o endereço do concurso como na face da frente, ou o nome do concurso com o respectivo endereço. Nunca colocar qualquer identificação pessoal do lado externo do envelope.

6 – Ao receber comunicado de classificação e convite para as  festividades de um concurso, não deixe de responder, ainda que sem possibilidade de comparecimento, para que os coordenadores tomem as providências necessárias.

7 – Os concursos geralmente possuem âmbito municipal, âmbito estadual, âmbito nacional e/ou âmbito internacional. O trovador só poderá participar de um deles, aquele determinado pelo seu domicílio.

Caso hajam trovas líricas/ filosóficas e humorísticas, é facultativo ao trovador participar de um deles ou ambos.

8 – Alguns concursos não permitem o uso de derivados ou palavras cognatas. Outros, exigem que a palavra Tema conste da trova.

9 – Observar o número máximo de trovas que pode ser enviado ao concurso.

10 – A Comissão de seleção das trovas do concurso elimina apenas as trovas com erros, fora do tema, sem sentido, etc., não importando a qualidade.

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...