quarta-feira, 23 de junho de 2021

Maria Thereza Cavalheiro: O Bom Trovar (IV - O que evitar)

 

Embora alguns autores entendam que o enjambement possa dar realce a certas palavras, somos de opinião que deve ser evitado na trova.

Enjambement é quando palavras que pertencem ao grupo tônico de um verso, à sua unidade, passam para o verso seguinte, onde completam o sentido, muitas vezes com prejuízo para o valor da rima.

Ex:
Seguimos pela estrada
da vida, com nossas mãos
unidas; etc.

Versos sibilantes, com muito s e z, podem ser desagradáveis:

Fez-se mais triste depois.
Sentiu-se assim mais sincero.
Sem sentido se exaspera.

Evite-se a colisão, que é o encontro de sons iguais ou semelhantes também com efeito acústico reprovável:

Pois esse se separou.Foi um dardo do destino.

Sons duros seguidos devem ser evitados:

Foi ele que quis o amor.
Quer quanto vale um tesouro.
Ninguém tem amor à dor.

No último exemplo houve também um cacófato:

morador.

É bom ler em voz alta nossas trovas, para detectar possíveis cacófatos, que é quando do encontro de sons em uma frase resultam palavras ridículas, estranhas ou simples efeito desagradável ao ouvido.

Na humorística, às vezes o cacófato é usado de propósito, para um efeito que leve à hilaridade.

Eis alguns cacófatos corriqueiros:

em festa - infesta;
mas não - asnão;
só com - soco;
se enterra - sem terra;
vez passada - vespa assada;
ela tinha - é latinha;
em versos - inversos;
uma mão - um mamão;
por causa - porca;
da nação - danação;
mas que - masque;
compus - com pus;
amor tem - a morte em;
tu me amaste - tu mamaste;
alma minha - maminha.

Quanto ao uso de nomes próprios na trova, embora comum, somos de opinião que deve ser evitado, mesmo na quadra humorística. Só se justifica em trovas de homenagem. Fazemos exceção para o nome Maria, quando designa mulher, e sem ter sentido pejorativo.

Como no exemplo:

Por duas Marias erra
meu viver de déu em déu:
- a que me perde, na terra,
- a que me salva, no céu.
J. G. DE ARAÚJO JORGE

Na trova, devem ser evitados certos recursos para dar ao verso o número de sílabas, as chamadas cavilhas, que são palavras de apoio para completar a frase melódica, tais como:

meu bem, querida, meu amigo, meu rapaz, eu suponho, todos sabem, todos dizem, creia, acredito, veja bem.

Na maioria das vezes, essas expressões nada acrescentam à trova. Mas pode ocorrer também de serem bem empregadas, como no exemplo seguinte:

Quando à festa vens, querida,
em minha casa modesta,
a festa ganha mais vida
e a vida ganha mais festa!
ANTÔNIO ZOPPI

Evite-se, também, o estrangeirismo - uso de palavras e construções estranhas à nossa língua.

Cuidado com o eco - fonemas que se repetem no verso sem nenhum intento específico de valorização da trova.

Atenção especial com os erros de gramática.

Solecismo é, em sentido lato, toda e qualquer infração cometida contra a língua pátria. É muita pena quando uma bela trova apresenta lapso gramatical. O poeta deve dominar os seus meios de expressão.

Achamos de muito mau gosto fazer pilhéria sobre infortúnios ou ridicularizar pessoas em razão de credo, raça e sexo. Infelizmente, a trova humorística presta-se muito a isso. A mulher, principalmente, é bastante visada. Faz-se piada com a sogra, a velha, a empregada, a grávida, a mulata.

Zombar de alguém em nada contribui para a melhoria do mundo, que necessita de mensagens fraternas.

Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Ed. do Autor, 2009

terça-feira, 22 de junho de 2021

Maria Thereza Cavalheiro: O Bom Trovar (III - Figuras na Trova)

 

A trova se valoriza pelo achado, pelo inusitado - algo que surpreende no momento da criação. É uma nova forma de dizer o que já foi mil vezes dito; uma ideia diferente para expressar alguma coisa comum. Pode ser um jogo de palavras, uma metáfora, uma rima original. O achado é uma descoberta.

Como elementos de valorização da trova, merecem atenção especial as figuras de estilo, recursos que dão ao verso maior colorido e fulgor.

Elas são muitas e se dividem em figuras de palavras (ou tropos), figuras de pensamento e figuras de construção.

Entre as figuras de palavras, temos
 a metáfora (e suas modalidades, como personificação, símbolo, sinestesia),
 a comparação e a metonímia.

Entre as figuras de pensamento, estão
 a antítese ou contraste,
 o paradoxo,
 o eufemismo,
 o trocadilho.

Entre as de construção temos
 a onomatopeia,
 a aliteração,
 a elipse,
 a reticência,
 a repetição.

Muitas vezes esses termos se confundem e simplificadamente são chamados de figuras, imagens ou metáforas em sentido lato.

Na metáfora, em sentido estrito, a imagem se revela por si só, de modo implícito. Sem nenhum suporte para sua expressão, o que a torna mais viva e dinâmica que na comparação. Assim:

Muitas vezes imagino,
nos meus dias desolados,
que o meu coração é um sino
dobrando sempre a Finados.
BELMIRO BRAGA

Faz contraste com o céu
o pinheiro verdejante;
é uma taça erguida ao léu
em louvor do caminhante!
MAFALDA DE SOTTI LOPES

No ocaso, em tarde sombria,
que à saudade nos conduz,
a sombra é o pranto do dia ,
chorando a ausência de luz.
FERREIRA NOBRE

Disse-me a fonte na mata,
nos ternos cânticos seus:
- O Poeta é a flauta de prata,
o Poema - o sopro de Deus!
LEONARDO HENKE

Na comparação ou símile, a imagem se revela com auxílio das palavras como, tal como, tal qual, qual, parece, e, por ser explícita, perde em geral um pouco de sua força. Eis um exemplo:

Meu coração, quando o ninas
com tuas juras de amor,
parece um templo em ruínas
todo coberto de flor!
LILINHA FERNANDES

Personificação, que também é denominada prosopopéia, animismo e animizaçâo, é a figura de linguagem em que seres inanimados ou irracionais agem como se fossem seres humanos:

Ao sol, as rosas vermelhas,
sensuais, tontas de luz,
à carícia das abelhas,
vão expondo os colos nus!
JOUBERT DE ARAÚJO SILVA

Símbolo é quando se toma, sistematicamente, uma coisa, de valorização universal, por outra, a exemplo de cruz, que pode simbolizar o Cristianismo, a dor, a morte; ou regaço, que pode referir-se a colo materno:

A vida é apenas um traço
com jogos de sombra e luz,
que partindo de um regaço
vai terminar numa cruz.
VERA VARGAS

Sinestesia é quando se confundem os planos sensoriais, usando-se de um sentido por outro, para um determinado efeito. Como nos versos:

Vê-se o canto da araponga.
Ouve-se a luz da manhã.
Enxerga-lhe a cor da voz.

Metonímia é quando se diz uma coisa por outra, o efeito pela causa e vice-versa:

cãs, por velhice;
primaveras, por anos;
suor, por trabalho.

É bastante comum na trova e a enriquece sobremaneira:

As cãs mostravam o tempo.
Na primavera da vida.
Suores de muitos anos.

Na antítese ou contraste, juntam-se ideias opostas pelo sentido:

Trouxe-me grande valia
a verdade que aprendi:
toda pessoa vazia
é sempre cheia de si...
DELMAR BARRÃO

No paradoxo, as ideias são contraditórias, a sugerir erro, mas podendo conter uma verdade:

Meu olhar vago relata,
numa tristeza incontida,
que o grande amor que me mata
é o mesmo que me dá vida.
LEOPOLDINA DIAS SARAIVA

Quando preso num recinto,
desejo livres espaços.
Porém, mais livre me sinto
quando preso nos teus braços.
MÁRIO BARRETO FRANÇA

O eufemismo é uma maneira de suavizar uma realidade desagradável, é quando se diz uma coisa por outra menos contundente:

Foi para o mundo estelar - faleceu.

No trocadilho, há palavras de sons semelhantes e sentido aparentemente dúbio, às vezes com o intuito de fazer graça:

Foste uma flor de papel / fazendo papel de flor.

Na elipse, um ou mais termos ficam subentendidos na frase:

Rosa é flor, também mulher.

Na reticência, há uma suspensão propositada do pensamento:

Era um amor sem controle...

Repetição é quando se usa uma expressão por mais de uma vez, para o efeito de realce:

Branca a nuvem, branca a paz.

A onomatopeia e a aliteração, termos que muitas vezes se confundem, podem trazer muita originalidade à trova.

Aliteração é a repetição de fonemas iguais ou parecidos para, através do som, sugerir uma ideia:

Onda redonda assomou.

A aliteração aproxima-se muito da onomatopeia, que, em sentido estrito, é quando um único vocábulo dá a ideia acústica:

o marulho das ondas,
o farfalhar das ramagens.

Em sentido lato, a onomatopeia refere-se a todos os processos e efeitos que levem a sugerir um determinado ruído.

Bate o vento, o vento bate.

A assibilizaçâo (sons sibilantes, excesso de s e z), que normalmente se condena, pode também servir à aliteração:

Zunem com asas de brisa.

Várias imagens podem aparecer com frequência em uma mesma trova, e seus nomes também muitas vezes se confundem.

Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Ed. do Autor, 2009

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Maria Thereza Cavalheiro: O Bom Trovar (II - Os ictos - o ritmo - a cadência)

 

Muitos autores têm declarado que na trova não há um esquema acentuai obrigatório e, por isso mesmo, os versos de sete sílabas são chamados de arte menor, em contraposição aos versos de mais de sete, estes sujeitos a ictos obrigatórios e chamados de arte maior.
          Em verdade, porém, o setissílabo apresenta oito ritmos recomendáveis, e a trova pode - e deve – para não ser monótona,  apresentar variedade sonora em seus versos.
         Icto é o acento obrigatório no verso, que marca o seu ritmo. Este varia conforme a disposição das sílabas tônicas e átonas no verso. Muito embora se  confundam em sentido lato, diferenciam-se ritmo e cadência. Assim, conforme os ictos, o ritmo pode ser variável, mas a trova, como diz Francisco Nogueira, "pode ter ou não uma cadência, que é a repetição do mesmo ritmo nos quatro versos", a qual é, assim, invariável.
         Eis uma trova com a mesma cadência nos quatro versos e com o ritmo 3-5-7:

CoraÇÃO de MÃE - canTEIro
 em peREne FLOraÇÃO,
 onde um SANto JARdiNEIro
 planta as ROsas DO perDÃO.
 MARILITA POZZOLI

         A seguir, uma de Autor desconhecido, com versos todos no ritmo 1-3-7:

 EU queRla, ela queRla;
 EU peDla, ela neGAva;
 EU cheGAva, ela fuGla,
 EU fuGla, ela choRAva.
 ANÔNIMA
        
Já vimos que o verso se conta até a última sílaba tônica, e, assim, o setissílabo tem sempre um icto na 7a. São as tônicas que dão, também, a acentuação interna do verso, elas que marcam os ictos e dão o ritmo.
   Registramos, pois, os oito esquemas referidos, cada um exemplificado com verso de nossa autoria, também com os ictos em letras maiúsculas:

ÉS meu SOL: EsTREla-GUIa                        1-3-5-7
BUSco a esTREla no caMInho                     1-3-7
A disTÂNcia é MEU torMENto                       3-5-7
A sauDAde é passaRlnho                            3-7
Minha trisTEza é infiNIta                             1-4-7
Uma espeRANça que DORme                      4-7
LemBRANças QUEImam: são BRAsas          2-4-7
A NOIte faBRIca esTRElas                           2-5-7

         Lembre-se que há palavras que têm um acento próprio, tônico, bem marcado: flor, quimera, rápido. Em outras, esse acento não é tão sensível: sereno, acidente, monte. Na sequência de vocábulos, principalmente essas palavras que não têm um acento marcante podem apresentar acentuação oscilante, sujeita ao ritmo global do verso. Há um processo natural de acomodação das palavras ao ritmo. Em função do conjunto fonético, as sílabas graves e tônicas, conforme sua disposição no verso, podem aumentar ou diminuir de intensidade. Daí também um mesmo verso poder apresentar mais de um ritmo, a se enquadrar ora num, ora noutro esquema.
         Observe-se que palavras longas podem ter um ou mais acentos secundários (subtônicas), o que acontece principalmente com palavras compostas: inTENsaMENte, AEroPORto, COUve-FLOR. Outras podem apresentar pronúncia variável, e receber um acento de intensidade : MIseRÁvel, MAraviLHOso.
         Palavras proparoxítonas apresentam também um acento secundário na última sílaba: LÍMpiDO, ÂNgeLUS, PÉRgoLA. No interior do verso, essas palavras podem contribuir para bons efeitos rítmicos. 
         Note-se que um verso aparentemente com acentuação apenas em 2-7 pode ter seu ritmo dado pela acentuação secundária em 2-4-7 ou 2-5-7, como em:

 DeBAIxo DOS serinGAIS                            2-4-7 ou
 DeBAlxo dos SErinGAIS                              2-5-7

         Autores conceituados incluem ainda no setissílabo o esquema 1-5-7, no qua! entra, mas forçadamente, para dar o ritmo, a acentuação secundária, no esquema 1-3-5-7. Na trova literária, porém, em nosso entender, o ritmo, no caso, se torna um tanto artificial. Como no verso:

 CAbe numa BARca DE Ouro                       1-5-7

         Já o esquema 2-6-7 foge completamente ao ritmo poético, tal como no exemplo: MosTROU-me o carroÇÃO VElho.
         O assunto, porém, é complexo: em caso de dúvida, apure-se o ouvido para o melhor resultado.
         Vejamos algumas trovas de ritmos variados, todas com boa sonoridade:

Os TEUS dois GRAMpos de PRAta                         2-4-7
LEMbram-me aGOra, ao prenDÊ-los,                     1-4-7
DUAS esTRElas briLHANdo                                   1-4-7
na NOIte dos TEUS caBElos.                                2-5-7
CORRÊA JÚNIOR

QUANto MAIS teu CORpo enLAço,                        1-3-5-7
 mais paDEço o MEU torMENto,                            3-5-7
 por saBER que MEU aBRAço                                3-5-7
 não PRENde o TEU pensaMENto.                         2-4-7
 JESY BARBOSA

SauDAde - perFUme TRISte                                 2-5-7
de uma FLOR que NÃO se VÊ.                              3-5-7
CULto que aINda perSiSte                                    1-4-7
num CRENte que JÁ não CRÊ.                              2-5-7
MENOTTI DEL PICCHIA

Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Ed. do Autor, 2009

domingo, 20 de junho de 2021

Maria Thereza Cavalheiro: O Bom Trovar (I - Rima: elemento imprescindível)

 

A rima é essencial na trova, e consiste na conformidade de sons de duas ou mais palavras, a partir da última vogal tônica. Assim, Maria rima com tardia - vogal tônica i; temerária rima com primária - vogal tônica a.
        Na trova, em sua forma mais simples, é regra que as rimas do 2° e do 4° verso, pelo menos, sejam consoantes, aquelas que conservam a conformidade total de fonemas a partir da última vogal tônica: destino - sino; planta - encanta. Mas podem haver bons efeitos sonoros também quando o 1° e o 3° verso trazem apenas rimas toantes, aquelas que apresentam identidade de sons somente nas vogais tônicas: dilema - pena; pedra - terra; lavra - escrava.
        As rimas podem ser perfeitas: mão - pão; sereno - pequeno. Ou imperfeitas: traz - mais; luz-azuis. No 2° e no 4° verso, devem ser evitadas as imperfeitas, mas acreditamos que, no 1° e no 3°, estas podem trazer sonoridade à trova. Algumas imperfeitas, por serem quase perfeitas, são, no entanto, admissíveis: boca- louca; beijo - desejo. Como na trova seguinte:

Essa que afasta os abrolhos 
de minha existência louca,
carrega a noite nos olhos
e a madrugada na boca.
ALCEU WAMOSY

No exemplo seguinte, todas as rimas são perfeitas:

Quem ama parece louco,
leva uma vida enganosa,
é como eu, que inda há pouco,
disse - Bom dia! a uma rosa.
MARTINS FONTES
        
São consideradas pobres as rimas de palavras da mesma classe gramatical e de verbos no mesmo tempo. Para nós, o que deve ser evitado é o emprego de rimas de advérbios em mente (finalmente - ternamente), de gerúndios (chovendo - sofrendo), de particípios (sofrido - colhido), e, o quanto possível, de verbos no infinitivo (amar - chorar; colher- sofrer, sorrir - partir, por- compor).
        Mesmo assim, pode haver uma boa trova com esses tipos de rimas, quando valorizada pela ideia, pelo achado. Vejamos as seguintes:

Para matar as saudades,
 fui ver-te em ânsias, correndo...
- E eu, que fui matar saudades,
vim de saudades morrendo!
ADELMAR TAVARES

A noiva passa levada
pelas asas do seu véu:
é como Estrela enfeitada
para uma festa no céu.
ABGUAR BASTOS

        E a seguinte, com todas as rimas em verbo:

Saudade é tudo o que fica
daquilo que não ficou;
lembrança, que mortifica,
daquilo que se acabou.
JOARYVAR MACÊDO

        É bom evitar, quanto possível, rimas de palavras derivadas, consideradas pobres: encanto - desencanto; tempo - contratempo; caminho - descaminho; crença - descrença; caldo - rescaldo.
        Vêm sendo comumente chamadas pobresas rimas fáceis, como as que se fazem em ar, or, ão. No entanto, podem ser obtidos bons resultados com esse tipo de rimas. Veja-se a trova seguinte, aliás, com rimas imperfeitas no 1° e no 3° verso:

Por esses campos azuis,
ó lua do meu sertão,
tu és um pente de luz
nas tranças da escuridão!
FÉLIX AIRES

        E esta, de rimas perfeitas, também cheia de simbolismo:

Velhinha, de vida breve,
já misturando estação,
a paineira chora neve
num vendaval de verão!
CARMEN OTTAIANO
        
A trova seguinte, com rimas em orno 2° e no 4° verso, é uma das mais bonitas da nossa língua:

Saudade, palavra doce,
que traduz tanto amargor!
Saudade é como se fosse
espinho cheirando a flor.
BASTOS TIGRE

        São consideradas ricas as rimas de classes gramaticais diferentes: medo(substantivo) - cedo (advérbio); chuva(substantivo) - desluva (verbo).
        Também as que se destacam pela originalidade: strip-tease - deslize; labirinto - retinto; cofre - sofre.
        São ainda consideradas ricas as rimas de palavras iguais mas com sentido diferente: muda (adjetivo) - muda (verbo).
        Rimas preciosas são rimas exóticas, obtidas com palavras combinadas: se abre- sabre; silêncio - pense-o; foice- foi-se; vê-la - estrela. Eis uma trova com rimas preciosas no 2° e no 4o verso:

A vida que vivo agora,
só me encoraja vivê-la,
porque a saudade, lá fora,
me vigia de uma estrela!
C. A. BEIRAL

        Rimas raras são aquelas pouco encontradas para determinadas palavras: cisne - tisne; noite - açoite; olhos - abrolhos- escolhos. Essas rimas, porém, se tornaram muito desgastadas.
        Rimas completas (também chamadas ricas) são aquelas em que há concordância inclusive nas consoantes que precedem as vogais tônicas: lavra- palavra; candelabro - descalabro.
        Rimas auditivas, diz-se daquelas em que há conformidade de sons, mas não de grafia: messe -prece; lasso - laço.
        As rimas de palavras agudas (oxítonas) são também chamadas masculinas; as graves (paroxítonas), femininas. Alguns são de opinião que a trova deve sempre ter início com verso grave.
        Outros condenam a trova só de versos agudos, que consideram "duros". Achamos exagero nessas opiniões, mas, no geral, preferimos começar a trova com verso grave, sem que isto seja uma regra.
        Vejamos uma trova com rimas agudas no 1° e no 3° verso, com bons efeitos sonoros:

Não tenhas tanto temor
 do veneno da serpente.
 Causa muito mais pavor
 a lingua do maldizente!
 ALICE DE PAULA MORAES

        Devem ser evitadas as rimas homófonas, isto é, as que tenham a mesma vogal tônica e o mesmo som (ou só aberto, ou só fechado). Mas as rimas homófonas podem ser compensadas com um bom jogo de vogais no interior da trova, que, assim, não ficará prejudicada, como na quadra seguinte, com a vogal tônica i:

Quando ri, um passarinho
sai cantando de teu riso,
para mostrar-me o caminho
que conduz ao paraíso.
MURILLO ARAÚJO

        Quando é a mesma vogal tônica, mas alternando sons abertos e fechados, não há homofonia:

Jamais se rende o penedo
ao delírio das marés.
O mar agride o rochedo,
mas sempre morre aos seus pés.
VASCO DE CASTRO LIMA

        Rimas internas são as que se repetem também dentro do verso, em geral aleatoriamente, e contribuem para o efeito sonoro. Na trova seguinte, recamadaé uma rima interna:

Minha vida é uma almofada
recamada de açucenas;
por fora - tão cobiçada,
por dentro - cheia de penas.
LOURDES STROZZI

        Não se deve aceitar como rima um som aberto com o mesmo som porém fechado: vela - estrela; belo - selo; bode - pôde; céu - seu; menor - alvor; leve - teve; credo - medo; redor - amor; ainda que haja exemplos de bons poetas nesse sentido.
        Os melhores efeitos são conseguidos com pares de rimas contrastantes. A rima valoriza a trova, mas a ideia, o achado, a mensagem, vêm em primeiro lugar. Vejamos algumas trovas com boas
ideias e rimas bem contrastantes:

Eu sei de uma negra cruz,
de tão negra não tem nome:
essa que o pobre conduz
pelo calvário da fome.
SEBASTIÃO SOARES

Nunca o amor se satisfaz
e sempre se contradiz:
Faz e não sabe o que faz,
diz e desdiz o que diz...
LUIZ RABELO

Naquele instante do adeus
do nosso encontro fortuito,
teus olhos e os olhos meus,
discretos, disseram muito.
HEITOR STOCKLER

A própria infância, também,
é do passado uma voz:
Saudade, às vezes, de alguém,
que vive dentro de nós...
HELVÉCIO BARROS

Quem não calcula a descida
 e faz da droga um suporte,
cai do trapézio da vida
na rede fria da morte.
HILDEMAR DE ARAÚJO COSTA

Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Ed. do Autor, 2009

sábado, 19 de junho de 2021

Therezinha Dieguez Brisolla (SP)

 


1
A canequinha da casa
pertence à mulher do Osíres.
"Tá" desbeiçada e sem asa
porque serve a muitos pires!
2
Ao pai dela, o cafajeste
explica: "Foi num pagode"...
O velho é um "cabra da peste"
e a moça explica: "Deu bode!"
3
Ao operar seu nariz
perdeu um olho, o Batista.
Vem outro louco e, então, diz
que o pagamento era a vista!
4
À pergunta: - Qual andar?
Responde o pinguço, a esmo:
- Onde quiser me levar;
já errei de prédio mesmo!
5
Ao ver que estava em perigo
fechou a Jane, a matraca...
É que o Tarzan, sempre amigo,
hoje "tava com a macaca"!
6
Ao vir "de fogo" recua
gritando, após a topada:
- Que faz um poste na rua
às duas da madrugada?!
7
A porquinha se casou
e chora o tempo inteirinho!
Bem que a mãe dela avisou:
"Não case com porco-espinho"!
8
Cai no trilho e a triste sina
maldiz tanto o beberrão...
"Essa escada não termina
e é tão baixo o corrimão!'
9
Bonita, pobre e sacana
é a nova mulher do Ernesto.
Do velho, só quer a grana
e, do filho dele... o resto!
10
 - Canta mal, essa "coroa"...
- Pois saiba que é minha tia.
- Se a música fosse boa...
- Pois é de minha autoria!
11
Chega tarde, o companheiro
e ao ver tanta grana, exclama:
- Como ganhaste o dinheiro ?!
Passas o dia na cama!!!
12
Chega a cantora, que é mestra
no gingado da cintura
e os integrantes da orquestra
nem olham pra partitura!
13
Chegou a sogra, querida,
e a desgraça aconteceu:
veio o cão... Com a mordida,
deu a raiva, e o cão morreu!
14
Chora de fome o povão!!!
Pro aperto, depois dos censos,
dá o governo a solução:
Distribui milhões de lenços!
15
"Com Deus, vou subir a serra
sem perigo... eu tenho fé!"
Na curva, o bebum se ferra...
Deus subiu, mas foi a pé!
16
Com a filha "naquele estado",
o pagode interrompeu:
- Confessa ou morre ...tô armado!
Os três confessam: "Fui eu".
17
"Depois do jantar, o mate",
diz, ao filho, o anfitrião.
Foge, ao perigo, o mascate.
Foi sem tomar chimarrão!…
18
Deram sumiço ao rateio
do mensalão!... e, por zelo,
o ladrão, lá do correio,
diz que não aceita sê-lo!
19
Deu, à sua esposa mística,
que finge chilique e ataque,
uma viagem turística...
E ela já embarcou pro Iraque!
20
Deus cria a lua... as estrelas...
e uma pergunta o inquieta:
"Quem poderá descrevê-las?"
Então, Deus cria o poeta!
21
Diz, já caduco: - Que tédio!...
E a esposa, sempre calminha:
“- Quer jogar dama?” E, do prédio,
ele jogou a velhinha!
22
Diz ao dançar, enfadonha:
- Você sua !!! ...     O Zebedeu
Bem caipira e com vergonha
Diz baixinho : vô sê seu !!!
23
Diz “Não” à sogra e à cunhada.
- é astuto e não cai na rede –
“Família, aqui, só a Sagrada
e pregada na parede!”
24
Diz que quer dormir comigo,
em qualquer canto, a Gioconda...
Pra não ter esse "castigo",
comprei a cama redonda!
25
"Dorme comigo!... é o Joaquim!..."
peço, quando telefono.
E hoje que ela disse "sim"
olha o aperto!... eu tô sem sono!
26
É mãe de um casal!... e é duro
olhar a cena espantosa:
a filha em pijama escuro!
- O filho... em babydoll rosa!
27
Envergonhado e sem jeito,
meu coração sonhador
conserta o ninho desfeito
enquanto espera outro amor!
28
- É o piloto... tô em perigo!...
Tem fumaça... e um fogaréu!...
- É a torre... reze comigo:
“Pai nosso, que estais no céu...”
29
Flagrando a esposa e o banqueiro,
pensa bem e esquece o orgulho:
-Vou precisar de dinheiro...
e sai sem fazer barulho!
30
Foi o bebum "muito esperto",
como eremita... e está crente
que, no calor do deserto,
o oásis é de água ardente!!!
31
Foi o par pro beleléu...
e o fantasma, em tom moderno:
- Venho, à noite, aqui no céu,
ou você vai lá no inferno?
32
Gera corrida e surpresa,
notícia mal pontuada:
"A Mulata Globeleza
visita a Serra, Pelada"!
33
Gritei: “- Pare, seu Joaquim”,
quando o trem apareceu...
Ele ainda olhou pra mim,
falou: “Ímpare!” e morreu...
34
Investigou tudo aquilo
que falavam da Tereza
e agora não tem mais "grilo"!...
Agora ele tem certeza!!!
35
Já velho o Sansão estrila:
"Minha mulher tá caduca...
Mal cochilei e a Dalila
tosou a minha peruca!?
36
Jaz o ancião na cascata!...
Seu anjo, que é seu abrigo,
já velho e com catarata,
não viu a placa "PERIGO"!
37
Leva o troféu “Bom de bola”
o craque da temporada.
Sem jogar nada, é o cartola
quem sempre leva a “bolada”.
38
Ladrão alto, bem vestido,
já sai, do quarto, ligeiro,
e ouve a voz... quase um gemido:
“Só lhe interessa dinheiro”?
39
Na escada, a aposta suicida
dos genros, no arranha-céu:
- Leva, quem perde a corrida,
a sogra como troféu!
40
Na guerra pela conquista
de um bom salário, valentes,
a manicure e o dentista
lutam com unhas e dentes!
41
Não sobrou uma peninha!!!
E o galo machão despista:
- Saio pelado da rinha
quando é verão, sou nudista.
42
Não houve pancadaria
nem sufoco na paquera...
“Sou homem”, disse a Maria.
Ainda bem que o Zé  não era!
43
Na pescaria, é a fisgada
tão forte, que a vara entorta!
E a boneca: - É peixe-espada?
Comer sardinha,  nem morta!!!
44
Nas Bodas de Ouro, ela encuca:
- Quer, meu bem, uma canjinha?
Grita o velho: - Tá caduca?
Que culpa tem a galinha?
45
No açougue foi tal o susto
ante o preço do filé,
que a peruca do seu Justo
ficou de cabelo em pé!
46
"No fogão eu passo o dia",
disse ele antes de casar.
Só não disse pra Maria
que o tal fogão era um bar!
47
Num dos quadros se consterna...
vê o pintor... mete o bedelho:
- Que homem feio! Arte moderna?
- Não, meu senhor... É um espelho!
48
Num pagode eu fui dançar
diz o velho, e "aconteceu"
quando a moça eu fui tirar:
– Quer dar-me a honra? E ela deu!
49
O bombeiro subalterno
morreu... e o céu foi seu rogo...
Mas, foi mandado pro inferno
porque no céu não tem fogo!!!
50
O marido não aguenta
ver a cara da Maria!...
“Não dá pra trocar – lamenta
– veio sem a garantia!”
51
 O marido sai a campo
– e o pipoqueiro é estourado!...
vendo a esposa com sarampo
e o vizinho empipocado!!!
52
"0 que faz dentro do armário ?!"
Nu, no aperto, ele se poupa:
- "tem traças!... e o esposo otário:
- "Xi !!! comeram sua roupa!?
53
O salão, que se destaca,
lota, assim que a noite desce,
por um engano na placa:
- “Faço tranças” tá com S!!!
54
Os dois donos têm receio
que a maloca caia e, agora,
toda noite tem sorteio:
enquanto um dorme o outro escora!
55
Padre, eu sei quem é Jesus?,
diz o caipira e dispara:
“Conheço o sinar da cruz...
Num sei é espaiá na cara!”
56
O trovador tá empolgado
e até troféu quer ganhar!...
O tema é “Mar” e eis o “achado”:
- És meu mar... mas não faz mar!
57
Passa o efeito do remédio
e o velho, sem jeito, avisa:
- Demorou demais o assédio
e o furacão virou brisa!
58
- Peço a mão de sua filha...
e aí para, ante a visão:
Tá o sogro de sapatilha
e a sogra de sapatão!
59
Pede a graça ao padroeiro
e promete ao santo, à beça...
É um beato caloteiro
que não paga nem promessa!
60
Perdeu no xadrez também...
e, sem dinheiro, se abate
ouvindo a ordem de alguém:
— Se não der um cheque... mate!
61
Pedir votos, não foi "canja"!
Um político safado
criou confusão na granja
e saiu "ovocionado!?
62
Pergunta o "maitre", polido:
(no prato a vespa... tostada!)
- E qual foi o seu pedido?
- O prato da vez passada!
63
"Peruca!... dente postiço...
Tô velho", pensa o Danilo.
E, como só pensa nisso,
não dá pra pensar "naquilo"!
64
Por xeque-mate, em segundos,
perdeu tudo... e o que ele fez?
Pagou com cheque sem fundos
e foi parar no “xadrez”!
65
Por assédio à passageira,
o maquinista apanhou!!!...
Na maca, diz pra enfermeira:
- O meu trem descarrilhou...
66
Por vê-lo em farras constantes,
com humor, fez a surpresa:
- Querido, se chegar antes,
deixa a luz de fora acesa.
67
Pra casar, fingiu carinho
e ao tornar-se sua herdeira,
encomendou pro velhinho,
um pijama de madeira.
68
Pôs anúncios nas estradas:
"Por um módico aluguel,
moitas limpas, bem cuidadas".
E inaugurou seu"Moitel"!
69
Prende a sogra na moenda
e aí prepara a cilada...
Faz negócio com a fazenda
mas..."de porteira fechada!"
70
Pra cantá, estudamo um meis
e num é que nóis se gabe:
nóis quebra um galho em ingreis
e portugueis... nóis já sabe!
71
Quando a vida se distrai
ou dá tudo ou tudo nega;
Rico, pega o carro e sai...
pobre sai – e o carro pega!
72
“Que consulta milionária!”
diz o velhinho... e diz mais:
“Se a doença é hereditária,
é dívida dos meus pais!”
73
Querendo ver o acidente,
ele abriu caminho a murro...
Foi dizendo: "Sou parente"...
Mas quem morreu foi um burro!
74
Se alguém de menina o chama,
se ofende o nenê Raul
que, tirando o seu pijama,
mostra o sapatinho azul!
75
Sem avisar, sorrateira,
foi ao pagode e azarou:
- No baile, um "chá de cadeira"!
Chegando em casa... "dançou"!
76
Se põe pijama listrado,
de zebra a mulher o chama...
E alguém explica ao coitado:
"Zebra é um burro de pijama"!
77
Seu dono, pra castigá-lo,
— perdeu, na rinha, outra vez —
com um dos filhos do galo
fez um franguinho xadrez!
78
Sultão velho vende, urgente,
tendas sem uso, importadas.
No aperto, dá de presente,
odalisca e esposa usadas.
79
- Talvez o ciúme a incomode
mas, seu marido eu cobiço...
como ele é bom no pagode!!!
- Meu bem, ele é bom só nisso!
80
"Tira a mão! - Diz, enfezada -
tá pensando que é baderna?"
"Desculpe, ao dançar lambada,
nunca sei de quem é a perna!?
81
Trabalha no vestiário
onde o marido é roupeiro,
e, pra aumentar seu salário,
“dá bola” pro time inteiro!
82
Um banhista, ante os apelos,
tenta salvar o Manduca
agarrando os seus cabelos.
Só que ele usava peruca!
83
Um remédio envenenado
e a Julieta morreu...
O Romeu foi condenado
porque ela disse: "Erro meu".
84
Vendo a fera, fica “um gelo”...
retira a cruz do pescoço.
Mas, o leão, ante o apelo:
“Só rezo depois do almoço!”
85
- Vamos ao circo sozinhos
e, por favor, fiquem calmas.
E as mães dos dois mosquitinhos:
- É que o povo bate palmas!
86
Vê o boneco em sua cama
e arma o maior alarido!
O "banana de pijama"
é um clone do seu marido!!!
87
- Vou ganhar... meu santo é forte!...
E o santo: - Eu não sei jogar...
Nem sei porque pede sorte,
se aposta em “jogo de azar”?!
88
"Zerou" no vestibular !!!
Com vergonha, ela tremeu,
disse ao pai, pra disfarçar:
- Sabe a última ?  Sou eu !

Lairton Trovão de Andrade (Descontraindo em versos)

01. Destrua a melancolia, pois a vida se renova! Contra a tristeza, Maria, beba chazinho de trova! 02. O plagiário é caricato que no mundo s...